sábado, 31 de maio de 2014

Sucesso do cigarro eletrônico é desafio para autoridades sanitárias 
Laetitia Clavreul e Pascale Santi - Le Monde
Mario Anzuoni/Reuters - 5.mar.2014Jovem usa cigarro eletrônico em bar de Los Angeles (EUA) Jovem usa cigarro eletrônico em bar de Los Angeles (EUA)
Um sinal de que já foram adotados pela sociedade é o fato de os termos "cigarro eletrônico", "vapoter" e "vapoteur" terem entrado na edição de 2015 dos dicionários Larousse e Robert. A palavra francesa "vapoter", para o Larousse, é "a ação de fumar um cigarro eletrônico", mas para Brice Lepoutre, presidente da Aiduce, associação de usuários, "vapoter não é fumar". Mesmo na definição dos termos, o assunto é polêmico.
Para as autoridades sanitárias, o assunto é um dilema, até um desafio. No dia mundial sem tabaco, neste sábado (31), vemos uma sucessão de estudos contraditórios sobre a eficácia do cigarro eletrônico como ferramenta de abstinência de tabaco ou sobre sua inocuidade.
"São aguardados novos estudos, sobretudo os feitos junto aos jovens. Por ora, ainda é cedo demais para oferecermos uma mensagem clara", acredita François Beck, o novo diretor do Observatório Francês das Drogas e das Toxicomanias (OFDT). No entanto, o poder público se comprometeu a regulamentar a ferramenta em junho, e uma diretiva europeia sobre os produtos do tabaco deve ser transcrita para a legislação francesa até 2016.

Ninguém havia previsto uma febre como essa

Há uma preocupação em evitar que o cigarro eletrônico seja uma porta de entrada para o tabagismo, mas sem exageros, uma vez que ele se tornou um meio para largar o cigarro convencional. A isso se soma o medo de incentivar o consumo de um produto que poderia comportar riscos.
Hoje, 1,5 milhão de franceses utiliza diariamente o cigarro eletrônico, e quase 10 milhões já o haviam experimentado pelo menos uma vez até o final de 2013, segundo o OFDT. Quando ele chegou ao mercado francês em 2010, ninguém havia previsto uma febre como essa.
A pedido do presidente François Hollande, o Ministério da Saúde deve apresentar dentro de algumas semanas um plano nacional de redução do tabagismo, enquanto o Alto Conselho de Saúde Pública (HCSP) emitiu, na quarta-feira (28), um parecer que provocou exaltados debates.

O fumante de cigarro eletrônico é "menos exposto ao alcatrão"

No final, a instância reconhece que o cigarro eletrônico "pretende" ser uma alternativa ao tabaco, então deve ser considerada uma "ferramenta de redução dos riscos do tabagismo". Isso porque quem fuma o cigarro eletrônico está "menos exposto ao alcatrão, aos carcinógenos e outros produtos tóxicos do tabaco".
Os riscos associados ao cigarro eletrônico são unanimemente considerados menores do que aqueles associados ao tabaco, que mata 73 mil pessoas a cada ano na França.
Mas levando em conta sua análise da literatura internacional, o HCSP conclui, por ora, que não existe "eficácia significativamente maior em relação aos substitutos de nicotina". Segundo o OFDT, mais da metade das pessoas entrevistadas fumam o cigarro normal e o eletrônico ao mesmo tempo, tornando-se aquilo que o HCSP chama de "vapofumantes".
Um ponto bastante polêmico é o fato de que muitos fumantes de cigarro eletrônico querem parar de fumar, as vendas de tabaco caíram 6,2% em 2013 e a queda tem continuado em 2014.
Em um comunicado divulgado na quinta-feira (29), mais de 50 médicos e especialistas de 15 países pediram à Organização Mundial de Saúde para incentivar o uso do cigarro eletrônico em vez de buscar reprimi-lo. O professor Bertrand Dautzenberg, presidente da Agência Francesa de Prevenção do Tabagismo, vê ali um meio de declarar a guerra ao tabaco.

A venda aos menores já é proibida

No entanto, o HCSP também aponta para um risco da "renormalização" do tabagismo e do uso da nicotina sob todas suas formas. É um risco ainda maior pelo fato de que a indústria do tabaco agora está investindo muito nesse produto, e que sua capacidade de influência, sobretudo junto aos jovens, já é bem conhecida.
O Ministério da Saúde tem por que comemorar esse parecer: ao convidar os estabelecimentos públicos a regularem para proibir o uso de cigarros eletrônicos, ele segue a linha adotada por Marisol Touraine em 2013, que havia anunciado sua intenção de proibir o cigarro eletrônico aos menores de idade ou ainda em locais públicos, ao mesmo tempo reconhecendo seu interesse no processo de abstinência do tabaco.
Um ano depois, a venda aos menores já foi proibida, como parte da chamada lei sobre o consumo Hamon. A proibição do fumo em locais públicos deve fazer parte da legislação sobre a saúde, cujos detalhes serão anunciados no dia 17 de junho, e na qual está previsto "proibir o uso de cigarro eletrônico seguindo as mesmas regras que se aplicam aos produtos do tabaco."

Peso crescente dos atores econômicos

A reação provavelmente não deve demorar. Os usuários, vendedores e fabricantes estão cada vez mais empenhados em exaltar as vantagens do produto. Algumas redes de lojas, por exemplo, se envolveram a fundo no dia mundial sem tabaco oferecendo cigarros eletrônicos.
A princípio, é uma dificuldade a mais no quebra-cabeça a ser resolvido, pois é quando o fenômeno e seus atores estão profundamente estabelecidos que o poder público começa a regulamentar.
A Federação Adição, que reúne os profissionais da saúde, também se preocupa com o peso crescente dos atores econômicos e de suas já conhecidas técnicas de marketing para exaltar os produtos viciantes.
Mas pelo menos se vê um ponto a  partir do qual as autoridades devem se basear.
"A redução de riscos sempre parte do conhecimento dos usuários, aqueles que utilizam e experimentam um produto. Então o cigarro eletrônico tem seu interesse, pois ele parte do consumidor e vai na direção do discurso do profissional, e não o inverso", observa Jean-Pierre Couteron, presidente da federação. Mas ele acredita que já está na hora de ferramentas e conselhos confiáveis serem oferecidos pelo poder público.

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