Regulação da mídia
SÉRGIO LAZZARINI - OESP
O
tema da regulação da mídia retornou com força. Agenda histórica de
partidos de esquerda, a proposta de criação de uma agência reguladora
para o setor foi posta de lado por Dilma Rousseff no primeiro mandato.
Segundo ela, os "excessos" da imprensa seriam preferíveis "ao silêncio
da ditadura". Mas, com a necessidade de contentar suas bases durante o
polarizado confronto eleitoral, Dilma se viu obrigada a mudar de ideia.
Embora seja refratária a qualquer controle de conteúdo, agora se diz
favorável a um marco de regulação econômica contra monopólios e
oligopólios.
Em entrevista ao jornal Valor Econômico (7/11), foi
perguntada se esse tipo de regulação já não estaria sob a jurisprudência
do nosso órgão antitruste, o Cade. Ela respondeu: "O Cade está aí para
qualquer setor. Por que o setor de energia, petróleo, transporte tem
regulação e a mídia não pode ter?".
Faz muito sentido a pergunta.
De fato, marcos regulatórios da mídia existem em vários países
desenvolvidos. Mas boas perguntas podem ocultar segundas intenções. A
blogosfera governista deixa muito claro que a proposta de regulação tem
endereço certo: grandes grupos de jornalismo que, segundo eles,
distorcem informações a favor da oposição e das elites. Ainda assim,
vamos dar o benefício da dúvida. Poderiam estar o governo e suas bases
de fato interessados na criação de um marco de regulação imparcial e
eficaz?
Nos últimos anos, o País presenciou uma progressiva
concentração setorial em grupos de grande peso. Foi uma política
deliberada do governo, desde Lula. Com abundantes recursos do BNDES e
outros fundos públicos, foram criados "campeões nacionais" oriundos do
entrelaçamento de diversos grupos. Por exemplo, para facilitar a criação
da Oi, resultado da sua fusão com a Brasil Telecom, o governo alterou
até regras vigentes no setor, definidas pelo Plano de Outorgas, que
impedia que um mesmo grupo tivesse concessões em regiões distintas. Como
mostrei no livro Capitalismo de Laços, conexões societárias cruzadas
proliferaram em múltiplos setores. Um governo que estimulou tanta
concentração e cruzamento societário estaria genuinamente preocupado com
a defesa da concorrência no setor de mídia?
De forma ainda mais
ampla, tivemos claros sinais de que o atual governo não acredita em
regulação econômica independente - algo visto como receituário
neoliberal. As atuais agências, que já careciam de aprimoramento, foram
enfraquecidas e subordinadas às decisões do Executivo. Em 2003, pouco
antes da sua posse, Lula se queixou de ser "o último a saber" sobre os
reajustes de preços propostos pelas agências. No mesmo ano, Dilma,
ministra de Minas e Energia, manifestou desconforto com a divulgação de
certas informações pela Agência Nacional de Petróleo. Já como
presidente, passou por cima de várias agências para implementar suas
políticas de intervenção. No setor elétrico, por exemplo, seguiu com sua
ideia de redução forçada de tarifas mesmo havendo opinião contrária de
técnicos da Agência Nacional de Energia Elétrica. Um governo que
enfraquece agências que já existem irá de fato se comprometer a não
intervir em prol da sua própria agenda?
Não é de estranhar, pois,
que a nova proposta de regulação da mídia seja vista com muito
ceticismo e desconfiança sobre suas reais intenções. Faço, então, uma
proposta concreta. Vamos, antes de tudo, reforçar nosso marco
regulatório de forma ampla. O governo terá de se comprometer a manter as
agências verdadeiramente independentes, sem virar a mesa quando algo
for decidido à sua revelia. Terá de acabar com as nomeações políticas e
loteamento de cargos, indicando técnicos de grande experiência e
reconhecimento no seu setor. As agências terão mandato claro e metas
propostas por especialistas, discutidas pela opinião pública e aprovadas
pelo Legislativo. No quesito concorrencial, vamos definir com clareza o
que compete a cada agência e o que já pode ser feito pelo órgão de
defesa da concorrência que já existe, o Cade. Aí, sim, podemos discutir o
interesse público de um novo marco de regulação da mídia e até mesmo,
se cabível, em outros setores. Que tal?
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