segunda-feira, 13 de julho de 2015

O universo virtual da Rússia
Maxim Trudolyubov - TINYT
Maxim Zmeyev/Reuters
Uma organização de cossacos inaugurou um busto do presidente russo Vladimir Putin como um imperador romano perto de São Petersburgo, em "reconhecimento da anexação da Crimeia" pela Rússia, em maio deste ano Uma organização de cossacos inaugurou um busto do presidente russo Vladimir Putin como um imperador romano perto de São Petersburgo, em "reconhecimento da anexação da Crimeia" pela Rússia, em maio deste ano
Quando você volta a Moscou após uma longa ausência, a cidade o deixa oprimido, engolindo-o em seu movimento vinte e quatro horas. É tão agitada e surreal como nunca. Parques, cafés e clubes estão todos cheios de pessoas bem vestidas. E aqueles que têm influência, os poderosos no mundo da política, economia e da mídia, continuam acrescentando novas distrações.
Entre elas está o Garage Center, de US$ 27 milhões (R$ 87 milhões), um museu de arte contemporânea sofisticado que acaba de abrir no Parque Gorky. Foi criado pela socialite Dasha Zhukova, financiado por seu marido, o magnata bilionário Roman Abramovich, e desenhado por um dos arquitetos mais influentes do mundo, Rem Koolhaas.
Embora a coleção de Rothkos de Zhukova possa não ser do gosto de todo mundo, os moscovitas em breve terão outra maravilha para admirar: uma estátua de 24 metros de Vladimir, o Grande, o príncipe que cristianizou o Kievan Rus no final do século 10. Este líder é retratado, com a espada ao lado, carregando uma grande cruz, em pé com uma postura elegante e tradicional. Mas o mais surreal é a controvérsia sobre onde colocá-lo.
Originalmente, o príncipe Vladimir deveria ser colocado em uma varanda de observação nos Montes Pardal, com vista para Moscou. Agora os funcionários municipais querem colocá-lo na Praça Lubyanka, em frente à sede do Serviço Federal de Segurança, ou FSB, onde antes ficava a estátua do temido Felix Dzerzhinsky. O monumento ao fundador da Cheka, a precursora da KGB, foi derrubado em 1991, mas os funcionários do Partido Comunista querem-no de volta em seu antigo local e propuseram um referendo para resolver o problema.
É improvável que eles consigam o que querem. Dzerzhinsky pode ser um santo comunista, mas o simbolismo da estátua do príncipe é inevitável. Ela será uma homenagem ao novo Vladimir, e não apenas ao antigo. Isso pode ser óbvio, mas o assunto é evitado nas conversas educadas.
Existem outros tópicos —-o aumento dos preços, o confronto na Ucrânia, as coisas por vir-— sobre os quais as pessoas não gostam de pensar, mesmo que estes temas sejam inevitáveis às vezes. A economia está entrando em "uma crise com todas as letras", disse o ex-ministro das Finanças Alexei Kudrin ao Parlamento recentemente. Ele alertou que a previsão do PIB da Rússia é 4% menor este ano do que era em 2014. Enquanto isso, os preços dos alimentos estão subindo. Os números oficiais indicam um salto de 23% para o ano que termina em março, mas uma pesquisa informal nos mercados do meu bairro sugere que um aumento de 30% é mais realista.
Pela primeira vez em dez anos, o governo disse que não vai conseguir aumentar as pensões e outros benefícios sociais para compensar a inflação, que oficialmente está estimada em 12% para o ano corrente. No primeiro trimestre de 2015, mais de 23 milhões de pessoas foram oficialmente classificadas como estando abaixo da linha da pobreza, três milhões a mais do que no ano passado.
No entanto, as pesquisas mostram que a popularidade do presidente Vladimir Putin é ainda maior agora do que era um ano atrás. A maioria dos meus compatriotas acreditam que os motivos por trás dos nossos fracassos econômicos estão em outros lugares, não na Rússia. "Por que eles estão fazendo isso conosco?" Um vizinho que sabe que sou jornalista me perguntou, referindo-se às sanções ocidentais. Sua observação é típica. Tento explicar que elas foram impostas por conta da invasão do Kremlim na Crimeia, e que a queda nos preços do petróleo aconteceu por causa de uma série de fatores econômicos e políticos globais. Mas ele só sorriu daquele jeito. Ele sabe o que "eles" estão realmente fazendo contra "nós".
Ele é apenas um dos muitos russos que vivem em um universo imaginário, inventado pela mídia. Meus compatriotas ficaram passivos; eles se tornaram um público para a versão dos acontecimentos destilada pelo Kremlim; eles assistem ao invés de agir. Mesmo que o nosso governo se torne cada vez menos "soviético", à medida que se consolida e reduz os serviços de saúde, escolas e outros, o Kremlin continua impondo a visão de mundo da velha União Soviética para os cidadãos.
As questões internas não merecem tempo no ar nos principais programas de notícias e talk shows políticos. As matérias internacionais tomam a maior parte da programação. A televisão apresenta tudo o que está acontecendo no mundo como uma batalha épica entre uma grande nação e os estrangeiros maldosos. O recente escândalo de corrupção na Fifa e a renúncia de seu presidente, Joseph Blatter, foi apresentado no "Vesti Nedeli", um programa semanal importante de comentários, como uma tentativa dos Estados Unidos de comandar o futebol mundial. A Rússia e Putin foram retratados como aqueles que tomaram uma posição corajosa para proteger o jogo. Mas uma vez que Blatter renunciou, o programa parou de acompanhar a história da Fifa.
Ao discutir a expulsão da Rússia do G-8, Vitaly Tretyakov, um ferrenho comentarista pró-Putin em um dos principais talk shows políticos do país e que se refere ao nosso país como uma nação "dissidente". Sr. Tretyakov, que foi um defensor vigoroso da imprensa livre na década de 90, declarou, sem ironia: "Ser um dissidente é uma vocação nobre". Ele estava se referindo, naturalmente, não aos opositores russos (todos eles são apenas fantoches do Ocidente, de qualquer forma), mas sim ao nosso presidente corajoso e seus associados, que se atrevem a mostrar a sua independência e integridade enfrentando o bullying ocidental liderado pelos EUA.
A mensagem é sempre a mesma. Putin combate as elites globais corruptas que estão interessadas apenas em manter o poder. Seu centro é Washington. Os "chefes do partido" estão privando a Rússia de seu lugar de direito no mundo. Eles têm difamado e isolado a Rússia, mandado-a para o exílio, separado-a de suas fontes de riqueza.
O universo apresentado na televisão russa não passa de uma imagem bizarra e invertida de uma União Soviética imaginária, um mundo no qual a Guerra Fria está de cabeça para baixo. Agora as pessoas no Kremlin —-os apoiadores de Putin, e não seus críticos-— são apresentadas como as verdadeiras dissidentes dos nossos tempos. Eles são os heróis que se posicionam contra a injustiça global e a dominação estrangeira. Na distopia televisiva de Putin, os "chefes do partido" em Washington estão fazendo para a Rússia exatamente aquilo que a polícia secreta comunista costumava fazer para os dissidentes e ativistas pelos direitos humanos da Guerra Fria como Andrei Sakharov. Esses estrangeiros estão privando a Rússia de seu lugar de direito no mundo; eles a estão enviando para o isolamento, separando-a de suas fontes de renda e difamando sua honra.
Enquanto isso, os cidadãos de Moscou continuam vivendo, erguendo monumentos, frequentando cafés e divertindo-se. Eles não querem ver que a própria economia está em crise, que seu amado país é visto amplamente como uma das forças mais destrutivas do mundo, e que o seu futuro parece cada vez mais sombrio. Em vez disso, eles se sentam e assistem ao show, encantados com a mentira de que seu país está de alguma forma envolvido em uma guerra santa digna do príncipe Vladimir.
Tradutor: Eloise De Vylder 

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