sexta-feira, 25 de dezembro de 2015

Para os cristãos no Oriente Médio, a fé tem um preço alto
Nicholas Kristof - NYT
YOUSSEF KARWASHAN/AFP
Ao celebrarmos o Natal, vamos lembrar que esta é uma daquelas épocas brutais em que algumas famílias devem optar entre a religião e a vida. Como quando Nero queimou cristãos vivos, ou quando aqueles que se diziam cristãos lançaram os ataques contra os judeus.
Em parte por causa de uma espécie de alergia à religião, a resposta internacional tem sido totalmente ineficaz. Os liberais às vezes relutam em defender os cristãos que são perseguidos pela fé. E os conservadores correm para defender apenas os cristãos, negligenciando outras minorias religiosas --como os iáziges-- que sofrem ainda mais. Um dos resultados desse abismo religioso entre democratas e republicanos é que a resposta ocidental às atrocidades cometidas pela opressão religiosa é patética e inadequada.
O Estado Islâmico divulgou em outubro um vídeo de revirar o estômago que oferece um vislumbre do pior tipo de repressão religiosa. Três cristãos sírios vestindo macacões laranja, um deles médico, são obrigados a se ajoelhar no deserto e declarar sua religião. Atrás de cada deles há um carrasco armado que dispara uma bala na parte de trás da cabeça de cada cristão.
Alguns líderes cristãos dos Estados Unidos querem que o presidente Barack Obama declare que há um genocídio em andamento contra os cristãos no Oriente Médio. Acho que eu não chamaria de genocídio, mas com certeza é a versão religiosa de uma limpeza étnica.
Em 1910, os cristãos respondiam por 14% da população do Oriente Médio. Hoje, são cerca de 4%, resultado da emigração, taxas de natalidade mais baixas e da repressão religiosa que ameaça a viabilidade do cristianismo em grande parte da região onde ele nasceu.
Os Estados Unidos têm alguma responsabilidade sobre isso, pois a invasão do Iraque em 2003 piorou drasticamente a limpeza étnica. O número de cristãos no Iraque caiu pela metade desde 2003 e os mandeanos, uma minoria religiosa, dizem que 90% de seus membros foram mortos ou fugiram do Iraque, de acordo com um relatório indispensável da Comissão dos EUA para a Liberdade Religiosa Internacional.
O grupo mais reprimido no Oriente Médio talvez sejam os iáziges, um grupo antigo com sua própria religião monoteísta. Em agosto de 2014, o Estado Islâmico invadiu territórios iáziges, matando imediatamente cerca de 5.000 pessoas, a maioria homens. Cerca de 3.000 mulheres e meninas foram sequestradas e, em muitos casos, transformadas em escravas sexuais. Uma delas tinha apenas 9 anos de idade e foi entregue a um combatente do EI para ser estuprada; ninguém sabe o que aconteceu com ela.
Laila Khoudeida, uma mulher iázige que chegou nos Estados Unidos em 1999 e hoje é assistente social em Nebraska, passa as noites oferecendo aconselhamento psicológico à distância para meninas e mulheres iáziges que fugiram de seus raptores. Ela me contou sobre Hedya, que tinha 16 anos quando os combatentes do EI atacaram sua família.
Os combatentes do EI primeiro atiraram no pai de Hedya na frente dela, e então transformaram Hedya e sua mãe em escravas sexuais, diz Khoudeida. A mãe de Hedya conseguiu fugir, mas Hedya foi capturada e espancada. Por fim, depois de mais de um ano de escravidão sexual, Hedya fugiu há algumas semanas. Mas por causa dos espancamentos e estupros, Hedya tem ferimentos na cabeça e dores na região pélvica. O trauma psicológico também é devastador: ela passa boa parte do tempo soluçando.
Não é só o EI que é o problema. O Irã faz de tudo para perseguir a minoria bahai. Muitas nações perseguem os ahmadis como hereges. Em muitos países, inclusive no Egito, com sua grande população de cristãos cópticos, cristãos e outras minorias não se sentem mais seguros. E os alvos mais comuns de perseguição em países muçulmanos são os próprios muçulmanos, em parte por causa da guerra civil entre as facções xiitas e sunitas. Um dos maiores venenos do Oriente Médio é o desprezo de grupos sunitas contra os xiitas.
Embora os vilões muitas vezes sejam muçulmanos, os heróis também o são. Quando o Irã acusou um pastor cristão por apostasia, foi um corajoso advogado muçulmano, Mohammad Ali Dadkhah, que o defendeu e conseguiu sua absolvição --mas depois o Irã condenou Dadkhah à prisão por nove anos por acusações políticas vagas. Ele é um modelo de liderança contra a perseguição religiosa de pessoas de outra fé.
Os republicanos estão certos em exigir que Obama se pronuncie mais incisivamente contra a perseguição religiosa e é triste que os Estados Unidos fiquem em silêncio quando aliados como a Arábia Saudita são um modelo de intolerância religiosa. Mas os republicanos saem dos trilhos quando insistem (como Ted Cruz e Jeb Bush fazem) que os cristãos devem ser favorecidos como refugiados.
O status de refugiado deve ser conferido aos mais vulneráveis, independentemente de sua religião --e em muitos casos na Síria, esses não são os cristãos, que muitas vezes foram protegidos pelo regime de Assad ou se mudaram para enclaves cristãos no Líbano. O Estado Islâmico tem sido violento com os cristãos mas, felizmente, poucos cristãos sírios vivem em áreas tomadas pelo Estado Islâmico.
Grupos cristãos como o World Relief rejeitaram a acusação republicana de que o governo Obama discrimina os cristãos no processo de conferir status de refugiado. No geral, 44% dos refugiados que se estabeleceram nos Estados Unidos desde 2003 são cristãos; 30% dos refugiados iraquianos aceitos pelos Estados Unidos são cristãos, observou a revista "Christianity Today". E a iniciativa republicana para barrar os refugiados sírios significa que deixaríamos de fora cristãos sírios desesperados.
"A maioria dos líderes de igrejas sírias insistem que os cristãos não devem receber um tratamento especial", observa Miles Windsor da Middle East Concern, uma organização que apoia cristãos perseguidos. "A atribuição do status de refugiado ou a oferta de asilo deve ser baseada na vulnerabilidade e na necessidade. Fazer o contrário não só viola a lei internacional dos refugiados e o direito humanitário, mas também os ensinamentos de Cristo."
Nós não precisamos dar preferência aos cristãos. Mas devemos reconhecer que os cristãos do Oriente Médio, ao lado de iáziges, mandeanos e outros, estão enfrentando uma limpeza étnica e que confrontar isso deve ser uma prioridade global dos direitos humanos. Ao celebrarmos o Natal, vamos falar por aqueles para quem a religião não é uma prática esporádica, mas sim uma questão de medo, estupro e assassinato.
Se precisarmos de inspiração, podemos encontrá-la entre os iáziges, que têm uma cultura tradicional que enfatiza a castidade antes do casamento. Por isso, algumas escravas sexuais resgatadas temem o estigma vitalício que as impossibilitará de terem uma família. Mas recentemente dezenas de homens iáziges deram um passo à frente e anunciaram que respeitam essas mulheres e meninas estupradas e querem se casar com elas. As meninas estupradas agora podem escolher seus maridos. Bravo! É um lembrete de que, ao lado do pior da humanidade, também podemos encontrar o melhor dela.
Tradutor: Eloise De Vylder 

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