domingo, 27 de dezembro de 2015

Velho império da mídia alemã dá uma guinada para a era digital
Nicola Clark - NYT
Gordon Welters/The New York Times
Redação do Bild na Alemanha
Redação do Bild na Alemanha
Quando Mathias Doepfner, diretor executivo da Axel Springer, e um punhado de altos executivos da empresa decidiram ir para os Estados Unidos há três anos, foi com o caderno em mãos, e não o talão de cheques.
Uma década depois de assumir a direção em 2002, Doepfner já tinha feito avanços significativos na reformulação do maior grupo editorial da Alemanha para a era digital. A audiência combinada na internet dos seus carros-chefe, os jornais "Bild" e "Die Welt", tinha se tornado uma das maiores da Europa, e o grupo estava investindo pesado em empresas digitais que geravam uma parte crescente de suas receitas e lucros.
Ainda assim, Doepfner, 52, achava que a cultura administrativa da empresa ainda era muito hierárquica e avessa ao risco, tornando-a vulnerável à concorrência de empresas de tecnologia mais ágeis dos Estados Unidos, como o Google e o Facebook, bem como de marcas de mídia digital em ascensão, como BuzzFeed e Vice.
"Ficou muito claro para mim que precisávamos acelerar nossa transformação cultural", disse Doepfner em uma entrevista recente na sede de Berlim da Axel Springer.
Mas em vez de alistar um exército de consultores caros, Doepfner optou pelo equivalente empresarial da terapia de eletrochoque. No verão de 2012, ele enviou três altos executivos da Axel Springer para a Califórnia por nove meses. Eles ocuparam juntos uma casa alugada em Palo Alto, com ordens para fazer contatos com executivos do Vale do Silício e estudar os hábitos e costumes da cultura de startups dos EUA.
As lições foram proveitosas. As atividades digitais agora geram mais de 60% das receitas da Axel Springer e pouco mais de 70% de seu lucro operacional, sugerindo que a essa liderança descarta qualquer dúvida mais persistente sobre o futuro online da companhia.
Agora, à medida que busca expandir a sua audiência mundial, a Axel Springer vem agindo de forma mais agressiva para aumentar seu portfólio. Desde junho, ela abocanhou participações nas empresas de mídia digital Thrillist, Mic.com e Jaunt, dos EUA, e, em sua maior aquisição, pagou US$ 343 milhões (R$ 1,37 bilhão) no final de setembro pelo controle acionário do Business Insider, um site de notícias financeiras de Nova York.
A iniciativa mais ousada de Doepfner no ano passado acabou fracassando. Durante o verão, a Axel Springer perdeu a oportunidade de adquirir o "Financial Times", sendo derrotada na fase final por uma oferta de US$ 1,3 bilhão do grupo editorial japonês Nikkei. Ainda assim, foi uma grande jogada que revelou a sede de expansão da companhia. Logo depois veio a aquisição da Business Insider, que deu um novo impulso para a entrada da empresa no mundo anglófono e gerou especulações de que a Axel Springer estava longe de parar de aumentar seu poder de fogo digital.
"Eu não descartaria que, dentro de dez anos, nossa empresa possa ser 100% digital" em termos de receitas, e 80% ou mesmo 90% internacional", em comparação com cerca de 50% hoje, disse Doepfner, observando a vista panorâmica da capital alemã em seu escritório com paredes de vidro. "E que, dada a dimensão do mercado norte-americano, a maior parte do nosso negócio em língua inglesa será nos Estados Unidos."
A Axel Springer considera o Business Insider, com seus leitores mais jovens e familiarizados com a tecnologia, como seu "investimento âncora nos Estados Unidos", disse Jens Mueffelmann, 49, diretor executivo de empreendimentos digitais do grupo, que em janeiro se tornará diretor das operações norte-americanas da Axel Springer. A aquisição segue uma série de apostas menores em mais de uma dúzia de startups digitais dos EUA cujas atividades geralmente caem dentro de uma das três categorias: conteúdo de mídia, marketing e classificados.
Estes investimentos minoritários no mercado dos EUA, feitos diretamente ou em parceria com fundos de capital de risco, "nos deixa com um lugar na mesa e um pé dentro dessas empresas", disse Mueffelmann. "Então, à medida que elas crescem, nós aumentamos nossa participação."
Mas a disputa recente entre os maiores grupos de mídia do mundo por novas empresas digitais --em muitos casos, de sucesso incerto-- elevou o valor das avaliações, e alguns analistas alertam que a estratégia de investimentos da Axel Springer representa uma aposta cara e potencialmente arriscada.
"A Axel Springer tem feito um grande número de aquisições que são apenas apostas digitais", disse Claire Enders, fundador da Enders Analysis, uma empresa independente de pesquisa dos setores de mídia e telecomunicações, em Londres. "As empresas digitais hoje estão sendo vendidas por muitas vezes seu valor, mas elas também têm uma taxa alta de fracasso. Muitas são, literalmente, vaga-lumes."
Doepfner citou a decisão de se retirar da disputa pelo "Financial Times" como prova de que a empresa poderia manter a linha nos gatos com investimentos.
"Temos sido compradores muito disciplinados ao longo dos últimos dez anos e preferimos desistir a pagar demais", disse ele.
No entanto, a Axel Springer, um império de controle familiar que tem laços profundos com o establishment político da Alemanha, também tem mostrado uma disposição para fazer apostas mais oportunistas. Seu primeiro negócio norte-americano, em 2012, foi um investimento modesto no site de aluguel para temporada Airbnb, apenas algumas semanas depois que Doepfner conheceu um dos seus fundadores, Brian Chesky, em uma conferência de empresários de tecnologia em Sun Valley, Idaho.
"Fiquei espantado com o potencial de crescimento e a simplicidade do modelo de negócio", disse Doepfner. Além do investimento financeiro, o principal portal imobiliário da Axel Springer, o Immonet, formou uma parceria de marketing com o Airbnb na Alemanha.
O investimento no Airbnb coincidiu com as fases iniciais do experimento da Axel Springer no Vale do Silício, que Doepfner disse foi deliberadamente concebido para obrigar os membros da gerência "a saírem da zona de conforto". A empresa, desde então, estabeleceu um programa formal de bolsas para seus executivos, bem como um escritório de negócios permanente em Palo Alto.
"Eu queria que as pessoas tivessem uma atitude de estudante", disse Doepfner, que é baixista e estudou música e teatro na Universidade de Frankfurt e no Berklee College of Music em Boston. "Através desta fórmula muito estranha, as pessoas têm se aproximado bastante", acrescentou. "Tem sido bastante transformador no sentido cultural."
Para Kai Diekmann, editor do "Bild", a experiência foi especialmente transformadora. Dieckmann, 51, que antes era um típico executivo da mídia alemã, vestindo um terno sob medida e ocupando um escritório epaçoso, voltou de Palo Alto para a redação do "Bild" em Berlim ostentando um casaco de moletom, tênis e uma barba hipster.
Ele também voltou com uma mensagem clara para sua equipe: "eu disse que eles devem estar dispostos a errar", disse Diekmann, "e a ver que o fracasso pode ser um pré-requisito para o sucesso." (Desde então, ele abandonou a barba e melhorou seu estilo casual de negócios.)
Convencer a equipe do "Bild" a experimentar com o que já foi uma das mais bem sucedidas marcas da mídia alemã foi uma luta no início, admitiu Diekmann. Mas o jornal, cuja base de assinantes digitais está em 300 mil e é bem menor do que a circulação em papel de pouco mais de 2,2 milhões, ainda assim transformou os investimentos digitais em sua prioridade, reformulando a redação para atender aos leitores que cada vez mais usam celulares e mídias digitais.
"Eu não sei se Mathias sabia naquela época o quanto ele mudaria a cultura da empresa", disse Diekmann, referindo-se a Doefner. "Mas agora fomos contagiados."
Tradutor: Eloise De Vylder 

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