terça-feira, 2 de agosto de 2016

EI transformou casas em centros de tortura e escravidão em cidade do Iraque
Bryan Denton - NYT
Bryan Denton/The New York Times
Eu acompanhei a força de elite de contraterrorismo do Iraque, outras unidades do Exército e a polícia federal iraquiana em Falluja no final de junho, durante os últimos dias de sua longa batalha para retomar o controle da cidade do grupo Estado Islâmico.
Falluja foi a primeira cidade iraquiana a cair nas mãos do Estado Islâmico, há mais de dois anos atrás, e o grupo militante teve todo esse tempo para descobrir a cidade, plantando armadilhas em toda a parte. Foi só depois de um longo cerco que as forças iraquianas se moveram para tomar o centro.
Nos últimos estágios da batalha, membros da força de contraterrorismo, em coordenação com outras unidades iraquianas, lutaram para entrar no bairro de Al Jolan em Falluja, onde combatentes do Estado Islâmico se defendiam em sua última resistência. À medida que passávamos pelas ruas bombardeadas, tiroteios se intensificavam e morteiros improvisados dos insurgentes explodiam entre becos estreitos e o cascalho, em um esforço derradeiro de deter o avanço das forças de segurança do Iraque.
Não entendi no que exatamente os combatentes do Estado Islâmico continuavam insistindo A cidade esteve cercada por meses. Quase todos os civis haviam ido embora, ou sendo expulsos pela brutalidade dos ocupantes nos primeiros dias, ou tendo escapado durante intervalos nos combates à medida que as forças iraquianas se aproximavam.
O Exército, as forças especiais e a Polícia Federal do Iraque contaram com artilharia pesada, apoio aéreo da aeronáutica americana e um paciente avanço cidade adentro.
Boa parte dos combates pesados em Falluja foi feito pelas forças de contraterrorismo treinadas pelos Estados Unidos.
As unidades eram idealizadas para incursões noturnas de alta velocidade e extrações direcionadas. Em vez disso, à medida que a luta para retomar o Iraque virou uma série de batalhas urbanas e brigas de fronteira, as pequenas e especializadas unidades foram chamadas para missões de infantaria de força bruta.
Para as unidades de contraterrorismo, Falluja era a última de uma longa série de ataques. Elas eram enviadas para onde quer que os combates estivessem mais intensos e o alvo mais crítico, enquanto o governo lutava para reconstituir seu Exército regular, falido e esvaziado por deserções.
Ele deixou as unidades de elite puídas, esgotadas.
Os combatentes do Estado Islâmico haviam construído bunkers subterrâneos em casas das quais eles se apropriaram. Quando as forças iraquianas de contraterrorismo entraram, descobriram portas de aço cobrindo buracos cortados no mármore e no piso das casas. Em outros prédios do centro da cidade, bunkers de armazenamento continham provisões de armas.
À medida que forças iraquianas avançavam quarteirão por quarteirão, quintais e telhados se tornavam pontos estratégicos vitais, nichos para atiradores e, apesar do clima terrivelmente quente, lugares para dormir debaixo do sol.
Durante um dos meus últimos dias em Falluja, os combatentes do Estado Islâmico escondidos na cidade lançaram contra nós grandes projéteis de morteiro, provavelmente feitos em uma fábrica improvisada montada na cozinha de alguém.
A unidade com a qual eu estava viajando descobriu grandes estoques de projéteis de morteiro feitos de forma grosseira: morteiros improvisados de lançamento assistido por foguetes, ou IRAMs.
Em uma das casas, a artilharia, incluindo explosivos, se encontrava empilhada na cozinha. Outros ingredientes mortíferos, como sacos de esferas de rolamentos, parafusos enferrujados, pregos e outros estilhaços, estavam espalhados.

Bryan Denton/The New York Times
Outras casas em Falluja haviam sido convertidas em câmaras de tortura e, de acordo com algumas das forças de segurança, dormitórios para as escravas sexuais do Estado Islâmico.
O Iraque se encontra em guerra desde que alguns dos soldados estavam na escola primária. Mas a evidência da brutalidade do Estado Islâmico surpreendeu até alguns dos soldados mais experientes.
Um oficial, que falou abertamente somente sob condição de anonimato, citando o protocolo militar, me disse que o Estado Islâmico era diferente dos insurgentes que ele costumava combater. Você consegue negociar com insurgentes, ele disse em um inglês permeado por jargão militar que aprendeu nos anos em que trabalhou com as Forças Especiais dos Estados Unidos, mas os combatentes do Estado Islâmico pareciam ter adotado uma selvageria desenfreada e inflexível.
Outro oficial, o tenente Hassan Almosawi, da Brigada de Resposta de Emergência do Iraque, me levou até uma prisão do Estado Islâmico que sua unidade descobriu em um bairro nobre no centro de Falluja.
As casas na região foram equipadas com barras nas portas e placas de metal perfurado soldadas nas janelas. Alguns dos quartos, possivelmente para as escravas mulheres, eram mobiliados com ventiladores, tapetes, almofadas e cobertores.
Ali perto, descobrimos uma casa de dois andares carbonizada onde o Estado Islâmico havia montado uma operação de tortura. Um pesada corrente com um gancho na ponta pendia do teto de um salão no segundo andar, e havia baterias de carro enfileiradas no chão perto da parede, conectadas a um transformador.
Do outro lado da rua, em frente à prisão e à câmara de tortura, em uma antiga escola, viam-se corpos em decomposição emaranhados em uma cova cavada às pressas, apodrecendo no calor de 48ºC.
As vítimas haviam sido vendadas e aparentemente foram mortas na fuga do Estado Islâmico da cidade.

Bryan Denton/The New York Times
Quase 60 mil iraquianos que conseguiram escapar de Falluja agora estavam presos no deserto da província de Anbar. Embora Falluja esteja muito perto de Bagdá, a somente 65 km de distância, as autoridades estavam limitando o acesso à capital por medo de que militantes que tivessem batido em retirada pudessem tentar se infiltrar na cidade.
As famílias que fugiram foram obrigadas a viver em acampamentos no deserto, castigados pelo vento, como o que visitei em Amiryat Falluja, ao sul do Rio Eufrates. Mulheres e crianças dormem ao relento, expostas ao calor e a rajadas de vento que açoitam a fina poeira do deserto para dentro de trailers incompletos.
Além de alguns poucos homens mais velhos, há poucos homens ou meninos nos acampamentos. Eles foram levados para uma triagem onde o governo tenta detectar possíveis combatentes do Estado Islâmico. Depois de semanas, algumas das famílias deslocadas ainda não têm notícias de seus homens.
A maioria das forças que defendem Falluja e os arredores são xiitas. Mas as famílias e os homens detidos são sunitas. E embora tenha havido poucos relatos de execuções ou abusos, o ressentimento e o medo das pessoas vão sendo ouvidos em sussurros.
A história nunca termina em vitória aqui.

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