quarta-feira, 3 de agosto de 2016

Vidas interrompidas: as histórias de algumas das 247 vítimas do terrorismo em março
Equipe New York Times*
Reprodução/Twitter
A marroquina Loubna Lafquiri com dois de seus filhos; ela foi uma das vítimas em Bruxelas, em marçoA marroquina Loubna Lafquiri com dois de seus filhos; ela foi uma das vítimas em Bruxelas, em março
O ritmo e amplitude das mortes são desconcertantes. Cerca de 300 membros de famílias explodidos por bombas enquanto celebravam o fim do Ramadã em Bagdá. Quarenta e nove mortos no aeroporto em Istambul, mais 40 no Afeganistão.
Nove italianos, sete japoneses, três estudantes de universidades americanas e uma mulher local brutalizados no bairro diplomático de Dacca, Bangladesh. Corpos empilhados em um ônibus na Somália, em uma mesquita e em um comércio em Camarões, em um templo na Arábia Saudita. 
Toda essa carnificina ocorreu em uma única semana, uma única semana de verão (no Hemisfério Norte) que mais pareceu uma corrente ininterrupta de ataques terroristas. Orlando e Beirute. Paris, Nice e Saint-Étienne-du-Rouvray, França. Alemanha, Japão e Egito. Cada bomba ou bala abrindo buracos em casas e comunidades. 
Nós paramos o relógio por duas semanas em março, quando ocorreram ataques importantes que dominaram as manchetes e ataques em locais onde são quase rotineiros. Nesse período, contamos 247 homens, mulheres e crianças mortos por extremistas islâmicos em assassinatos em massa contra alvos fáceis em seis países. 
Oito casais foram mortos juntos, enquanto faziam coisas que casais costumam fazer. 
Muhammad e Shawana Naveed, que estavam casados há três meses, saíram para uma caminhada de domingo em um parque paquistanês. 
Stephanie e Justin Shults, contadores que se conheceram na Universidade Vanderbilt e viviam em Bruxelas, tinham acabado de deixar a mãe dela no aeroporto. 
Zaynep Basak Gulsoy e Nusrettin Can Calkinsin, estudantes de Direito de 19 anos, estavam voltando para casa após irem ao cinema, para assistir a um filme turco chamado "Annemin Yarasi –My Mother's Wound" ('A ferida de minha mãe', em tradução livre), sobre o pós-guerra. 
Os dois passaram a namorar no colégio. "Nunca deixarei você", ela escreveu no anuário dele. "Sempre estarei ao seu lado e sempre estarei com você." Agora estão enterrados lado a lado.
Eles estavam entre as 36 pessoas mortas em uma praça pública em Ancara, a capital da Turquia, em 13 de março. Esse foi o primeiro dia das duas semanas, um dia em que outras 19 pessoas morreram em ataques a três hotéis praianos em Grand Bassam, Costa do Marfim.
Em 27 de março, extremistas ligados à Al Qaeda, ao Boko Haram, ao Estado Islâmico e ao Taleban atacariam uma mesquita na Nigéria; uma rua popular cheia de turistas em Istambul; um estádio de futebol no Iraque; um ônibus em Peshawar, Paquistão; um parque em Lahore, Paquistão, onde o casal Naveed caminhava naquele domingo, e o aeroporto e uma estação de metrô em Bruxelas. 
Nós voltamos a cada um desses lugares para rastrear cada indivíduo, para revelar a humanidade perdida e para tratar das preocupações dos leitores de que nem todas as vítimas de terrorismo são tratadas igualmente. Uma vida é uma vida, sempre e em qualquer lugar onde é abreviada.  
A perda de um ente querido 
Queríamos ver que conexões e distinções encontraríamos entre as vítimas, assim como buscávamos um entendimento mais profundo dos efeitos em cascata do terrorismo que passou a definir nosso tempo. Nós contamos 1.168 parentes imediatos sobreviventes: 211 pessoas que perderam um dos pais, 78 sem um cônjuge. 
Mais de 100 vítimas, jovens e velhas, deixaram pais, cuja linguagem do pesar se traduz além das fronteiras. 
"Isso é tão doloroso, eu acho, que não podemos descrever", disse Michel Visart, cuja filha, Lauriane, foi morta na explosão na estação do metrô em Bruxelas. 
"Meu filho era como uma vela na casa", disse Khaleel Kadhum, um pai no Iraque que tinha se mudado com sua família de Bagdá para o sul relativamente mais seguro, apenas para ver seu filho, Ahmed, se deparar com o terrorismo ali. "Essa vela foi apagada e a alegria da família se foi." 
A vítima mais velha foi Sevinc Gokay, um funcionário público aposentado de 84 anos que foi morto em Ancara. Os mais jovens nem tinham nascido: duas mulheres grávidas foram mortas juntamente com os bebês que carregavam; uma terceira, Songul Bektas, sobreviveu, mas perdeu seu bebê no terceiro trimestre da gravidez. 
Eram judeus, cristãos e ateístas, assim como pelo menos um hindu, mas 151 das vítimas, ou 61%, eram muçulmanas, assim como seus assassinos. 
Um grupo dissidente do Taleban alegou estar visando cristãos no parque em Lahore. Mas a maioria dos mortos ali também era muçulmana, como Zubaida Amjad, 40 anos, que sabia o Alcorão de cor e estava ensinando sua filha de 12 anos, Momina Amjad, a recitar os versos. A menina também foi morta. 
E em Bruxelas, as vítimas no metrô incluíam Loubna Lafquiri, uma professora de ginástica de 34 anos e mãe de três em Molenbeek, a mesma área operária onde vivia Saleh Abdeslam, um suspeito dos ataques em Paris em novembro. 
"Molenbeek não é apenas Saleh Abdeslam", disse Mohamed el-Bachiri, o marido de Lafquiri. "Molenbeek também é Loubna Lafquiri." 
Cidadãos globais 
As 247 vítimas incluíam alemães, americanos, chineses, congoleses, franceses, israelenses, libaneses, macedônios, peruanos, poloneses, 26 nacionalidades ao todo. A maioria morreu a menos de 16 quilômetros de onde morava. 
Mas um vendedor de medicamentos chinês chamado Deng Jingquan estava a mais de 11 mil quilômetros de casa, no Aeroporto de Bruxelas, quando foi atacado. Em mensagens aos amigos durante suas viagens, ele indicava o quanto sentia saudades de casa. 
As vítimas ao longo dessas duas semanas eram músicos, acadêmicos, professores, garçons, policiais, donas de casa, agricultores, estudantes. 
Algumas tiveram vidas longas e cheias de realizações, como André Adam, um ex-embaixador belga na Organização das Nações Unidas que também viu os efeitos da violência política durante sua atividade diplomática na Argélia e no Congo. 
Seus parentes disseram que o último ato de Adam foi servir de escudo para sua esposa, Danielle, para protegê-la da explosão no Aeroporto de Bruxelas. Ela ficou gravemente ferida, mas sobreviveu. 
E há aqueles cujas vidas foram curtas e cheias de dificuldades, como Ousmane Sangare, 16 anos, que nasceu mudo e com deficiência auditiva na Costa do Marfim. Seus pais o abandonaram e se mudaram para Mali, segundo um assistente social. Ousmane dormia em uma estação de trem, mas gostava de ir à praia de Grand Bassam nos fins de semana para pedir esmola e nadar. Foi onde os terroristas o pegaram. 
Famílias dilaceradas 
Cerca de metade das 247 vítimas daquelas duas semanas foi morta ao lado de alguém que conheciam. Jean Edouard Charpentier, 78 anos, um guarda florestal aposentado da França, tinha acabado de concluir um passeio de bicicleta em Grand Bassam com seu amigo Jean-Pierre Arnaud, 75 anos, um vendedor que tocava violão. No estádio de futebol, a maioria das vítimas tinha ido assistir a uma partida com amigos, irmãos, primos. 
Famílias foram dizimadas. Na Nigéria, uma mãe foi morta juntamente com seu filho e duas filhas; outra mulher morreu ao lado de seu marido, filho, mãe, sobrinha e sobrinho. No parque em Lahore, 10 parentes, todos mortos, incluindo Faiz Ahmed Chandio, um funcionário do departamento de irrigação do governo que adorava preparar arroz com molho de frango, e três de seus seis filhos: Shiraz, 6 anos, Samina, 5, e Sadaf, 5 meses. 
Eles formam um dos pelo menos nove grupos de irmãos mortos. 
Em Bruxelas, Ancara e Istambul, os ataques acabaram com vidas que viviam em relativa segurança. Na Nigéria, Iraque e Paquistão, onde o terrorismo e a violência espreitam em cada esquina, algumas famílias se viram em situações familiares de luto. 
Ahmed Ibrahim, uma das várias vítimas no estádio de futebol iraquiano que eram soldados na luta contra o Estado Islâmico, morreu 13 anos depois que seu irmão foi morto pelas forças americanas em 2003. 
Dois irmãos, Sabah e Mohammed Durayib, foram enterrados na cidade sagrada xiita de Najaf , ao lado do pai deles, morto pela Al Qaeda há cinco anos. 
Parentes e amigos das vítimas lembravam dos últimos momentos com seus entes queridos, falando sobre eles em busca de significados mais profundos. 
Uma mãe iraquiana deu banho em seu filho de 11 anos, o vestiu com roupas limpas e o enviou à partida de futebol. Ela tinha um mau pressentimento e preferia que ele não fosse. 
Os retratos que coletamos mostram os momentos que fazem uma vida. Uma noiva em seu vestido, sentada no chão e comendo um lanche. Um soldado fardado. Formandos trajando beca no seu grande dia. 
Um homem montado em um cavalo, um homem tocando violão, um homem caminhando por uma estrada solitária no interior cercado por flores silvestres. Lendo um livro ou bebendo cerveja, celebrando um grande evento ou desfrutando de um típico jantar em família. 
Eles foram mortos nos momentos que poderiam dar origem à próxima série de retratos. 
Esperando por um ônibus, trem de metrô ou avião. Relaxando na praia. Fazendo fila para os troféus após uma partida de futebol. Rezando, pedalando, caminhando no domingo em um parque. 
O que surge é uma tapeçaria de vidas interrompidas, espalhadas gradualmente nessas fotos, em cacos ou pedaços de memória compartilhados por aqueles deixados para trás, em detalhes de seus sonhos e das coisas que deixaram de fazer. 
*Este projeto foi produzido e escrito por Tim Arango, Russell Goldman, K.K. Rebecca Lai, Eli Rosenberg e Jodi Rudoren. 
Loucoumane Coulibaly e Daouda Coulibaly, na Costa do Marfim; Burcak Belli, em Ancara, Turquia; Chris Stein, na Nigéria; Dionne Searcey, no Senegal; Ceylan Yeginsu e Safak Timur, em Istambul, Turquia; Irit Pazner Garshowitz, em Jerusalém, Israel; Dan Bilefsky e Neil Collier, em Bruxelas, Bélgica; Maha Mohammed, na província de Babil, Iraque; Qasim Mohammed, em Najaf, Iraque; Omar Al-Jawoshy, em Bagdá, Iraque; Ismail Khan, em Peshawar, Paquistão; Daniyal Hassan e Naila Inayat, em Lahore, Paquistão; Benoit Morenne, em Paris; Sewell Chan e Hannah Olivennes, em Londres, Reino Unido; Christopher Buckley, em Pequim, China; Joanna Berendt, em Varsóvia, Polônia; Andrea Zarate, em Lima, Peru; Nina Siegal, em Amsterdã, Holanda; e Mike McPhate, Katie Rogers e Daniel Victor, em Nova York, Estados Unidos, contribuíram com reportagem. 
Produção, fotos e assistência de arte por Craig Allen, Danny DeBelius, David Furst, Jeffrey Rubin, Rumsey Taylor e Meghan Louttit. 
Susan Beachy, Doris Burke, Elisa Cho e Alain Delaquérière contribuíram com pesquisa.
Tradutor: George El Khouri Andolfato 

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