‘Fui mula do Padilha’, diz Yunes, amigo e ex-assessor de Temer
Apontado
em delação como destinatário de propina, advogado revela que recebeu
'pacote' das mãos de doleiro a pedido do ministro-chefe da Casa Civil
Thiago Bronzatto - VEJA
Demitido após denúncia de corrupção, o advogado José Yunes, amigo de Temer, diz que foi usado (Lailson Santos/VEJA)
O acordo de colaboração dos 77 executivos da Odebrecht
recebeu o apelido de “delação do fim do mundo” porque atinge os maiores
partidos do país — do PT ao PSDB, passando pelo atual inquilino do
poder, o PMDB. Prestes a ter seu sigilo levantado, essa megadelação
também ameaça o mandato do presidente Michel Temer, já que o Tribunal
Superior Eleitoral (TSE) decidiu usar parte de seu conteúdo no processo
que pode resultar na cassação da chapa Dilma-Temer. Nesta semana, o TSE
ouvirá Marcelo Odebrecht, ex-presidente da empreiteira, e Claudio Melo
Filho, ex-vice-presidente da empresa, para saber se eles confirmam uma
das informações prestadas aos procuradores da Operação Lava-Jato: que em
2014, depois de um pedido pessoal de Temer a Marcelo, a Odebrecht
repassou 10 milhões de reais em dinheiro vivo, contabilizados em seu
departamento de propina, a pessoas da confiança do então
vice-presidente. Do total, de acordo com a delação, 6 milhões de reais
irrigaram a campanha de Paulo Skaf ao governo de São Paulo. O pagamento
do restante foi realizado “via Eliseu Padilha”, hoje chefe da Casa
Civil, e um dos endereços de entrega do dinheiro foi o escritório de
advocacia de José Yunes, amigo de Temer há meio século e seu ex-assessor
especial.
“Padilha me ligou falando: ‘Yunes,
olha, eu poderia pedir para que uma pessoa deixasse um documento em seu
escritório? Depois, outra pessoa vai pegar’. Eu disse que podia, porque
tenho uma relação de partido e convivência política com ele.” (Sergio
Dutti/VEJA)
Desde que VEJA revelou o caso, em agosto do ano passado, Temer e
Padilha dizem que houve um pedido de doação legal, realizada nos termos
da lei eleitoral. Ao formalizar sua delação, Claudio Melo Filho manteve a
versão de que foi feito, na verdade, um repasse de propina, em espécie.
Essa versão agora é reforçada pelo próprio Yunes, acusado de participar
da transação.
Após se demitir do cargo de assessor especial da Presidência em
dezembro, na véspera da homologação da delação da Odebrecht, Yunes
conversou com VEJA na quarta-feira 22, durante uma hora e vinte minutos.
“Fui mula involuntário”, declarou, apresentando-se como um inocente
útil nas mãos de Eliseu Padilha. De acordo com Yunes, Padilha entrou em
contato para solicitar-lhe um favor em setembro de 2014, mês em que,
segundo o delator da Odebrecht, parte da fatura dos 10 milhões de reais
foi quitada. “Padilha me ligou falando: ‘Yunes, olha, eu poderia pedir
para que uma pessoa deixasse um documento em seu escritório? Depois,
outra pessoa vai pegar’. Eu disse que podia, porque tenho uma relação de
partido e convivência política com ele.”
“Ele (Funaro) me disse: ‘Estamos
trabalhando com os deputados. Estamos financiando 140 deputados’. Fiquei
até assustado. ‘Porque vamos fazer o Eduardo presidente da Casa’.”
(Heuler Andrey/AFP)
Pouco tempo depois, Yunes estava em seu escritório de advocacia em
São Paulo quando, diz ele, a secretária informou que um tal de Lúcio
estava ali para deixar um documento. “A pessoa se identificou como Lúcio
Funaro. Era um sujeito falante e tal. Ele me disse: ‘Estamos
trabalhando com os deputados. Estamos financiando 140 deputados’. Fiquei
até assustado. Aí ele continuou: ‘Porque vamos fazer o Eduardo
presidente da Casa’. Em seguida, perguntei a ele: ‘Que Eduardo?’. Ele me
respondeu: ‘Eduardo Cunha’. Então, caiu a minha ficha que ele era
ligado ao Eduardo Cunha. Eu não sabia. Fui pesquisar no Google quem era
Lúcio Funaro e vi a ficha dele”, conta Yunes. Preso pela Lava-Jato,
Lúcio Bolonha Funaro é um conhecido operador do ex-presidente da Câmara
Eduardo Cunha, também preso no escândalo do petrolão. O doleiro era
responsável por arrecadar, em nome do ex-deputado, propinas com
empresários interessados em fazer negócios com a Caixa Econômica Federal
e emplacar emendas em medidas provisórias no Congresso. A conversa
entre Funaro e Yunes foi breve. Eis o relato de Yunes.
“Eu não conhecia a pessoa que veio ao
escritório. A pessoa se identificou como Lúcio Funaro. Era um sujeito
falante e tal. Eu não o conhecia. Ele disse que estava trabalhando com
vários deputados para o Eduardo ser presidente da Casa. E eu perguntei:
‘Que Eduardo?’. Aí, ele falou: ‘Eduardo Cunha’.” (Alexandre
Schneider/VEJA)
“Ele deixou o documento e foi embora. Não era um pacote grande. Mas
não me lembro. Foi tudo tão rápido. Parecia um documento com um pouco
mais de espessura. Mas não dava para saber o que tinha ali dentro”,
conta o advogado. “Depois disso, fui almoçar. Aí, veio a outra pessoa e
levou o documento que estava com a minha secretária.”
Yunes disse que não se recorda do nome da segunda pessoa que foi
retirar o pacote destinado a Padilha em seu escritório. Ele conta que,
como Padilha o avisara de que a encomenda era para ele, não quis saber o
que era aquele misterioso “pacote”. De acordo com a delação de Claudio
Melo, um dos pagamentos destinados a Padilha “ocorreu entre 10 de agosto
e o fim de setembro de 2014 na Rua Capitão Francisco Padilha, 90,
Jardim Europa”. O endereço é a sede do escritório de advocacia José
Yunes e Associados. A sala de Yunes fica localizada no 2º andar, que
pode ser acessado por meio de escada ou elevador.
“A delação do Claudio Melo fala que
recebi 4 milhões. Cá entre nós, 4 milhões não caberiam num pacote, né? O
que o Lúcio deixou aqui foi um pacotinho. Não era um pacote grande. Foi
tudo tão rápido. Parecia um documento com um pouco mais de espessura.”
CAIXA DOIS: o ex-executivo da Odebrecht contou como a empresa repassou 10 milhões de reais ao PMDB a pedido de Temer
Foi lá que Yunes quebrou o silêncio. Ele revelou que em 14 de
fevereiro último viajou para Brasília acompanhado de seu advogado para
prestar um depoimento espontâneo à Procuradoria-Geral da República,
gravado em vídeo. Agiu assim para tentar antecipar-se ao estrago
decorrente da delação da Odebrecht. “Eu disse para o procurador: ‘Fui um
mula involuntário do Padilha’.” Na versão de José Yunes, ele foi usado
pelo ministro-chefe da Casa Civil, que é quem deve se explicar sobre o
caso. Na conversa entre Yunes e VEJA, deu-se o seguinte diálogo:
— O ministro Eliseu Padilha diz que a história narrada pelo delator da Odebrecht jamais existiu. O que o senhor tem a dizer?
— Cada um com os seus valores (…) Tenho um apreço até pelo Padilha,
porque ele ajuda muito o presidente. Mas não teria problema nenhum ele
reconhecer que ligou para mim para entregar um documento, o que é
verdade. Vamos ver o que ele vai falar. Estou louco para saber o que ele
vai falar. Ele é uma boa figura. Mas, nesse caso, fiquei meio
frustrado. Não sei. É tão simplório. É estranho, não é?
— Mas o senhor não suspeitou que dentro do pacote poderia ter dinheiro?
— Ah, não dava para saber. Não era um pacote grande, não. Mas não me
lembro. Foi tudo tão rápido. Parecia um documento com um pouco mais de
espessura. Mas não dava para saber. A delação do Claudio Melo fala que
recebi 4 milhões de reais. Cá entre nós, 4 milhões não caberiam num
pacote, né? O que o Lúcio deixou aqui foi um pacotinho.
Procurado por VEJA, o ministro Padilha deu sua versão:
— Qual a relação do senhor com Lúcio Funaro?
— Não o conheço!
— O senhor já pediu alguma vez que Lúcio Funaro entregasse algo no escritório de José Yunes?
— Por não conhecê-lo, logo não pedi nada a ele.
Em sua delação, Claudio Melo Filho não especifica quanto dos 4
milhões de reais foi levado ao escritório de Yunes. Declara apenas que
houve entrega de parte do dinheiro no local. Ele também narra ter ouvido
de Padilha que Cunha ficou com 1 milhão de reais da propina. Os
investigadores da Lava-Jato vão apurar se o “pacote” deixado por Funaro
no escritório de Yunes tem ligação com o dinheiro destinado a Padilha ou
com o 1 milhão de reais endereçado a Cunha.
Uma pista dessa resposta foi dada pelo próprio Eduardo Cunha. Em
novembro, o ex-presidente da Câmara listou 41 perguntas direcionadas ao
presidente Michel Temer, arrolado como sua testemunha de defesa. Entre
as questões, duas chamam atenção: “Qual a relação de Vossa Excelência
com o senhor José Yunes? O senhor José Yunes recebeu alguma contribuição
de campanha para alguma eleição de Vossa Excelência ou do PMDB?”. No
fim do ano passado, VEJA enviou essas mesmas perguntas ao presidente,
que não as respondeu. Na semana passada, Yunes enfrentou essas mesmas
questões.
“Ele (Eduardo Cunha) fez 41 perguntas.
Dentre elas, está uma questão sobre o meu relacionamento com o
presidente Temer. O que é isso? Uma ameaça velada. O presidente não está
nada preocupado com a delação do Eduardo Cunha.” (Adriano
Machado/Reuters)
Ele negou que tenha arrecadado dinheiro para a campanha de Temer ou
mesmo para o PMDB e ressaltou que sua relação com o presidente é baseada
numa amizade de longa data, desde os tempos de faculdade. As perguntas
de Cunha, segundo Yunes, são uma “ameaça velada ao presidente”, que, de
acordo com o advogado, “não está nada preocupado com uma eventual
delação”. No caso da Odebrecht, a delação inclui dois dos mais
importantes auxiliares de Temer: o próprio Eliseu Padilha, apelidado de
“Primo”, e Moreira Franco, cujo codinome é “Angorá”. “Acredito que há
uma interação orquestrada entre ele (Moreira Franco) e Eliseu Padilha
para a captação de recursos para o seu grupo do PMDB”, diz Claudio Melo
Filho na delação. Sob o crivo da Procuradoria-Geral da República e,
agora, do TSE, essa interação vai se descortinando depoimento a
depoimento.
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