segunda-feira, 27 de fevereiro de 2017

Tempos muito esquisitos
Temer também é obrigado a enfrentar a desconfiança de que suas escolhas não dizem respeito aos interesses do País
OESP
Presidente Michel Temer em reunião no Palácio do PlanaltoPresidente Michel Temer durante reunião no Palácio do Planalto em Brasília, DF - 03/02/2017 (Adriano Machado/Reuters)

O País vive tempos muito esquisitos. Um simples e curial ato de governo, como por exemplo a nomeação de um ministro, dá azo a todo tipo de especulação – que mesmo sendo elucubrações desligadas da realidade encontram guarida em notas de jornais e comentários de rádio e televisão – a respeito dos “reais motivos” por trás da decisão. Não só isso: esse mesmo ato, por mais banal que seja, parece hoje capaz de desencadear as mais destemperadas reações não apenas da oposição – de quem, de todo modo, nem se espera mesmo muito equilíbrio –, mas principalmente da base governista, em especial dentro do próprio partido do presidente Michel Temer, o PMDB, cujo papel essencial deveria ser não causar problemas ao governo.
É o que se vê agora, mais uma vez, com a escolha do deputado Osmar Serraglio, do PMDB paranaense, para o Ministério da Justiça. Nem bem seu nome foi anunciado e o vice-presidente da Câmara, deputado Fábio Ramalho, do PMDB mineiro, informou que está “rompendo com o governo” e que vai “colocar toda a bancada de Minas para romper também”. Tudo porque o deputado Ramalho esperava emplacar um peemedebista conterrâneo seu no Ministério da Justiça.
“Se Minas Gerais não tem ninguém capacitado para ser ministro, não devemos apoiar esse governo”, vociferou o deputado Ramalho. “Vou trabalhar no plenário contra o governo, para derrotar o governo em tudo. A vice-presidência da Câmara vai ser um ponto de apoio aos que não estão contentes com o governo.”
O deputado Ramalho – que nisso nem de longe está sozinho – é daqueles que só apoiam o governo caso este, em contrapartida, lhes ofereça cargos e prebendas. Antigamente, parlamentares dessa categoria ainda se preocupavam em manter as aparências e esconder sua natureza fisiológica pelo menos no discurso. Agiam com envergonhada discrição. Agora, não. Nesses tempos esquisitos, tipos como o deputado Ramalho deixam escancarado que o destino do País lhes é irrelevante. A única coisa que interessa é o atendimento das suas exigências, naquilo que em bom português política não é, e sim chantagem explícita. Considerando-se que o presidente Temer ainda terá de fazer mais algumas trocas em seu Ministério, pode-se esperar novos episódios de destempero e despudor.
Além de ter de lidar com a destrambelhada e muitas vezes irresponsável reação de seus supostos aliados, o presidente Temer também é obrigado a enfrentar a desconfiança de que suas escolhas não dizem respeito aos interesses do País, mas ao mister de salvar a pele de peemedebistas enrolados na Operação Lava Jato. O caso de Serraglio é, de novo, apenas o mais recente de uma longa série.
Assim que foi confirmado no cargo, o deputado Serraglio teve de vir a público, em entrevistas, para garantir que não interferiria, em nenhuma hipótese, na Lava Jato. Reagia assim ao rumor, alimentado pela oposição, de que fora nomeado com a missão de sabotar os esforços da Polícia Federal, que lhe será subordinada. Reforçava essa percepção a acusação de que Serraglio é apadrinhado do deputado cassado Eduardo Cunha, outro interessado em melar a Lava Jato.
O problema é que nada disso para em pé. Em primeiro lugar, a única forma de um ministro da Justiça tentar interferir em operações em andamento seria trocando a chefia da Polícia Federal, mas isso Osmar Serraglio já disse que não fará. Ademais, a Associação Nacional dos Delegados da Polícia Federal divulgou nota em que parabeniza a escolha e lembra que o deputado, além de ser professor de direito, se notabilizou por seu trabalho na CPI dos Correios, que desaguou no mensalão. Portanto, parece ser qualificado para o cargo.
Quanto à sua suposta ligação com Eduardo Cunha, é preciso lembrar que Serraglio está em seu quinto mandato e, nessa condição, dificilmente teria necessidade de prestar contas ou pagar favores ao ex-presidente da Câmara e hoje notório presidiário.
Nenhuma dessas considerações racionais, contudo, parece suficiente para aplacar o zunido malicioso em torno da nomeação de Serraglio e dos demais escolhidos pelo presidente. Em tempos de “pós-verdade” e de “fatos alternativos”, as convicções ganharam mais valor do que a realidade. Poucos parecem ter a virtude de esperar por fatos concretos, para ver se o ministro dá conta do recado.

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