quarta-feira, 26 de abril de 2017

Adam Smith vive aqui
Carlos Alberto Sardenberg - O Globo 
O "Jornal da Globo" colocou no ar no último dia 14 uma reportagem que deveria ser gravada em CD e distribuída entre políticos, economistas, cientistas políticos e sociólogos com o seguinte título: "Receita de crescimento com inclusão".
A reportagem trata de um caso crítico: acesso aos computadores e, mais especialmente, à internet de banda larga. Nas classes D e E, apenas 2% das famílias têm acesso à rede em casa, o que cria uma enorme desvantagem para seus estudantes e trabalhadores. Vai daí que "inclusão digital"é objeto de inúmeros programas de governo, de eficácia duvidosa.
Mas, que tal garantir acesso à rede, na banda larga, por dois reais a hora, bem pertinho de casa? Isso certamente inclui muitas pessoas dos bairros mais pobres. É o que mostra a reportagem do JG.
História exemplar: Eliane Portela, moradora na favela de Heliópolis, em São Paulo, comprou quatro computadores, instalou na sua casa (depois de desfazer a cozinha), assinou banda larga e, pronto, eis uma lan house. A demanda era evidente e se confirmou: os computadores não param, a sala está sempre lotada, há filas de dia e de noite.
O preço, dois reais por hora, é acessível para a população local, que ainda aplaude a iniciativa. O preço não é caridade de governo, nem filantropia. Ao contrário, remunera o empreendimento e permite a acumulação de capital. Tanto que Eliane vai comprar mais oito computadores e ampliar o serviço. Como vai pagar? Ora, simples: "Com esses mesmos eu vou trabalhando, vou pagando e comprando mais. Os computadores vão se pagar", explica a empresária Eliane.
Adam Smith estaria orgulhoso. Reparem, diria ele: "Eliane foi em busca de seu interesse ou de sua necessidade pessoal; ela precisava aumentar sua renda pessoal e, ao final, levada pela mão invisível do mercado, gerou riqueza para si, para a comunidade e abriu oportunidades sociais para as pessoas."
"Ah, mas isso é muito limitado", diria um socialista de bom coração e idéias generosas. "Quantas Elianes haverá? Melhor um amplo programa governamental, capaz de colocar dezenas, centenas, milhares de lan houses pela periferia afora."
Essa é a outra opção política e econômica: o governo compra os computadores, aluga ou adquire salas pelo país afora, assina milhares de acessos à banda larga, contrata funcionários para treinar os funcionários das lan houses e coloca tudo para funcionar. Ou, ainda, o governo cria fábricas de computadores, empresas de banda larga.
Já pensaram? Licitações, concorrências, concursos, embargos, contestações variadas, mesmo considerando honestidade plena. Mas, antes de tudo, os contribuintes já estariam pagando a taxa para financiar isso tudo, assim como já pagamos a taxa do fundo de universalização de comunicações, cujos programas de inclusão nunca vimos.
Mas o governo não pode simplesmente ficar de fora. Tem papel nisso e é o de destravar o mercado. O primeiro objetivo é baratear o preço dos computadores, o que pode e deve ser feito com a redução ou mesmo eliminação dos impostos sobre as máquinas e os programas. Recentemente, uma redução de impostos para computadores de até R$3 mil provocou uma explosão de vendas para as classes D e E.
Também é preciso reduzir impostos de importação de programas e softwares. Redução de impostos para as fábricas de computadores e de programas aumentaria a competição, com ganhos de qualidade e redução de preços.
Igualmente, o que mais encarece a banda larga são os impostos sobre telecomunicações, que chegam a representar quase 50% da conta.
Também é papel do governo, da política macroeconômica, conseguir a taxa de juros mais baixa possível e abrir espaço para financiamentos. De novo, aqui também a redução de impostos e restrições sobre operações financeiras ajudaria e muito.
Finalmente, o governo precisa melhorar o ambiente de negócios. Significa facilitar a abertura e o funcionamento de empresas. Aí é só deixar por conta das Elianes. Há, sim, milhares e milhares delas pelo país. É o empreendimento privado que tem feito o país andar, mesmo travado.
Perguntarão: mas como o governo financiará suas tantas atividades meritórias? Cobrando imposto de renda e de consumo das Elianes, mas - atenção! -, só depois que elas estiverem de fato ganhando dinheiro e gastando. O que não faz sentido é, como se faz hoje, cobrar impostos antes e durante a abertura do negócio.
E tem uma coisa que os governos não podem fazer de jeito nenhum. Pelo amor de Deus, não mandem os fiscais lá na lan house. Como diria o presidente Lula, deixem a moça trabalhar.

(Publicado originalmente em 21/12/2006)

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