terça-feira, 25 de abril de 2017

Três esquerdistas para 2018
Desarticulada de vez pela delação do ex-presidente da OAS, sua defesa trabalha exclusivamente para procrastinar o andamento das ações que o enredam  
Carlos Andreazza - O Globo
Presidente eleito e reeleito, que depois elegeu e reelegeu (junto com Marcelo Odebrecht) Dilma Rousseff, Lula jamais arriscaria sua reputação eleitoral — e sua carreira de palestrante — não fosse a Lava-Jato. Não houvesse tudo o que se revela contra si (e a rápida multiplicação de sua condição de réu), estaria mesmo disposto a sacrificar o PT, desprovido de opções que não ele, e deixar que o partido minguasse sem candidato ou com um Haddad qualquer. Lula sabe que pode perder em 2018, que é até provável que perca; mas sabe também que sua peleja, a esta altura, é mais política, de construção de narrativa política, do que eleitoral.
Murado pelas revelações de Léo Pinheiro — que equivalem a títulos de propriedade — e apostando em que a ameaçada delação de Palocci não passe de chantagem para que não o deixem ser o Dirceu da vez, Lula vai à luta. O reforço da agenda no Nordeste — onde apareceu vestido de Fidel Castro — é sintomático. Ele sabe que precisa, para sobreviver politicamente, apresentar-se à disputa; ser uma peça real no tabuleiro de 2018 — para acusar os adversários de golpe caso subtraído do jogo. Não é à toa que — chancelado pelo silêncio do TSE — está em campanha. Contra as especulações diárias de que será preso a qualquer momento, corre para encerar a cara de vítima, de cuja boca, se pego, desenrolará a ladainha de que as forças conservadoras não lhe permitiram se defender nas urnas.
Paralelamente à construção da narrativa de perseguido pelas elites, faz imensa fé na lentidão dos processos judiciais. Desarticulada de vez pela delação do ex-presidente da OAS, sua defesa trabalha exclusivamente por procrastinar o andamento das ações que o enredam. Se não é improvável que Lula seja condenado em primeira instância ainda neste ano, apostam os seus em que conseguirá chegar ao período eleitoral sem condenação em segunda instância — aquela que o impediria de se candidatar. É minha aposta também.
Uma vez formalmente candidato, chefe de um projeto de poder sem precedentes, que capturou o Estado para os interesses político-econômicos de um partido, será, portanto, o maior beneficiário do discurso corrente que iguala crimes e criminosos — e não terá dificuldade em reunir seus tradicionais 25%, talvez até 30%, capazes de o colocarem no segundo turno. Não é posição de alguém a ser subestimado. Dificilmente, contudo, irá além. É fortemente rejeitado — indicativo de pouca força para aglutinar.
Se, porém, voltar à Presidência, será a primeira vez na história deste país que o mais alto cargo da República foi conquistado como alternativa ao cárcere.
Ciro Gomes não é inteligência a ser desprezada. Ao declarar que não disputaria a Presidência contra Lula, outra coisa não fez do que se inscrever como a primeira opção esquerdista caso o ex-presidente não possa ser candidato. Jogada de mestre. Ele sabe que dificilmente teria apoio do Partido dos Trabalhadores. Mas sabe também que o partido não tem plano B. É nesse vácuo que investe. Compreendeu que o PT, sem seu criador e única estrela, é irrelevante.
Ao avaliar a terra arrasada em que a verdade transformou o partido e, pois, a decorrente inexistência de nomes petistas competitivos, e ao calcular que há chances crescentes de o ex-presidente se encontrar impedido de concorrer em 2018, Ciro ora se cultiva como postulante a preencher um espaço que desde 1989, muito mais do que do PT, foi de Lula (para que fizesse o que queria — inclusive Dilma).
Ciro Gomes faz, portanto, correta aposta no imponderável — a única que lhe é possível. A ausência de Lula — como candidato ou eleitor influente — em uma disputa à Presidência representaria, mais do que novidade, o desconhecido. Como se comportaria o eleitor de esquerda, aquele há décadas acostumado a afundar (o dedo) no 13? Ciro joga suas fichas em que seria o depositário pragmático dos votos viúvos do ex-presidente — ao menos em volume capaz de alçá-lo a um segundo turno.
A seu favor — e não importa se por retidão ou falta de oportunidade — há o fato de que não está entre os políticos citados pelos delatores da Odebrecht. Isso o deverá blindar até contra a obviedade de ser (ao menos hoje) filiado à linha auxiliar petista conhecida como PDT, de Carlos Lupi — que está na lista da empreiteira.
Uma vez escrevi que não havia ex-petista. A afirmação faz efeito, mas não se sustenta. O que não há — e assim reformo meu diagnóstico — é ex-lulista.
É precária a linha moral que aparta o homem público independente do covarde; o prudente do oportunista. O silêncio que sugere a monja é o mesmo que ilumina o omisso. Falo de Marina Silva. Seu único trunfo, manjado, decorre da combinação entre a espantosa capacidade de desaparecer em momentos críticos, como que para se colocar mesmo acima da atividade política, e o consequente reinvestimento no discurso da não-política, ora valorizado por tampouco estar entre os citados nas delações da Odebrecht. Ninguém se lembrará de suas relações com os governos petistas no Acre, nem se aprofundará em investigar se é possível ser tão puro quem se associou a Eduardo Campos em 2014 e lhe herdou o lugar.
Se é verdade que possui algum capital eleitoral próprio, verdade também é que disputará uma eleição presidencial pela primeira vez em um partido inexistente, a Rede, ainda menor que o inexpressivo PV (onde estava em 2010). Ela torce para não ter Lula — de quem foi ministra e a quem jamais criticou diretamente — como adversário, ou teria anulada, por falta de combatividade (e demolidora reverência), a sua campanha.
Marina Silva será candidata em 2018 — mas apenas para que verifiquemos o equivalente eleitoral de seu encolhimento político.

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