terça-feira, 20 de junho de 2017

Quem defender Temer pela recuperação econômica pode acordar com Keynes

Ricardo Bordin - IL
As reações que se seguiram ao bizarro julgamento da chapa Dilma-Temer no TSE, em sua maioria, revelaram indignação ante à omissão dos magistrados em seu dever de zelar pela correção do processo eleitoral, a tal ponto de se questionar a própria validade da existência do referido tribunal.
Uma determinada parcela de brasileiros, todavia, enveredou suas opiniões em sentido diverso, dando conta de que, mesmo diante das fartas evidências de que recursos captados junto ao BNDES alimentaram (via empreiteiras envolvidas no Petrolão) a campanha da coligação PT/PMDB em 2014, seria salutar indeferir as AIME e AIJE propostas, em nome, sobretudo, da preservação da ainda incipiente recuperação econômica do país.
Neste sentido, a limitação dos gastos da União aprovada no Congresso Nacional nos estertores de 2016 e a (outrora) iminente reforma da Previdência (ainda que por meio de uma proposta que mantém o insustentável esquema Ponzi) geravam algum alento para empreendedores que teimam em investir no Brasil.
Natural, nesta conjuntura, que indivíduos preocupados com a degradação das expectativas ante (mais uma) troca de chefia de Executivo posicionem-se contra a destituição de Michel Temer neste momento – muito embora seja questionável tal “vista grossa” em nome de uma suposta estabilidade governamental, e que assemelha-se, em boa parte, ao clássico “rouba mas faz” atribuído costumeiramente a Paulo Maluf.
Só que a coisa não é tão simples quanto parece. Se antes dos irmãos Batista fazerem da política nacional um verdadeiro matadouro havia motivos para crer que o vice de Dilma poderia conduzir o processo de restabelecimento financeiro do país, agora restam poucas dúvidas de que sua capacidade de governar tenha sido abalada a tal ponto que a ressurreição  do setor produtivo será a última de suas preocupações.
O maior trunfo de Temer tão logo foi empossado no cargo era o amplo apoio no Parlamento angariado na esteira do longo procedimento de afastamento de sua ex-parceira de coligação eleitoral. Visando obter os 342 votos na Câmara e 54 no Senado necessários para emplacar sua ascensão à Presidência da República, ele acabou por lograr uma base de apoio de proporções animadoras, suficiente para legitimar qualquer projeto de lei por ele encaminhado.
Some-se isso ao fato de que ele, por não apresentar aspirações pela reeleição, podia dar-se ao luxo de encampar reformas estruturantes “impopulares” (por serem incompreendidas pelo grosso da população, tal qual as alterações na CLT), aliado, ainda, à ideologia peemedebista tipicamente camaleônica (a qual se adapta ao momento visando manter seu status), e temos que, diante da recessão que assola o país desde 2014, tudo levava a crer que o governo Temer estaria apto a dar a arrancada rumo à saída do atoleiro em que o lulopetismo nos meteu.
E tudo começou relativamente bem. Inflação e taxa básica de juros em franco declive, modestos sinais de retomada das contratações, previsões de PIB para 2017 mais acalentadoras, revisão vital nos benefícios estatais (como auxílio-doença, aposentadoria por invalidez e bolsa-família), dólar em queda, designação de diretores para BNDES e Petrobrás visando a condução mais responsável destas instituições (já que suas extinção e privatização, respectivamente, ainda não estão na pauta do dia), enfim: mesmo em meio às inúmeras concessões feitas à extrema-esquerda, ainda estava valendo bastante a pena aturar o vice de Dilma como mandatário máximo da administração pública.
Isso até 17/05/2017. Desta data em diante, a coisa mudou de figura, e a preocupação com a recuperação econômica deu lugar ao mais puro e simples instinto de sobrevivência dos palacianos. Pior: no afã de manterem-se agarrados aos postos (e ao foro privilegiado), uma guinada “desenvolvimentista” se avizinha.
Sim, exato: após a jornada exitosa no TSE, o próximo desafio do governo Temer é escapar da denúncia que nos próximos dias será apresentada pela PGR ao STF. Para que o Presidente possa responder pelos crimes apontados pelo Ministério Público (sendo afastado de suas funções, para tanto, por até seis meses), é necessário que a Casa Baixa referende com 2/3 de seus membros tal possibilidade. Será fundamental, portanto, que ao menos 172 Deputados votem contra, abstenham-se ou ausentem-se da sessão que tomará tal decisão.
E adivinhem como o governo atual, nesta situação, tentará salvar sua pele? Ora, da mesma forma que tentou Dilma Rousseff: “comprando” apoio junto aos parlamentares e à sociedade como um todo. E isto significa um sonoro adeus à austeridade fiscal.
Já foi noticiado que  Michel Temer pretende dar a “áreas específicas” da economia estímulos econômicos diversos, objetivando, em tese, dar um “empurrãozinho” na produção e no comércio – tal qual John Maynard Keynes o aconselharia, por certo.  Em outras palavras: destinar dinheiro dos pagadores de impostos a empresários amigos do Rei, escolhendo quem vai ficar rico e causando desordem no processo de trocas voluntárias. Ou seja, mais do mesmo do veneno que nos trouxe ao caos presente, indo na contramão da linha defendida (a maior parte do tempo) por Henrique Meirelles e sua equipe até aqui.
A pretexto de recuperar (momentaneamente) a renda média do brasileiro, o respaldo político é, quase literalmente, comprado – ao preço de comprometer seriamente nosso futuro. Após tanto desgaste junto à opinião pública, conseguir adesão para aprovar qualquer reforma estruturante, a partir de agora, exigirá novas rodadas de “toma lá, dá cá” junto a congressistas e seus patrocinadores (os mesmos capitalistas de compadrio de sempre), além de consentir com alterações nas redações originais (a fim de agradar as bancadas que eventualmente tenham lhe poupado o couro) que  desfigurarão por completo estas propostas – e os benefícios delas advindos vão para o ralo (que o diga o esperado veto à derrubada do imposto sindical).
Até mesmo o “acordo do clima” de Paris, solenemente (e corretamente) ignorado por Donald Trump, foi referendado pelo governo brasileiro, em mais um exemplo de como este “pedágio ideológico” precisará ser pago regularmente como forma de acalmar a mídia e os movimentos barulhentos – comprometendo gravemente, neste caso concreto, a competitividade da indústria brasileira frente ao mercado internacional, gerando uma alta fatura a ser paga pelas próximas gerações de brasileiros.
Trocando em miúdos: quem defende a manutenção do atual governo no poder precisa encontrar outra justificativa que não seja a restauração dos índices econômicos, porque esta, infelizmente, ainda vai ter que esperar outro bonde passar – o próximo está previsto para 2018.
De qualquer forma, ressalte-se que Michel Temer só pode ser desalojado do cargo seguindo estritamente o que dispõe a lei. Se à presidenta deposta foram concedidas todas as oportunidades de contraditório em relação aos crimes de responsabilidade de que foi acusada, a seu substituto também não pode ser negado o devido processo legal. Ou isso, ou resignemo-nos com sua permanência até o final de seu mandato tampão. Paciência.
Resistir às tentações revolucionárias, pois, neste momento insólito de nossa história, é dever cívico dos mais relevantes. Nunca deram o poder absoluto a quem não prometia trocar o presente por completo, nem nunca houve totalitarismo sem um povo revoltado com “tudo que está aí” (créditos a Flávio Morgenstern). Se Keynes gostava de repetir que “há longo prazo, todos estaremos mortos”, façamos votos de que nossa claudicante democracia siga respirando em meio a tanto desarranjo institucional e social, ainda que por aparelhos.
Chama a atenção, aliás, que algo bastante curioso pode vir a desenrolar-se na casa legislativa dos representantes do povo muito em breve: caso Rodrigo Janot apresente, de fato, denúncia contra Michel Temer por crimes comuns cometidos no exercício do cargo, os partidos de extrema-esquerda poderão demonstrar se querem mesmo a queda do Presidente ou apenas almejam sustentar este discurso oposicionista até o próximo pleito, e dele colher dividendos eleitorais. A conferir…

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