Cotas na USP: Estudar em uma universidade de ponta não é seu “direito”
Há
uma noção a ser percebida em todo debate sobre cotas: o povo paga a
Universidade em troca do conhecimento, e não do privilégio dos alunos.
A
USP aprovou pela primeira vez a inclusão de cotas raciais em seu
vestibular. A Fuvest, a Fundação para o Vestibular que cuida do processo
seletivo de admissão na Universidade de maior prestígio no país, terá
até 2021 a obrigação de incluir 50% dos calouros advindos da rede
pública e, dentre estes, 37% devem ser pretos (sic), pardos ou
indígenas. Brancos se tornam gradativamente proibidos de cursar a USP,
não importando seu desempenho, mérito e esforço.
A decisão do Conselho Universitário,
cuja sigla é na verdade CO e qualquer tentativa de explicação não ajuda
muito, é um adiamento da proposta original, na qual a USP já deveria ter
50% de calouros egressos de escolas públicas já em 2018.
Os
grupos de pressão por cotas na USP exigem cotas entupindo a faculdade
de pichações, lambe-lambes e cartazes com variegados graus de higiene.
Apenas pichações racistas, de autenticidade duvidosa, ganham destaque na
mídia.
Já há cotas para o ENEM, tal como
cotas para concursos públicos após a conclusão do curso. A USP era uma
das últimas universidades paulistas a resistir ao sistema. Basicamente o
ITA será a única grande Universidade a adotar o sistema puro de notas. A
paulatina proibição de brancos nas Universidades atinge também Unicamp e
Unifesp.
A dinâmica que vai proibindo brancos de
cursar Universidades como a USP, ou qualquer universidade de ponta,
através de cotas, embotada em frases de efeito como “A USP ficará preta”
ou “Quantos professores negros você teve?”, possui em seu bojo uma
inversão da própria idéia da Universidade.
Modelos de ações afirmativas, que sempre
emulam a estrutura das cotas raciais, pretendem corrigir uma injustiça
passada punindo indivíduos no presente que nada têm a ver com o passado.
É como tentar corrigir a injustiça contra os escravos judeus punindo-se
os egípcios modernos e proibindo-os de cursar uma faculdade. Boa parte
destes egípcios, por sinal, era e é negra, enquanto vários judeus são
loiros de olhos azuis. Ignora-se a mudança política, econômica, cultural
(egípcios hoje são em sua maioria muçulmanos, que também escravizaram
europeus por mais de um milênio) e mesmo étnica, olhando-se apenas para a
casca: a cor de pele.
A idéia de se “empretar” a USP parece
tentar corrigir os problemas da economia escravocrata no Brasil colônia,
à força de cotas que impeçam brancos de cursar a Universidade.
Historicamente, já há um equívoco enorme: mão de obra italiana, e mesmo
japonesa e alemã, veio para o centro-sul do país em meios do século XIX
para substituir os escravos africanos, que já ficavam caros.
Gilberto Freyre, antropólogo conservador, em Casa Grande & Senzala,
demonstra como os gastos com escravos chegavam a consumir até 80% do
orçamento das fazendas. A solução também veio de além-mar: importar
mão-de-obra barata de países consumidos pela fome e tirania do Primeiro
Mundo. Ao invés de arcar com os custos de vida do escravo, da senzala à
alimentação, italianos, alemães, japoneses e afins eram pagos com
salário de fome, e tinham de pagar ao proprietário de terras um
endividamento de gerações para sobreviver à penúria. Não é preciso
conhecer muito além da história de qualquer família italiana do
centro-sul do país para descobrir tal obviedade.
Até mesmo historiadores com o ranço
marxista costumam atacar a monarquia e realeza brasileira por seu papel
na abolição da escravatura, considerando que apenas seguiam o hegeliano
“espírito da História”: a escravidão nem era mais propriamente praticada
como dantes quando a Princesa Isabel assinou a Lei Áurea.
Alguém cogita cotas para descendentes de
italianos, com sobrenomes como Cavichioli e Gnacarrini (ou Salvatti, ou
Palocci)? Ou alemães, variando do Ruschel e Finkler a Hoffmann? Que tal
cotas para japoneses?
Para
adicionar insulto à injúria, a idéia atual é que uma Universidade de
ponta, como a USP, existe para que o estudante tenha bom emprego e
dinheiro. Que o único objetivo da Universidade é o bem-estar do aluno,
como se fosse um prêmio a ele a conquista da vaga. No caso de uma
Universidade pública, é como se toda a sociedade resolvesse premiar
alguns indivíduos com uma vida de rei, à qual alguns estão excluídos de jure para desfrutar de tais faustuosas glutonarias.
A verdade é exatamente o oposto.
Se egressos da USP costumam ter dinheiro, é pelo peso intelectual de seu
trabalho e estudo. A sociedade paga a USP não em troca de premiar seus
alunos com adulações, mas para que a sociedade tenha em troca pesquisas
médicas, um sistema jurídico avançado, intelectuais de respeito capazes
de pensar a sociedade, a natureza, mesmo a estrutura da realidade.
Se tais intelectuais, por isso, conseguem
receber mais do que a média, tal fato é apenas uma conseqüência, uma
decorrência do mérito. Não o seu objetivo, como quer crer a política de
ações afirmativas das cotas. A sociedade paga por Universidades de ponta
(ou supostas) como a USP não para ver o João ou a Maria com o carro do
ano, mas para ter bons médicos nos hospitais, engenheiros que façam
prédios, pontes e aviões que não caiam e para que diplomatas não sejam
tapeados ao negociar as riquezas do país com a Rússia.
A premissa oculta de qualquer defensor
de cotas é uma experimentação contra tal realidade: para o cotista, só
interessa o dinheiro advindo de um diploma da USP, ou de qualquer
Universidade. Interessa o seu “direito” de dizer que é da USP, e não o
quanto estuda para que a USP seja uma Universidade considerada de ponta,
justamente por selecionar os também supostos melhores alunos.
Interessa
a quem defende cotas o atalho entre o não-estudo e a grana. Não
descobrir um novo remédio ou inventar um combustível barato. O que a
política de cotas quer é o “direito” de alguém dizer que faz parte da
USP e merece a adulação advinda, não o que pode dar ao mundo. Como se o
povo pagasse pela USP tão somente para que ele, o João, ou a Maria,
possam dizer que são uspianos, a forceps. Ou mais exatamente, por cota.
As ideologias do reducionismo contaminam
justamente Universidades de ponta como a USP, observando apenas a
casca, ou a cor de pele. Justamente elas que destróem a educação
brasileira, jogando nossos índices acadêmicos para o subsolo do planeta.
Exatamente tais ideologias de acadêmicos
perderam o contato com a realidade, enfastiados em suas torres de
marfim separadas da vida concreta por um Muro de Berlim ao redor da
Cidade Universitária. Elas que tentam corrigir os problemas econômicos,
políticos e sociais com um teatrinho: dar cotas a uma parcela para que se sintam uspianos, e abracadabra, os problemas estruturais do país desaparecem no reino da igualdade.
Não há um único professor que não admita
que diminuiu o nível das aulas para manter as notas (e não o
desempenho, mas novamente o teatro para encobri-lo). É assim que ter um
diploma da USP vale cada vez menos, sobretudo nos cursos mais
ideológicos, como os da FFLCH – Faculdade de Filosofia, Letras e
Ciências Humanas.
As cotas, no materialismo mais rasteiro
que não vê valor, e sim preço, crêem que resolverão os problemas do país
transformando a USP em “preta”. O racismo não diminuirá na manobra, nem
a USP será mais bem vista. Não é com encenações que algum problema
intelectual e de estudo será resolvido na sociedade.
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