segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

IRÃ: OS PRÓXIMOS DIAS SERÃO DECISIVOS PARA O FUTURO DO PAÍS

Bombardear o Irã?
Enquanto para Obama tudo que não seja um recuo de Teerã no programa nuclear é uma derrota, entre os iranianos a bomba é tida como questão de orgulho e sobrevivência
JUDY DEMPSEY - THE INTERNATIONAL HERALD TRIBUNE - O Estado de S.Paulo
OK, presidente, aqui está o plano. Nos próximos meses, em algum momento o senhor dará ordens ao Departamento de Defesa para destruir as instalações nucleares do Irã. Sim, sei que é ano eleitoral e alguns dirão que esta é uma medida hipócrita e seu objetivo é angariar apoio popular, mas um Irã nuclear é um problema que simplesmente não pode ser adiado.
O ataque preventivo, designado Operação Sim, Nós Podemos, implicará o bombardeio da usina de reprocessamento de urânio em Isfahan, as usinas de enriquecimento de urânio em Natanz e Fordo, o reator de água pesada de Arak e várias instalações de fabricação de centrífugas próximas de Natanz e Teerã. Na verdade, a usina de Natanz está enterrada a quase dez metros, sob concreto reforçado e cercada de defesas aéreas, mas nossa nova bomba contra bunkers, de 13.600 quilos, transformará o local em entulho. A usina de Fordo é mais problemática, feita ao lado de uma montanha, mas com saídas suficientes para conseguirmos fazer crepitar as centrífugas. Desculpe-me? E isso acaba com tudo? Bom, tudo do que nós temos conhecimento.
Vítimas civis? Não é um grande problema, diante da extraordinária precisão dos nossos mísseis teleguiados. O Irã provavelmente tentará granjear simpatias exibindo corpos e viúvas gemendo, mas a maior parte delas será de pessoal militar, engenheiros, cientistas e técnicos que trabalham nas instalações. Jogo limpo, em outras palavras.
Os críticos dirão que esses ataques cirúrgicos podem facilmente provocar uma guerra regional total. Dirão que a Guarda Revolucionária - não o grupo mais previsível - atacará alvos americanos aliados, diretamente ou com o auxílio de agentes terroristas. E o regime poderá realmente fechar a vital rota do petróleo pelo Estreito de Ormuz. Não se preocupe, presidente. Podemos fazer muita coisa para mitigar essas ameaças. Por exemplo, assegurar ao regime iraniano que só queremos destruir suas bombas, não derrubar o governo - e é claro que eles terão a nossa palavra de que assim será, isso se conseguirmos inventar uma maneira de enviar a mensagem a um país com o qual não temos contatos oficiais. Talvez postar no Facebook? Na verdade, poderíamos simplesmente deixar que os israelenses se incumbam desse bombardeio. Seus dedos estão cada vez mais nervosos para apertar o gatilho. Mas provavelmente eles não conseguirão fazer o trabalho todo sem nossa ajuda e acabaremos nos envolvendo em seguida.
Podemos também agir diretamente e colher os louros. Realmente, senhor presidente , o que pode dar errado? O cenário acima foi extraído de um artigo de Matthew Kroenig na edição mais recente da Foreign Affairs. (Os detalhes são de Kroenig, a mordacidade é minha). Kroenig é um acadêmico que durante um ano trabalhou no Departamento de Defesa no governo Obama e aparentemente aspira ao papel de super-falcão "Strangeloviano" ocupado décadas antes por figuras como John Bolton e Richard Perle.
Seus ex-colegas na Defesa ficaram consternados com o artigo, que combina o caso mais alarmista, a ameaça nuclear iraniana, com o positivo, a capacidade dos EUA tornarem as coisas melhores (isso faz lembrar outra guerra preventiva num país que também começa com I?). O cenário representa um dos polos num debate em que o tema da política externa é o mais explorado neste ano de campanha presidencial.
O polo oposto, também aterrador, é a perspectiva de viver com um Irã dotado da bomba nuclear. Nesse caso, o temor de muitos especialistas americanos não é de que o Irã decida incinerar Israel. (Mahmoud Ahmadinejad dá a impressão de ser louco demoníaco, mas o Irã não é suicida). Os perigos mais reais, e tenebrosos, são de que um conflito convencional nessa região propensa a conflitos se torne um Apocalipse. Ou mesmo que o Irã estenda sua cobertura nuclear protetora para abrigar seus ameaçadores agentes, como o Hezbollah, ou que os vizinhos árabes sintam-se obrigados a entrar na corrida nuclear.
No momento, a política americana está entre esses polos de ataque e acomodação, na esfera do cálculo incerto e das opções imperfeitas.
No campo republicano, há um candidato (Rick Santorum) que tende ao extremo de achar que devemos fazer uso da bomba antes, e não depois. Outro (Ron Paul) coloca-se no outro extremo, de deixar o Irã ser o Irã, e Mitt Romney e Newt Gingrich assumem uma posição intermediária. De particular interesse é Romney, que aplica a mesma artimanha retórica que usa no caso da saúde pública à questão do Irã - condena Obama por fazer o que Romney faria.
Embora muito da teocracia do Irã seja realmente tenebrosa, alguns pressupostos são amplamente aceitos por especialistas dentro e fora do governo.
Primeiro, apesar de todas as negativas, o regime iraniano está determinado a adquirir armas nucleares, ou ao menos ter capacidade de fabricá-las rapidamente em caso de ameaça externa.
Ter a opção nuclear é uma questão de orgulho persa e de sobrevivência nacional diante dos inimigos (ou seja, os EUA), que segundo os iranianos estão dispostos a derrubar o Estado islâmico. O programa nuclear é popular no Irã, aceito até mesmo por muitas figuras de oposição admiradas no Ocidente. O estado atual do programa não está totalmente claro, mas há avaliação que, se o aiatolá Ali Khamenei ordenar um avanço a toda velocidade - e não há nenhum sinal de que o tenha feito - eles podem realmente se dotar de uma bomba nuclear dentro de um ano mais ou menos.
A política americana foi coerente nos governos Bush e Obama: (1) uma declaração de que um Irã dotado de armas nucleares é "inaceitável"; (2) uma combinação de ameaças (sanções) e promessas (fornecimento de combustível nuclear para necessidades industriais domésticas em troca da renúncia às armas); (3) inspeções internacionais irrestritas; (4) recusa em eliminar as opções militares; (5) um esforço combinado para convencer Israel a não atacar o Irã unilateralmente; e (6) o desejo de que os radicais do Irã sejam substituídos por um regime mais favorável. Esses também são pontos básicos do manual de Romney sobre o Irã, apesar de toda sua bravata sobre Obama.
Na prática, a política de Obama promete ser mais dura que a de Bush. Como Obama começou com uma oferta de conversações diretas - que os iranianos estupidamente rechaçaram -, a opinião mundial mudou favor dos EUA. Podemos hoje ter suficiente apoio global para implementar a única medida que seria realmente catastrófica aos iranianos - um boicote do petróleo. Eles levam muito a sério a ameaça ao meio de sobrevivência econômica. Não é impossível entrarmos em guerra mesmo sem bombardear suas instalações nucleares.
Esse não é o único problema em relação ao atual enfoque - de Obama e Romney - no tocante ao Irã.
O objetivo das sanções mais severas é forçar os iranianos a se sentarem à mesa de negociações, onde podemos fazer um acordo que elimine o espectro de um Irã nuclearmente armado. Mas a desconfiança é tão grande e a pressão do ano eleitoral, tão intensa, que fica difícil imaginar que o governo se sentirá livre para aceitar uma proposta de Teerã.
Qualquer coisa que não seja um recuo unilateral, humilhante, por parte dos iranianos, vai ser representada pelos militaristas de gabinete como uma rendição de Obama. Do mesmo modo, se Israel decidir atacar por sua conta e risco, Binyamin Netanyahu sabe que o candidato Obama será pressionado a apoiar Israel.
Esse paradoxo de curto prazo está envolto em outro paradoxo de longo prazo: com certeza um ataque contra o Irã unirá a população iraniana em torno dos mulás e levará o líder supremo a redobrar sua empreitada no campo nuclear, desta vez aprofundando os subterrâneos e sem inspetores nucleares em torno. No Pentágono, o problema às vezes é colocado assim: bombardear o Irã é a melhor maneira de assegurar exatamente o que estamos tentando impedir.
TRADUÇÃO DE TEREZINHA MARTINO

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