sexta-feira, 28 de dezembro de 2012

A "revolução do xisto" pode alterar os rumos da geopolítica internacional
Alan Riley* - IHT
A revolução energética do xisto deve chacoalhar as placas tectônicas do poder global de maneira que serão amplamente benéficas para o Ocidente, além de reforçar o poder e a influência dos Estados Unidos durante a primeira metade deste século. No entanto, a maior parte das discussões a respeito do potencial do xisto tem se concentrado nos supostos perigos do fraturamento hidráulico** para o meio ambiente ou em como o xisto vai afetar o preço de mercado do gás natural. Ambas as discussões embaçam a visão dos responsáveis pelas políticas públicas e os impedem de perceber a verdadeira escala da revolução do xisto. 
O real impacto dessa revolução deriva de seu efeito sobre o mercado de petróleo. O gás de xisto oferece meios para que se amplie consideravelmente a oferta de combustíveis fósseis para o setor de transportes. Essa oferta, por sua vez, preencherá a crescente demanda por petróleo --que tem sido alimentada, em parte, pelo crescimento econômico da China e que tem dominado as políticas públicas para o setor de energia ao longo da última década.
Há dois fatores principais em jogo aqui: primeiro, a mesma tecnologia utilizada ne extração de xisto, com perfuração horizontal e fraturamento hidráulico, pode ser empregada nas rochas quer contenham óleo quer contenham gás. Já testemunhamos a produção de mais de meio milhão de barris de óleo por dia no campo Bakken, localizado em Dakota do Norte, nos Estados Unidos.

O recente relatório do Belfer Center, baseado em dados de Harvard e intitulado "Oil: The Next Revolution", sugere que a produção de óleo de xisto pode alcançar aproximadamente 6 milhões de barris por dia nos EUA até 2020. O país importou apenas 11 milhões de barris de petróleo bruto por dia em 2011. Considerando-se o potencial da produção norte-americana de petróleo em plataformas convencionais ou em águas profundas, isso sugeriria que, em 2020, os EUA poderiam estar perto de alcançar sua independência energética de petróleo.
No entanto, muitos defensores da independência energética não atentaram para um ponto fundamental: o maior impacto geopolítico da tecnologia de extração de xisto reside menos no fato de que os EUA serão mais autossuficientes em termos energéticos e mais no consequente deslocamento dos mercados mundiais de petróleo devido à redução acentuada das importações por parte dos norte-americanos. Esse último fator provavelmente será reforçado pelo desenvolvimento das reservas de óleo de xisto de China, Argentina, Ucrânia e outros países, que colocará pressão adicional sobre os preços mundiais do petróleo.
O segundo fator a afetar esse quadro é a possibilidade da utilização do gás natural no setor de transportes. Alguns analistas sugerem que essa só será uma perspectiva realista para veículos de frotas e para os transportes rodoviários de longa distância. Mas eles não estão atentando para a imensa vantagem que o gás natural tem como combustível para veículos automotivos nos EUA e na Europa, que já desenvolveram uma infraestrutura para a distribuição do gás natural em áreas urbanas --que leva gás natural canalizado a residências, escritórios e supermercados.

Uma vez que o gás é barato e amplamente disponível, é possível começar a pensar em como resolver o último obstáculo para que os consumidores possam abastecer seus carros com gás na garagem de casa: bastaria fornecer kits domésticos de reabastecimento.
Os incentivos para o desenvolvimento do óleo e do gás natural de xisto são muito grandes. Mas, até o momento, os Estados Unidos só alcançaram a primeira fase desse desenvolvimento, que está relacionada à redução dos preços do gás natural e à "reimportação" de setores que utilizam energia de forma intensiva --como o de produtos químicos e o siderúrgico-- devido aos baixos preços do gás. A próxima etapa do impacto da revolução do xisto será sentida quando os preços do petróleo começarem a cair, o que será um grande estímulo. De maneira mais ampla, a revolução do xisto dará aos EUA uma maior gama de opções para lidar com os outros países.

Para os europeus, a revolução do xisto também é muito positiva. Uma maior variedade de suprimentos de gás, produzidos a partir do gás natural liquefeito e originalmente destinados aos Estados Unidos, foi despejada nos mercados europeus. Em 2020, o gás de xisto na forma de gás natural liquefeito provavelmente começará a chegar à Europa em quantidades significativas, e também existe a perspectiva da disponibilização de gás de xisto para uso doméstico. A Europa também ser beneficiará dessa segunda etapa da revolução do xisto, à medida que os preços do petróleo começarem a ser pressionados.
No entanto, a autossuficiência norte-americana em petróleo é uma grande preocupação para a União Europeia. O perigo é que os Estados Unidos não terão mais nenhum interesse direto em garantir o fluxo da matéria-prima para fora do Golfo. No mínimo, isso significará que Washington provavelmente exigirá que a Europa aumente seus investimentos para garantir sua própria segurança energética. Uma opção para a União Europeia será desenvolver o transporte de gás natural como forma de proteger sua segurança energética. Isso também aumentaria a pressão sobre a política de preços dos produtores de petróleo.
A China tem incentivos ainda maiores para desenvolver suas reservas de gás de xisto. De acordo com o Escritório de Informação para o Setor de Energia do Departamento de Energia dos EUA, as reservas recuperáveis da China são maiores do que as dos Estados Unidos, somando 36 trilhões de metros cúbicos. A principal razão geoestratégica para Pequim desenvolva suprimentos de gás de xisto para seu setor de transportes está relacionada ao fato de a Marinha dos EUA controlar o Oceano Pacífico --e a maior parte do petróleo chinês chega por meio de petroleiros. A utilização em larga escala do gás natural para o setor de transportes protegeria a China de grande parte do efeito de um bloqueio por parte dos EUA.
Por outro lado, as perspectivas para a Rússia e a Arábia Saudita parecem sombrias. À medida que a década avança, a extração de xisto será desenvolvida em todo o mundo, e a infraestrutura para a distribuição de gás natural será construída. É difícil imaginar em como os mercados conseguirão evitar a queda dos preços do petróleo.
Geopoliticamente falando, a revolução do xisto fortalece os Estados Unidos, reduz a dependência energética da China e gera um grande estímulo global que, por sua vez, salvará as economias ocidentais de seus problemas fiscais. Ao mesmo tempo, essa revolução será potencialmente desestabilizadora para a Federação Russa e para a Arábia Saudita. Mas temos que continuar avançando com ela.
*É professor de direito para o setor energético na City Law School, da City University de Londres.
**O fraturamento hidráulico, também conhecido como "fracking", é o processo que serve para liberar o gás natural armazenado em depósitos de xisto.

  Tradutor: Cláudia Gonçalves

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