domingo, 30 de dezembro de 2012

A Rússia de Pussy Riot, Tupac e Putin
Thomas L. Friedman - UOL                                 
Yekaterina Samutsevich, do Pussy Riot, fala com a imprensa na saída de um tribunal de Moscou após ser solta; outras duas integrantes do grupo continuam presas por fazer "prece punk" em catedral
Yekaterina Samutsevich, do Pussy Riot, fala com a imprensa na saída de um tribunal de Moscou após ser solta; outras duas integrantes do grupo continuam presas por fazer "prece punk" em catedral
Tenho visitado regularmente a Rússia de Vladimir Putin e, quando eu estava descrevendo o que mais me preocupava no país para um amigo especialista em política externa, ele me instou a ler a peça “Três Irmãs”, de Chekhov. É o conto da família Prozorov, cujas três irmãs educadas e cultas --Olga, Masha e Irina-- cresceram em Moscou, mas, por 11 anos, se viram abandonadas no campo. As irmãs falam sempre poeticamente sobre como vão voltar para Moscou (a Cidade Esmeralda), mas nunca conseguem, e seus sonhos se esvaecem.
Putin suscita as Três Irmãs em mim. Toda vez que venho aqui eu acho que a Rússia estará realmente mudando, deixando de ser uma nação que depende apenas do petróleo e com forte verniz autoritário para se tornar um país que decidiu investir em educação, em inovação e em seu capital humano. E disposto a ser parceiro do Ocidente.
Mas este dia nunca se materializa, e ultimamente eu comecei a andar para trás. Eu me pergunto se Putin --um presidente que depende de uma retórica contra o Ocidente para manter sua base política-- compreende o quão abertos os EUA seriam a uma parceria com a Rússia hoje, para trazer ordem ao Oriente Médio ou para servir como contrapeso à China, especialmente quando a União Europeia está tão fraca e os EUA tão voltados para questões internas.
Sim, a expansão da Otan foi um enorme erro e levou os EUA e Putin a começarem mal. Mas isso acabou. Desta vez foi Putin que se trancou, por sua própria política cínica, no modo da Guerra Fria. Sua alegoria anti-Ocidente soa bem no campo, que se tornou sua base política em uma época em que a classe média urbana em expansão está ressentida com seu governo autocrático perpétuo.
A Rússia seria muito mais influente como parceira dos EUA do que como patrocinadora do Irã ou da Síria. E sua economia seria muito mais resistente se Putin explorasse as aptidões de seu povo e liberasse sua criatividade, em vez de apenas explorar seus poços de gás e petróleo. Mas isso exige um ambiente político muito mais livre. Putin pode parecer um homem forte, mas suas políticas estão tornando a Rússia mais fraca. Ele precisa tomar cuidado. A boa notícia para os russos hoje é que eles podem partir. A má notícia para a Rússia é que eles partirão. 
O Banco Europeu para Reconstrução e Desenvolvimento terminou um estudo sobre a economia russa, divulgado pelo Bloomberg News. Segundo a matéria, a “Rússia, a maior exportadora de energia do mundo, está cada vez mais dependente de suas commodities e não está se preparando para a redução da produção de petróleo em 20 anos”.
A corrupção, a educação fraca, as barreiras à imigração e o domínio do Estado na economia, que prejudica a inovação privada, tudo isso inibe a diversificação. A dependência da energia é maior hoje do que em meados dos anos 90, quando representava menos da metade de todas as exportações… O investimento da Rússia para promover indústrias de alta tecnologia --75% do patrocínio para pesquisa e desenvolvimento é dinheiro público-- gerou apenas resultados limitados, disse o banco. As razões são óbvias. As pequenas empresas ou as iniciantes exigem forte proteção de direitos intelectuais, um judiciário independente e mercados financeiros confiáveis, e estes exigem instituições políticas sólidas com regular rotatividade no poder. Tudo aquilo que o governo Putin combate.
Estou errado em ser tão pessimista, diz Vladislav Y. Surkov, vice-primeiro-ministro de modernização. Estive no escritório de Surkov na Casa Branca russa há poucos dias. Na entrevista, foi impossível ignorar os dois cartazes em sua parede. Um mostrava o co-fundador do Google, Sergey Brin, e o outro, Vladimir Zworykin, que foi diretor da RCA Laboratories em Princeton nos anos 50 e foi um dos pioneiros da TV. “Então”, perguntei a Surkov, “por que esses dois estão na sua parede?”
“Quero transmitir aos visitantes a mensagem que a Rússia deu gênios ao mundo”, disse Surkov. “Suas invenções entraram em cada casa do planeta, e o fato de que essas pessoas, nossos irmãos e nosso sangue, conseguiram dar tais presentes ao mundo deveria encher nossos corações de fé de que a Rússia tem um futuro como potência inovadora”.
Surkov, que foi chamado de Machiavelli de Putin, é impressionante, e seus planos para estimular a inovação na Rússia pareceram reais para mim. Mas não consegui deixar de observar que as culturas inovadoras não tomam medidas como jogar a banda Pussy Riot na prisão por dois anos, por fazer uma “prece punk” em uma catedral. Isso envia uma mensagem ruim para todos aqueles que exercitam o pensamento livre. Surkov, que também tem um retrato do rapper americano Tupac Shakur atrás da sua mesa, retrucou.
“Tupac Shakur é um gênio, e o fato de ser preso não interrompeu seu motor criativo nem o desenvolvimento inovador dos Estados Unidos.” O Pussy Riot não é o Tupac Shakur, acrescentou. “Como sou ortodoxo, sinto muito pelas meninas do Pussy Riot, mas [a situação delas] não tem implicações para o desenvolvimento da inovação na Rússia”.
O Pussy Riot provavelmente não é o Tupac, mas os membros da banda eram iconoclastas que romperam o molde, apesar de terem usado uma forma ofensiva e arrogante. E não era isso que os críticos diziam de Steve Jobs?
Tradutor: Deborah Weinberg 

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