Laurent Fabius* -IHT
Em uma reunião de cúpula da Otan (Organização do Tratado do Atlântico Norte, aliança militar ocidental), realizada em Chicago logo depois de François Hollande ter assumido a presidência da França, ele definiu sua visão sobre o lugar ocupado pelos franceses na aliança militar atlântica: o país é um aliado que exerce sua responsabilidade de membro fundador e está comprometido em promover valores comuns, mas não hesitará, se necessário, em expressar suas diferenças de maneira honesta. Essa posição está alinhada àquela que o Partido Socialista adotou, em especial durante o debate realizado em 2009 sobre o regresso da França ao comando integrado da Otan: aliados sim, alinhados não.
Dentro da aliança, a França é um parceiro fundamental nos níveis militar, político e financeiro, e pretende continuar assim. Quando a decisão de agir for tomada, a França assumirá suas responsabilidades. Foi o presidente socialista François Mitterrand, que, em 1993, decidiu colocar as forças francesas sob a bandeira da aliança.
Em 2009, a França não apoiava um retorno ao comando integrado, mas não é possível organizar contínuas discussões sobre o tema de forma permanente. E hoje haveria pouco sentido em sair novamente do comando. No entanto, temos de garantir que nosso retorno, agora oficialmente endossado, não resulte na banalização de nossa política externa nem na uma deterioração de nossa capacidade de tomar decisões e agir – mas que, pelo contrário, resulte no crescimento de nossas capacidades e influência.
Dessa forma, a França vai desempenhar plenamente seu papel em uma organização cuja principal missão é permitir que as democracias com valores e interesses comuns organizem de forma eficaz a interoperabilidade de suas forças armadas e, ao mesmo tempo, garantam sua defesa coletiva.
O relatório que o ex-ministro das Relações Exteriores da França, Hubert Vedrine, acaba de apresentar ao presidente francês sobre o papel de nosso país na Otan é uma contribuição muito útil para o trabalho da Comissão do Relatório Branco*, encarregada de estudar a agenda de nosso departamento de defesa e de nossa política de segurança.
O relatório compartilha da mesma agenda. Em especial, o documento destaca uma dupla necessidade: a de reforçarmos nossa influência dentro da aliança – ao nos mostrarmos vigilantes dentro dela – e a de sermos mais proativos na construção de uma defesa europeia.
Essas recomendações são pertinentes. A fim de implementá-las e de otimizar o papel da Otan no novo mundo que surgiu ao nosso redor, nossa política tem que definir para si pelo menos três objetivos.
1) Para a França, a Otan deve se manter como um instrumento especial da relação transatlântica, atuando em nome dos valores e interesses que compartilhamos – de um lado, os europeus, e do outro, os norte-americanos e canadenses. A Otan é o arcabouço natural para o engajamento conjunto de nossas forças com os norte-americanos.
Nesse contexto, a França irá agir para buscar a reforma da aliança, a fim de torná-la mais eficaz. O país continuará assumindo suas responsabilidades e preservando a autonomia de suas escolhas fundamentais: implementar a dissuasão nuclear, retirar suas tropas de combate do Afeganistão (como acabou de fazer), desenvolver um mecanismo de defesa antimísseis para a Otan – para o qual, durante a última reunião de cúpula da aliança, o presidente Hollande estabeleceu as condições, aprovadas pelos outros 27 chefes de estado e de governo, e, de modo mais geral, manter a liberdade no uso de suas forças e desenvolver o projeto de Defesa da Europa, que é parte integrante do projeto de união política do bloco.
A França também vai continuar trabalhando para fortalecer todas as áreas de cooperação entre a Otan e a Rússia, que, aos nossos olhos, é uma parceira vital em diferentes campos, como o Afeganistão e a luta contra a pirataria e o terrorismo.
2) Devem ocorrer discussões controladas – facilitadas pela reeleição do presidente Barack Obama – sobre um novo compartilhamento das responsabilidades relativas à segurança e à defesa entre europeus e norte-americanos. Os Estados Unidos precisam de um aliado europeu confiável capaz de assumir todas as suas responsabilidades.
A crise da Líbia mostrou que os europeus podem fazer sua parte caso consigam lidar com sucesso com um conflito. Assumimos a maior parte dos riscos, das responsabilidades e das contribuições militares. Mas a crise também mostrou que ainda precisamos do apoio prestado pelos Estados Unidos. Apesar de o país dispor das capacidades necessárias para lidar com situações como essa – mesmo que elas não sejam suficientes hoje em dia –, é a União Europeia que deve agir quando os interesses relacionados à segurança dos europeus estiverem essencialmente em jogo.
Dentro de alguns meses, por exemplo, a UE vai ter que desempenhar plenamente seu papel e apoiar a Organização das Nações Unidas (ONU) para auxiliar o Mali a recuperar sua soberania e combater o terrorismo. Pela mesma razão, seria bom se o país começasse a refletir sobre as responsabilidades que terá de assumir ao lado das futuras autoridades sírias.
3) Os esforços iniciados para o projeto de Defesa Europa devem ser mantidos. A Otan pode dar sua contribuição, mas cabe primeiramente aos europeus trabalhar nesse projeto.
Esse projeto é coerente com o que estamos fazendo para garantir que a União Europeia tenha uma política externa conjunta e capaz de tomar e implementar suas próprias decisões. Temos que agir agora para transformar esse objetivo em realidade, num momento em que nosso país – que nos últimos anos se mobilizou para retornar ao comando integrado da Otan – tem sido bastante frugal quando se trata dos recursos destinados ao projeto de Defesa da Europa.
Vamos continuar trabalhando para obter apoio para esse projeto entre as instituições europeias, e entre todos os nossos parceiros europeus, incluindo os britânicos. Eu e o ministro da Defesa da França, Jean-Yves Le Drian, recentemente organizamos uma reunião com nossos colegas alemães, italianos, espanhóis e poloneses a fim seguir adiante com esse tema, e apelamos a todos os estados membros para que se juntassem a nós no desenvolvimento desse projeto de cooperação com os nossos principais parceiros, que obviamente incluem a Otan.
Todas essas abordagens devem permitir que França garanta sua independência e sua capacidade de agir em um mundo novo, num momento em que enfrentamos grandes restrições orçamentárias. O país deve, portanto, ser capaz de se manter como uma "potência influente", da qual se espera que fale e seja ouvida e respeitada.
*Laurent Fabius é ministro das Relações Exteriores da França.
Tradutor: Cláudia Gonçalves
Dentro da aliança, a França é um parceiro fundamental nos níveis militar, político e financeiro, e pretende continuar assim. Quando a decisão de agir for tomada, a França assumirá suas responsabilidades. Foi o presidente socialista François Mitterrand, que, em 1993, decidiu colocar as forças francesas sob a bandeira da aliança.
Em 2009, a França não apoiava um retorno ao comando integrado, mas não é possível organizar contínuas discussões sobre o tema de forma permanente. E hoje haveria pouco sentido em sair novamente do comando. No entanto, temos de garantir que nosso retorno, agora oficialmente endossado, não resulte na banalização de nossa política externa nem na uma deterioração de nossa capacidade de tomar decisões e agir – mas que, pelo contrário, resulte no crescimento de nossas capacidades e influência.
Dessa forma, a França vai desempenhar plenamente seu papel em uma organização cuja principal missão é permitir que as democracias com valores e interesses comuns organizem de forma eficaz a interoperabilidade de suas forças armadas e, ao mesmo tempo, garantam sua defesa coletiva.
O relatório que o ex-ministro das Relações Exteriores da França, Hubert Vedrine, acaba de apresentar ao presidente francês sobre o papel de nosso país na Otan é uma contribuição muito útil para o trabalho da Comissão do Relatório Branco*, encarregada de estudar a agenda de nosso departamento de defesa e de nossa política de segurança.
O relatório compartilha da mesma agenda. Em especial, o documento destaca uma dupla necessidade: a de reforçarmos nossa influência dentro da aliança – ao nos mostrarmos vigilantes dentro dela – e a de sermos mais proativos na construção de uma defesa europeia.
Essas recomendações são pertinentes. A fim de implementá-las e de otimizar o papel da Otan no novo mundo que surgiu ao nosso redor, nossa política tem que definir para si pelo menos três objetivos.
1) Para a França, a Otan deve se manter como um instrumento especial da relação transatlântica, atuando em nome dos valores e interesses que compartilhamos – de um lado, os europeus, e do outro, os norte-americanos e canadenses. A Otan é o arcabouço natural para o engajamento conjunto de nossas forças com os norte-americanos.
Nesse contexto, a França irá agir para buscar a reforma da aliança, a fim de torná-la mais eficaz. O país continuará assumindo suas responsabilidades e preservando a autonomia de suas escolhas fundamentais: implementar a dissuasão nuclear, retirar suas tropas de combate do Afeganistão (como acabou de fazer), desenvolver um mecanismo de defesa antimísseis para a Otan – para o qual, durante a última reunião de cúpula da aliança, o presidente Hollande estabeleceu as condições, aprovadas pelos outros 27 chefes de estado e de governo, e, de modo mais geral, manter a liberdade no uso de suas forças e desenvolver o projeto de Defesa da Europa, que é parte integrante do projeto de união política do bloco.
A França também vai continuar trabalhando para fortalecer todas as áreas de cooperação entre a Otan e a Rússia, que, aos nossos olhos, é uma parceira vital em diferentes campos, como o Afeganistão e a luta contra a pirataria e o terrorismo.
2) Devem ocorrer discussões controladas – facilitadas pela reeleição do presidente Barack Obama – sobre um novo compartilhamento das responsabilidades relativas à segurança e à defesa entre europeus e norte-americanos. Os Estados Unidos precisam de um aliado europeu confiável capaz de assumir todas as suas responsabilidades.
A crise da Líbia mostrou que os europeus podem fazer sua parte caso consigam lidar com sucesso com um conflito. Assumimos a maior parte dos riscos, das responsabilidades e das contribuições militares. Mas a crise também mostrou que ainda precisamos do apoio prestado pelos Estados Unidos. Apesar de o país dispor das capacidades necessárias para lidar com situações como essa – mesmo que elas não sejam suficientes hoje em dia –, é a União Europeia que deve agir quando os interesses relacionados à segurança dos europeus estiverem essencialmente em jogo.
Dentro de alguns meses, por exemplo, a UE vai ter que desempenhar plenamente seu papel e apoiar a Organização das Nações Unidas (ONU) para auxiliar o Mali a recuperar sua soberania e combater o terrorismo. Pela mesma razão, seria bom se o país começasse a refletir sobre as responsabilidades que terá de assumir ao lado das futuras autoridades sírias.
3) Os esforços iniciados para o projeto de Defesa Europa devem ser mantidos. A Otan pode dar sua contribuição, mas cabe primeiramente aos europeus trabalhar nesse projeto.
Esse projeto é coerente com o que estamos fazendo para garantir que a União Europeia tenha uma política externa conjunta e capaz de tomar e implementar suas próprias decisões. Temos que agir agora para transformar esse objetivo em realidade, num momento em que nosso país – que nos últimos anos se mobilizou para retornar ao comando integrado da Otan – tem sido bastante frugal quando se trata dos recursos destinados ao projeto de Defesa da Europa.
Vamos continuar trabalhando para obter apoio para esse projeto entre as instituições europeias, e entre todos os nossos parceiros europeus, incluindo os britânicos. Eu e o ministro da Defesa da França, Jean-Yves Le Drian, recentemente organizamos uma reunião com nossos colegas alemães, italianos, espanhóis e poloneses a fim seguir adiante com esse tema, e apelamos a todos os estados membros para que se juntassem a nós no desenvolvimento desse projeto de cooperação com os nossos principais parceiros, que obviamente incluem a Otan.
Todas essas abordagens devem permitir que França garanta sua independência e sua capacidade de agir em um mundo novo, num momento em que enfrentamos grandes restrições orçamentárias. O país deve, portanto, ser capaz de se manter como uma "potência influente", da qual se espera que fale e seja ouvida e respeitada.
*Laurent Fabius é ministro das Relações Exteriores da França.
Tradutor: Cláudia Gonçalves
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