segunda-feira, 31 de dezembro de 2012

Imigrantes chineses convivem com certa 'chinofobia' na Espanha
Raquel Vidales - El Pais
Xu Songhua passou quase a metade de seus 63 anos vivendo na Espanha, mas não fala espanhol. Não lhe fez falta para se transformar em um dos empresários mais prósperos e conhecidos da comunidade chinesa neste país, proprietário de agências de viagem, restaurantes e lojas de produtos alimentícios. "É muito difícil, e quando cheguei não tinha tempo de estudar, só trabalhar", desculpa-se. "E agora fiquei preguiçoso porque minha família me traduz." Mas apesar de não conhecer o idioma Xu afirma que sempre se sentiu muito à vontade na Espanha e nunca pensou em voltar à China. Até agora. "Pela primeira vez estou pensando em voltar. As coisas mudaram desde que prenderam Gao Ping", afirma.
A Operação Imperador, que neste outono desarticulou uma das maiores tramas de evasão fiscal e lavagem de dinheiro reveladas na Espanha nos últimos anos, não só atingiu seus chefes, liderados pelo empresário Gao Ping, como teve consequências para toda a comunidade chinesa residente na Espanha. Dizem seus porta-vozes que desde que ocorreram as detenções, em 16 de outubro passado, as vendas dos comerciantes baixaram até 70% e que a sociedade espanhola os trata pior, o que somado à crise econômica está empurrando muitos, como Xu, a pensar em voltar à China ou se transferir para outro lugar. "Chamaram nossos filhos de mafiosos e houve clientes que se negaram a pagar o valor total de suas compras nas lojas, alegando que não pagamos impostos", resume Julia Zhang, assessora de empresas e diretora da associação Ni Hao.
A Secretaria Geral de Imigração espanhola afirma que não detectou nenhum problema de convivência derivado dessa operação policial, mas é evidente que a situação gerou uma crise de imagens que está obrigando um coletivo de imigrantes tradicionalmente silencioso e avesso a dar a cara a se mobilizar. Também demonstra isso o fato de que o governo chinês enviou para a Espanha, entre 26 e 28 de novembro, uma delegação diplomática para pedir que as autoridades em seus comunicados diferenciem claramente os protagonistas da trama criminosa para que o restante de seus compatriotas não seja identificado com a máfia.
O alcance na mídia da Operação Imperador, que deixou imagens chocantes de grandes quantidades de dinheiro sujo, foi o claro estopim dessa crise de imagem, mas não a única causa. Também influiu a escassa integração dos imigrantes chineses na sociedade espanhola, que em geral não vai além de interações econômicas em lojas e restaurantes. Foi o que admitiu durante sua visita a própria delegação diplomática chinesa, que inclusive se reuniu com representantes das associações de imigrantes para lhes pedir que se envolvam mais na sociedade espanhola. E seus representantes também o admitem. "Reconhecemos que em parte a culpa é nossa, porque não nos comunicamos o suficiente. E sabemos que agora temos de fazer um esforço para nos abrir e demonstrar à sociedade espanhola que não somos mafiosos e que a maioria das lendas que correm sobre nós é falsa", comenta Zhang.
Essa abertura não será fácil. Sua maneira particular de fazer negócios, obter empréstimos, conseguir emprego, alimentar-se e até divertir-se sem sair das redes familiares permite, como demonstra o caso de Xu Shonghua, que nem sequer têm a necessidade de aprender o idioma para progredir. "Vivemos mergulhados em nossos trabalhos e quase não temos tempo livre para nos relacionarmos além da família", explica Ye Yulan, presidente da Associação de Chineses na Espanha (Ache), a maior e mais antiga do país, que reúne cerca de 25 coletivos e existe desde 1983.
Essa capacidade para passar nas pontas dos pés pela sociedade e seu desinteresse por desmentir rumores, por estarem ocupados em seus negócios e seu mundo, propiciou a sobrevivência de muitas lendas sobre seus hábitos e costumes, algumas falsas e outras com certa base. "As mais insólitas acabam caindo sozinhas, como que não enterram seus mortos para poder utilizar suas carteiras de identidade, mas há outras que são reforçadas por acontecimentos como a Operação Imperador. Por exemplo, as imagens dos pacotes de notas apreendidos na rede de lavagem não ajudam a refutar a ideia difundida de que não pagam impostos", afirma o jornalista Ángel Villarino, correspondente na Ásia do grupo mexicano Reforma e de vários meios de comunicação espanhóis, que acaba de publicar o livro "Para onde vão os chineses quando morrem?".
Em seu livro, Villarino detalha a origem de alguns desses temas, entre eles o de que não pagam impostos. "Para começar, a naturalidade com que manipulam dinheiro vivo chama a atenção, mas isso não significa que sempre estejam manipulando dinheiro sujo. Às vezes se deve simplesmente a sua desconfiança geral dos bancos, que leva muitos a guardar suas poupanças em casa", explica. "Entretanto, a lenda tem uma base real. Diferentes fontes policiais confirmam que as firmas administradas por chineses cometem infrações com maior frequência do que as espanholas", acrescenta Villarino.
Julia Zhang, é claro, nega esse extremo e afirma que seus compatriotas pagam impostos como qualquer espanhol. "Posso lhes mostrar as declarações de meus clientes para demonstrá-lo", afirma. E acrescentou um dado: dos 175 mil cidadãos chineses registrados na Espanha, segundo o Instituto Nacional de Estatística, 48 mil cotizam no regime geral da Seguridade Social e 39 mil são autônomos, o que não leva a pensar em uma fraude maciça. Os números não incluem os cerca de 5.000 que se nacionalizaram nem os que possam estar sem registro, um número difícil de avaliar. A maioria dos cálculos afirma que podem ser cerca de 20 mil.
A crise gerou, por outra parte, certo ressentimento para com a comunidade chinesa por sua capacidade de abrir empresas da noite para o dia, inclusive no pior momento da economia espanhola. Um ressentimento que a Operação Imperador só fez agravar. "Há alguns meses o dono da Mercadona elogiava a capacidade de trabalho dos chineses e convidava os espanhóis a imitá-los para sair da crise. Hoje ninguém se atreveria a elogiar essa virtude", salienta Villarino.
Chen Shengli é um exemplo de como um chinês pode chegar a se integrar plenamente à sociedade espanhola. Apesar de em rigor ser um imigrante da primeira geração, pois nasceu e se criou na China, chegou à Espanha com 18 anos e hoje, 23 anos depois, sente-se plenamente espanhol. Fala perfeitamente o idioma e se nacionalizou, algo que a maioria de seus compatriotas não faz porque obriga a renunciar à cidadania chinesa. "Se agora me dissessem que tenho que voltar para lá, não saberia o que fazer. Meus amigos e minha vida estão aqui. Sou até sócio do Real Madrid!", declara.
Proprietário de uma importante rede de empresas fornecedoras de grandes cadeias espanholas e membro da patronal madrilenha, Chen reconhece que seu caso não é comum, sobretudo em camadas mais baixas. A maioria de seus compatriotas procede de mundos rurais e conta com poucos recursos para se integrar. Mas o empresário confia nas segundas gerações. "Os jovens que nasceram aqui não querem ouvir falar de China", afirma.
Gladys Nieto, especialista em estudos asiáticos da Universidade Autônoma de Madri, não vê a coisa tão clara. "Não é a primeira vez que as associações se mobilizam diante de uma crise midiática. Por exemplo, nos anos 1990 fizeram outro movimento para tentar lavar sua imagem depois de um atentado contra um restaurante chinês atribuído às máfias. Houve tumulto durante algum tempo, mas logo se esqueceu e voltaram silenciosamente a seus empregos", lembra a especialista.
No entanto, Nieto acredita que pouco a pouco vão ocorrendo avanços. "As segundas gerações que se escolarizaram na Espanha já falam o idioma e avançaram em integração em relação a seus pais, mas isso não significa que acabem trabalhando fora das empresas familiares. Ainda vivem entre dois mundos, e poucos saíram para o mercado de trabalho espanhol. Creio que será preciso esperar a terceira geração para notar verdadeiros avanços, como já sucede em países como os EUA", analisa.
Em todo caso, mesmo que essa tentativa de maior integração se concretize, o principal interesse da comunidade chinesa neste momento é que se encerre logo a Operação Imperador para que a imprensa deixe de publicar diariamente informações e imagens de compatriotas corruptos. Isso pelo menos foi o que passou para a polícia a delegação diplomática que viajou à Espanha no final de novembro. "Não pedimos um tratamento de favor. O único que tentamos é eliminar o impacto negativo que teve essa operação entre nossos compatriotas", declarou o porta-voz do Ministério das Relações Exteriores chinês, Hong Lei.
O impacto midiático da operação não foi sentido só na Espanha, mas também na própria China. Algo que, segundo Julia Zhang, também pode prejudicar a economia espanhola porque está paralisando investimentos. "A palavra 'máfia' é muito mais grave para nós do que para os espanhóis, e causa muito medo na China. Por isso alguns empresários agora têm medo de investir aqui", afirma.
Xu Songhua declara que o turismo também poderá se ressentir, em um momento em que a Espanha faz um grande esforço para explorar a emergência do gigante asiático como país emissor de turistas, que se multiplicaram por cinco só na última década. O empresário afirma que no último mês três grupos de turistas chineses cancelaram a viagem que haviam contratado com sua agência para visitar a Espanha, devido às notícias negativas sobre a máfia.
Não só isso. A delegação diplomática chinesa também afirmou, em uma reunião com representantes do Ministério das Relações Exteriores, que as forças de segurança começaram a tratar com especial rigor os visitantes de seu país nas alfândegas, porque supõem que podem levar dinheiro sujo. A própria presidente da Ache, Ye Yulan, afirma que sofreu isso pessoalmente. "Foi em 25 de outubro passado, ao voltar de uma viagem à China. Revistaram minha mala com muito maus modos e me tiraram um remédio que havia comprado lá. Nunca antes, nos mais de 30 anos que vivo na Espanha, me havia acontecido algo assim", lamenta. 
Tradutor: Luiz Roberto Mendes Gonçalves 

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