sábado, 31 de maio de 2014


This…
La conversación entre los dedos y la piel de outra persona. Este es el debate más importante que se puede tener.
Gramsci e as próximas eleições
Estamos a ver as últimas etapas do “orgasmo político” gramsciano.
O que esperam das eleições os revolucionários conscientes da causa e todos aqueles que consideram o Parlamento eleito pelo sufrágio universal uma máscara da ditadura burguesa? Essa foi a pergunta que o ideólogo socialista italiano Antonio Gramsci fez em seu artigo “Os revolucionário e as eleições” escrito em 1919. Essa é a pergunta que o eleitor brasileiro, ou pelo menos aquele que é formador de opinião, tem de se fazer.
Alguns se perguntariam qual a necessidade de tal questionamento. Contudo, nunca é tarde para lembrar: os integrantes do partido que hoje nos governa vêm fazendo a mesma pergunta há pelo menos 40 anos. Tentar entender as possíveis respostas dessa pergunta é essencial, pois os ditos de Antonio Gramsci compõem a fundação teórica desse mesmo partido.
É verdade que os partidos e intelectuais de cunho revolucionário jamais pararam de confabular, conjecturar e exercitar dialeticamente seus termos. Não obstante, ao ler Antonio Gramsci logo se vê que embora adequações tenham sido feitas ao que ele disse, a base e o modus operandi do Partido dos Trabalhadores ainda segue majoritariamente os ditames do ideólogo italiano.
Para citar um exemplo dentre vários dessa adequação: mesmo que o pensador alemão Herbert Marcuse tenha trazido o novo insight sobre a necessidade da classe revolucionária ser representada pelos párias da sociedade [1] e não pelos proletários – que hoje se engalfinharam na corrida capitalista –, ainda assim vemos o Príncipe partidário gramsciano como o regente de todo o aparato revolucionário.
E o Príncipe sempre é partidário e eleitoral na realidade gramsciana, pois segundo o pensador italiano, “os resultados da luta eleitoral [...], modificam, sem dúvida, as relações de força entre as instituições em que se encarna a luta, de classe, em que se encarna hoje o processo de desenvolvimento da revolução” [2].
Para o ideólogo, tal necessidade eleitoral se faz também por conta de que uma revolução brusca e violenta poderia suscitar o apoio à uma contrarrevolução muito mais forte e muito mais brusca vinda da tal burguesia reacionária. Sendo assim, é necessário para Gramsci
que o esforço eleitoral do proletariado [hoje adequado também a outra classe, conforme vimos acima] consiga fazer entrar no Parlamento um bom nervo de militantes do Partido Socialista e que esse seja bastante numeroso e aguerrido para tornar impossível, a cada líder da burguesia, a constituição de um governo estável e forte, para obrigar, portanto, a burguesia a sair do equívoco democrático, a sair da legalidade, e determinar uma sublevação dos estratos mais profundos e vastos da classe trabalhadora contra a oligarquia dos exploradores” [3].Não foi exatamente isso que aconteceu desde que o Partido dos Trabalhadores tomou o poder? Em 2004, já dez anos após o primeiro aviso dado sobre os perigos do PT e do gramscismo na obra A Nova Era e a Revolução Cultural, o filósofo Olavo de Carvalho dava outro aviso no artigo “Assunto encerrado” ao dizer:
“O PT, como digo há anos, não veio para alternar-se no poder com outros partidos -- muito menos com os da ‘direita’ -- segundo o rodízio normal do sistema constitucional-democrático. Ele veio para destruir esse sistema, para soterrá-lo para sempre nas brumas do passado, trocando-o por algo que os próprios petistas não sabem muito bem o que há de ser, mas a respeito do qual têm uma certeza: seja o que for, será definitivo e irrevogável”. 

Olavo tornou ainda mais inteligível o que Gramsci disse há quase um século atrás.

Um olhar sobre os protestos de junho de 2013
Muito se falou após junho de 2013 sobre os perigos que o PT enfrentaria nas próximas eleições. Seriam eles verdadeiros? Uma Presidente Dilma pálida de pânico proferindo um discurso desconexo em rede nacional à época dos protestos fazia parecer que sim. Ledo engano. Dilma estava sendo avaliada pelo próprio partido acerca da sua aptidão para governante em um cenário de ruptura revolucionária. Se ela foi aprovada ou não pelos seus pares é algo que descobriremos no futuro.
Os protestos em si, mesmo que tenham imprevistamente englobado as classes de fato insatisfeitas, no final só serviram para deixar o PT mais forte do que nunca. As massas fizeram exatamente aquilo que o Partido Príncipe espera: pediram ajuda a ele. O partido vendeu a solução dos problemas que ele mesmo criou.
A resposta para tal manobra novamente está em Gramsci. Ao dizer que o condottiero maquiavélico é a encarnação da vontade pública, ele logo em seguida dá o pulo do gato e diz que é necessário que o próprio Partido – e não uma única pessoa – se torne esse condottiero, mas não seguindo as vontades de fato públicas, mas criando novas necessidades que só sejam realizáveis pelo próprio Partido, de modo que ele próprio – o Partido – se torne a única possibilidade no horizonte e a encarnação mesma da vontade popular.
Diz Gramsci:
O moderno Príncipe, desenvolvendo-se, subverte todo o sistema de relações intelectuais e morais; na medida em que o seu desenvolvimento significa de fato que cada ato é concebido como útil ou prejudicial, como virtuoso ou criminoso; mas só na medida em que tem como ponto de referência o próprio moderno Príncipe e serve para acentuar o seu poder, ou contrastá-lo. O Príncipe toma o lugar, nas consciências, da divindade ou do imperativo categórico, torna-se a base de um laicismo moderno e de uma laicização completa de toda a vida e de todas as relações de costume” [4].

É o que aconteceu em 2013: o movimento revolucionário vem há décadas criando os entraves socioculturais e há uma década os políticos. Chegamos ao ponto em que a única vontade disponível no horizonte de consciência do povo é a vontade que os atuais governantes querem que tenhamos, de modo que, como disse Olavo de Carvalho em A Nova Era e a Revolução Cultural, a instauração da última etapa de um regime totalitário vem a ser apenas um “orgasmo político”. Não é de se estranhar, portanto, que mesmo entre os bem intencionados e não-militantes, os pedidos eram por mais estado (mais educação, mais saúde, mais segurança, etc.). Tudo conforme o plano de poder do Partidão.
E ainda diz mais o ideólogo italiano sobre os protestos:
Uma das condições de triunfo da revolução é a organicidade unitária e centralizada da psicologia popular, é portanto a existência da sociedade humana com uma sua configuração real e precisa. Era necessário um acontecimento pré-revolucionário que fizesse convergir simultaneamente a atenção das massas para os seus problemas e para as soluções que, em relação a estes problemas, propõem as várias correntes políticas.” [5].
Em outras palavras, a revolução gramsciana só prospera quando todos estiverem pensando da mesma maneira e as alternativas à revolução forem impensáveis por esse mesmo bloco, isto é, mesmo que haja uma genuína vontade de alternativas à revolução, os meios linguísticos e culturais já foram destruídos de tal modo, que não há sequer um repertório imaginativo para tal mudança.

A conclusão é temerosa: dada a estreiteza da cosmovisão do povo, em parte provocada pela revolução cultural gramsciana, dificilmente a presidência mudará de mãos neste ano de 2014. Esperemos então o avanço nas agendas abortistas, desarmamentistas e a ideologização cada vez maior do sistema educacional. Enfim, estamos a ver as últimas etapas do “orgasmo político” gramsciano. As últimas semanas não deixam dúvidas acerca disso.

Notas:
[1] termo usado pelo próprio Herbert Marcuse na obra O homem unidimensional para se referir às classes ditas oprimidas, que logo se organizaram em movimentos que hoje conhecemos por “movimentos de minoria”: feministas, abortistas, gayzistas, africanistas, etc.

[2] Antonio Gramsci, Escritos políticos, vol. II. “As eleições”, p. 73.
[3] op. cit. “Os revolucionários e as eleições”, p. 65. Grifo meu.
[4] Antonio Gramsci, Cadernos do Cárcere. Caderno 8. “O moderno príncipe”.
[5] Antonio Gramsci, Escritos políticos, vol. II. “Os resultados que esperamos”, p. 70.

O risco de golpe: o decreto n.º 8.243/2014 e o plebiscito constituinte
O grande perirgo do Decreto n.º 8.243/2014 é a possibilidade de que o propalado plebiscito sobre a Constituinte, que sequer deveria ser realizado, seja substituído por uma mera consulta realizada através do Sistema Nacional de Participação Social.
A publicação do Decreto n.º 8.243, de 23 de maio de 2014, pegou a população de surpresa com a criação, em silêncio, de um mecanismo de participação popular inédito no sistema jurídico – a “Política Nacional de Participação Social”, inserida em um certo “Sistema Nacional de Participação Nacional”.
Parte da imprensa logo percebeu que havia algo de errado: o Estado de São Paulo publicou editorial com o título “Mudança de regime por decreto”, ao passo em que Reinaldo de Azevedo, colunista da Veja, escreveu que “Dilma decidiu extinguir a democracia por decreto. É golpe!”.
Como nada no Brasil dos últimos tempos é tão simples quanto parece, a questão vai muito além da inconstitucionalidade do estabelecimento de um sistema de gestão pública impulsionado por decisões tomadas por movimentos sociais como o MST, como o texto do decreto faz parecer.
O grande perigo desse decreto presidencial é a possibilidade de que seja instituída uma nova Assembleia Constituinte com base na exclusiva vontade dos movimentos sociais, que têm demonstrado, de há muito, o interesse em rasgar a Constituição Federal de 1988 para estabelecer a seu bel-prazer uma nova Constituição.
Com a perda cada vez maior do apoio popular ao PT e aos movimentos sociais – devendo-se lembrar que, nas manifestações de junho de 2013, as bandeiras e militantes partidários foram banidos das ruas pelos protestantes -, é grande o risco de um resultado negativo à consulta popular sobre a realização da Assembleia Constituinte, assim como ocorreu na Venezuela anos atrás, quando Hugo Chávez realizou um plebiscito com essa mesma finalidade.
Os principais movimentos sociais do Brasil encontram-se em ebulição há vários meses, concentrados na idéia fixa de promover uma ruptura do sistema atual, com o estabelecimento de uma nova Constituição que atenda aos seus anseios. Na internet, chegou-se a divulgar que o plebiscito da reforma constitucional ocorreria na primeira semana de setembro de 2014, antes mesmo das eleições presidenciais. Essa idéia foi encampada pelo Partido dos Trabalhadores – PT, que a estabeleceu como meta para ser cumprida com a maior brevidade, ao lado do controle da mídia e da revogação da lei da anistia, conforme restou registrado na ata do 14.º Encontro Nacional do partido [1].
Registre-se que desde 2006 o ex-presidente Lula já mencionava o seu interesse em realizar uma nova Constituinte [2], tendo o PT registrado oficialmente em 2007 a sua intenção de realizar o plebiscito sobre a Constituinte em 2009. Não se trata, portanto, de um desejo recente motivado pelas manifestações de junho de 2013, como o PT e os movimentos sociais envolvidos tentam fazer crer.
Sobre quais seriam os principais movimentos sociais beneficiados com uma eventual Constituinte, a resposta é fornecida por eles próprios: no livro “Constituinte Exclusiva: Um Outro Sistema Político é Possível” [3], elaborado por juristas vinculados a esses movimentos na tentativa de convencer os demais juristas e a população de que seu intento não consistiria em mero golpe, os principais apoiadores da idéia são nominalmente citados:
“É diante desses chistes retóricos, contudo, que inúmeros movimentos sociais e organizações da esquerda brasileira, como o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, a Associação de Mulheres Brasileiras e a Central Única dos Trabalhadores, optaram por investir suas energias na execução de um plebiscito popular por uma constituinte exclusiva e soberana do sistema político.”
Sobre o alcance da Constituinte que esse grupo político pretende realizar, a intenção encontra-se explicitamente delineada no livro mencionado acima, cuja leitura é recomendável para que se possa dimensionar o tamanho do risco que nossa democracia enfrenta neste momento.
Um dos textos, elaborado por dois juristas, menciona a intenção de sufocar o Poder Legislativo:
“(...) a Presidenta Dilma, no final daquele mês, propôs, em rede nacional de televisão, a convocação de uma Constituinte Exclusiva para mudar o sistema político pátrio. Com esta audaciosa proposta, a Presidenta tentou viabilizar um processo popular de reformas no sistema político, tirando o protagonismo do Parlamento (nunca é demais frisar: um Parlamento completamente dominado pelas forças antipopulares) para as ruas.
Assim, o ciclo de um determinado modelo de democracia se encerrou. (...) Trata-se de exterminar as estruturas e as forças antipopulares, logo, antidemocráticas, que dominam a política brasileira.
Assim, para os lutadores e as lutadoras do povo, a lógica jurídica não deve ser empecilho às lutas por melhores condições de vida; para a construção de um Projeto Popular para o Brasil. Nesse sentido, vem em boa hora a articulação nacional de organizações sociais voltada à construção de um Plebiscito Popular em defesa de uma Constituinte Exclusiva para a Reforma Política”.
Outro jurista, na tentativa de afirmar que a realização de uma nova Constituinte não precisa estar prevista na Constituição atual, decretou que o “momento de ruptura” política havia finalmente chegado:
“O que importa para o direito democrático, e para todos nós, é o fato de que ele só será legítimo, ser for popular, inequivocamente, radicalmente democrático.
Assim, inevitavelmente chegará o momento em que a sociedade mudará mais do que a constituição foi capaz de acompanhar. Neste momento a constituição se tornará ultrapassada, superada: é o momento de ruptura. A teoria da constituição apresenta uma solução para estes problemas: o poder constituinte originário, soberano, ilimitado do ponto de vista jurídico (e obviamente limitado no que se refere a realidade social, cultural, histórica, econômica) também já explicado neste texto. Este é o momento de ruptura.”
O Decreto n.º 8.243/2014 não representa, portanto, um fim em si mesmo. A par da inconstitucionalidade flagrante, o grande perigo da sua existência é a possibilidade de que o propalado plebiscito sobre a Constituinte, que sequer deveria ser realizado, seja substituído por uma mera consulta realizada através do Sistema Nacional de Participação Social, criado pela mencionada norma, de modo a fazer prevalecer a vontade desses movimentos sociais, sendo já de todos conhecida a resposta à consulta. Seria um modo de fraudar a já fraudulenta idéia de impor a Assembleia Constituinte ao povo brasileiro. Seria um golpe de Estado.

Notas:

[1] http://www.pt.org.br/wp-content/uploads/2014/05/14-ENPT-RESOLUCAO-TATICA-ELEITOAL-FINAL-1.pdf

[2] http://g1.globo.com/politica/noticia/2013/06/lula-falou-em-constituinte-em-2006-deputado-protocolou-pec-neste-mes.html
[3] http://www.plebiscitoconstituinte.org.br/sites/default/files/material/Livro%20Juridico%20Constituinte%20Exclusiva%202014.pdf

Os extremistas europeus não estão exatamente na direita
Está na hora de chamarmos os estatistas autoritários da Frente Nacional e seus pares do
que eles realmente são.
Direita ou esquerda?
Essa semana, o parlamento europeu deu uma forte guinada à esquerda. Essa não é exatamente a história que se leu na mídia (sendo a maioria das manchetes sobre a Europa ter dado uma guinada à direita) mas essa é a conclusão óbvia ao se analisar os resultados das eleições de domingo desde o que a maior parte dos britânicos entende pela divisão entre direita e esquerda.
Partindo de qualquer questão política britânica, das escolas aos gastos públicos, a posição esquerdista costuma ser entendida como a defesa de uma maior intervenção estatal e de um gerenciamento da economia pelo estado. A posição da direita é vista como em defesa de um estado mínimo, do livre mercado e a redução da regulamentação nas atividades econômicas. Sendo assim, como um partido como o francês Frente Nacional (que defende protecionismo e estado de bem estar social e que se opõe a globalização) é chamado de "extrema-direita”?
Caso a Frente Nacional seja a extrema-direita, então a centro-direita deve adorar medidas parcialmente protecionistas, deve ver o estado de bem estar social como um bem público e deve ser um tanto desconfiada da globalização. Porém, isso soa mais como um manifesto do Ed Miliband. É verdade que, nos idos anos 70, Jean-Marie Le Pen costumava enfeitar suas posições racistas com idéias econômicas liberais. Só que isso aconteceu faz tempo. Os partidos que triunfaram nessa semana são aqueles que oferecem uma combinação lógica perfeita de xenofobia, nacionalismo e estado autoritário.
Perfeitamente lógico, mas profundamente errado. Enquanto muitos dos representantes do capitalismo global (banqueiros, corporações internacionais que evitam impostos e assim por diante) mostraram que tem os pés de barro, o maior estrago nas economias veio de governos que tentaram sair do negativo buscando empréstimos para depois buscarem regular os mercados na tentativa de inflar novamente bolhas financeiras que mantiveram seus cofres cheios. Os que ganhadores com o aumento dos financiamentos baratos e com as taxas de juros artificialmente baixas foram os bem de vida, enquanto o número desproporcional de perdedores foram os que ganham pouco. É uma receita para maior desigualdade. 
Dessa forma, não causa surpresa que as eleições européias viram a “revolta dos camponeses” contra um sistema político econômico que achatou os pobres. Porém, não é verdade que iremos ficar melhor trocando um modelo de estado grande por outro da mesma forma. Muito melhor seria reduzirmos a presença do estado e deixarmos que o mercado crie mais empregos, superando os que o governo deu fim - como aconteceu na Grã-Bretanha nos últimos anos. No entanto, esse não parece ser o caminho para a Europa continental em um futuro próximo.
Dos 751 assentos do parlamento europeu, só 46 (aqueles ocupados por partidos que pertencem aos Conservadores Europeus e ao Grupo Reformista) se definem nos termos do liberalismo econômico. Esses sofreram uma perda de 11 assentos. Em contrapartida, os partidos da União de Esquerda (normalmente chamados de extrema-esquerda) ganharam 10 assentos, chegando aos 45. Já o Europa pela Liberdade e Democracia (normalmente chamados de extrema-direita) ganharam mais 11 assentos e foram para um total de 40. Não houve uma vitória da direita sobre a esquerda, somente uma vitória dos eurocéticos sobre os partidos em prol da Europa, dos intervencionistas sobre os em prol do livre mercado. Se quisermos pensar sobre os agrupamentos de partidos em Estrasburgo, podemos juntar a “extrema-esquerda” e a “extrema-direita” debaixo de um grande guarda-chuva de estatistas xenófobos.
Quanto mais a Europa vai nessa direção, mais irá crescer o espaço entre a Europa e os Estados Unidos. Mesmo tendo os Estados Unidos os seus lobbies protecionistas e uma camada racista xenófoba, existe um crescente distanciamento entre a Europa do estado grande e os Estados Unidos do estado mínimo. Isso se reflete no distanciamento entre as economias da amarrada Europa e dos Estados Unidos em recuperação. Com as amarras vem o extremismo político. Na geração anterior, tinha-se que olhar para a América para encontrar gente como os membros da Ku Klux Klan, enquanto a Europa parecia o modelo de democracia social moderada. Já hoje, não são os Estados Unidos que produzem grupos como o Jobbik e o Golden Dawn.
Um aspecto pouco observado da eleição foi que a Grã-Bretanha rejeitou essa agenda. O Partido Nacional Britânico está enterrado, perdendo seus assentos no Parlamento Europeu e 80% dos seus eleitores. O racismo desse grupo nunca foi muito aceito. Agora, o explicitamente anti-racista Ukip, foi o voto de protesto que de longe está mais de acordo com o espírito britânico - em suma, o desejo de ser deixado em paz por burocratas intrometidos. Nigel Farage acabou com o único partido neofascista britânico e merece aplausos calorosos por isso. O voto de protesto dos britânicos dá as boas-vindas aos imigrantes de qualquer cor ou credo. 
A tragédia da União Européia é que ela representa tantas coisas boas. No seu melhor, ela negocia acordos de livre comércio e derruba barreiras para a mobilidade de mão-de-obra. Porém, esse processo foi corrompido por grupos de interesse que distorcem as regras de intercâmbio em proveito próprio. Muito foi dito sobre as recentes eleições para o Parlamento Europeu e quase nada foi dito sobre as políticas que lá estarão em pauta.
Tivemos diversos insultos vindo de todos os lados, mas não aprendemos quase nada sobre os pontos que estarão em votação pelos representantes no Parlamento. Se as políticas dessa “extrema-esquerda” e dessa “extrema-direita” agora eleitas forem sujeitas ao exame adequado, poderemos ver o quão semelhantes elas realmente são, e quão pouco a política britânica tem em comum com ambas.
Do The Spectator - http://www.spectator.co.uk
Tradução: Fernando de Souza
PIB da China passará o dos EUA em cinco anos
Denise Chrispim Marin - O Estado de S. Paulo
Apesar das divergências, conexão entre as duas economias continuará elevadaChina quer mudar economiaVista de Pequim: China é o maior consumidor mundial de energia desde 2009Denise Chrispim Marin/Estadão
PEQUIM - A China vai superar os Estados Unidos como maior economia do mundo a partir de 2019. Nas estimativas do Banco Mundial e do Fundo Monetário Internacional, o Produto Interno Bruto (PIB) chinês alcançará US$ 22,4 trilhões, medido pela paridade de poder de compra (PPP), e será US$ 300 bilhões maior do que o americano. Cálculo da Moody’s divulgado em maio, e que usa os mesmos critérios, espera que a liderança chinesa ocorra em prazo mais curto, até o fim de 2014.
A disputa entre Pequim e Washington na seara econômica, assim como na esfera geopolítica, oculta dependência mútua. Para Otaviano Canuto, conselheiro do Banco Mundial, a ascensão da China ao topo do ranking econômico pouco diz. O PIB per capita, indicador do padrão de vida e do poder de consumo, continuará baixo. Apesar do aumento gradual da renda per capita, cada americano terá quatro vezes mais dinheiro do que um chinês em 2019. “A economia da China não será mais importante do que a dos EUA se não contar com um mercado tão atrativo quanto o americano”, disse.
A China, porém, tem inquestionável importância em Washington. Graças a seu volume de reservas, tornou-se o maior comprador de títulos do Tesouro dos EUA. Até outubro, tinha US$ 1,3 trilhão desses papéis. Com isso, permitiu o financiamento do déficit público americano e a política de juros próximos a zero. O comércio bilateral, motivado pela demanda aquecida na América até a crise de 2008, cresceu de US$ 5 bilhões, em 1980, para US$ 536 bilhões, em 2012.
Em 2013, os EUA registraram déficit de US$ 318,4 bilhões no comércio bilateral. No primeiro trimestre deste ano, somaram US$ 69,1 bilhões. Segundo o Congressional Research Service, de Washington, a mudança do eixo da economia chinesa da exportação para o consumo deverá abrandar esse déficit. Como a demanda da China por alimentos vai crescer, os EUA esperam ajuste no câmbio do yuan e redução de tarifas de importação.
Em busca de custos menores de produção, companhias americanas hoje mantêm de US$ 50 bilhões a US$ 70 bilhões na China, sobretudo em setores intensivos em mão de obra. Mas tendem a frear esse fluxo por causa do aumento dos salários e do transporte marítimo. A mão contrária surgiu nos últimos anos. O investimento produtivo chinês nos EUA saltou de US$ 1,9 bilhão, em 2007, para US$ 17,1 bilhões, em 2012.
Energia. Um dos pontos críticos entre Washington e Pequim é a energia. Enquanto os EUA estão relativamente confortáveis graças à exploração de gás e óleo de xisto, a China continua em busca de fontes para alavancar seu crescimento.
O país é o maior consumidor mundial de energia desde 2009, e vai demandar 70% mais energia do que os EUA em 2035. Vem construindo cidades verdes, apostando em fontes renováveis e investindo em grandes projetos, como o parque eólico de Guam e a hidrelétrica de Três Gargantas.
China e EUA assinaram acordo de cooperação técnica para exploração do gás e óleo de xisto em 2013. Os chineses vivem sobre a maior reserva mundial desse recurso, estimada em 1,1 trilhão de pés cúbicos. Como está na zona árida do oeste, a China precisa da tecnologia de extração sem uso de água.
Os EUA estão mais avançados nesses estudos. Na semana passada, porém, a China ignorou as sanções dos EUA e da Europa sobre a Rússia, por causa da crise da Ucrânia-Crimeia, e fechou contrato de US$ 50 bilhões com Moscou para a compra de gás natural.
Dever cumprido
O Estado de S. Paulo
Podendo ainda ficar mais dez anos como ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) e tendo ainda pela frente meio ano de mandato como presidente daquela Corte, Joaquim Barbosa decidiu aposentar-se a partir de 1.º de julho. A decisão de abandonar o proscênio da vida pública pode parecer prematura. Mas o fato é que a aposentadoria de Barbosa encerrará um ciclo importante da História do País. Foi sua grande obra o julgamento da Ação Penal 470, que sinalizou o fim da impunidade dos poderosos e ajudou a restaurar a confiança dos brasileiros no império da lei.
Apesar disso, e ficando em evidência durante o julgamento do mensalão, Joaquim Barbosa esteve sempre longe de ser uma unanimidade nacional. Isto se deveu, em parte, à aspereza de seu temperamento, sempre pronto a confrontar com contundência e, não raro, deselegância, as divergências e as provocações. Mas deveu-se, também, à virulenta orquestração dos interesses político-partidários contrariados por sua meticulosa e sólida condução, na condição de relator, do julgamento do mensalão.
Se, por um lado, os excessos temperamentais do ministro não engrandecem sua biografia, por outro, o combate sem tréguas contra ele movido pelo comando e pela militância de um partido político que se sentiu ameaçado nos planos de permanecer no poder a qualquer preço dá a exata medida do exemplar zelo com que Joaquim Barbosa soube preservar sua autonomia e imparcialidade de magistrado. Afinal, sua condução à Suprema Corte, em 2003, foi obra exatamente do governo envolvido até a medula nos crimes que acabaram colocando atrás das grades líderes de primeira grandeza do PT e aliados.
O papel que Joaquim Barbosa se disporá a exercer doravante na vida pública brasileira é um problema que diz respeito exclusivamente a ele próprio. Mas desde já, mal anunciada sua intenção de se aposentar, lideranças dos principais partidos de oposição manifestaram a intenção de contar com o prestígio de seu apoio. Devem saber o que estão fazendo. Joaquim Barbosa, no entanto, escolheu o momento de anunciar sua aposentadoria para sinalizar que não se renderia a barganhas políticas. Porque se esse fosse seu intento, pelo menos imediato, como insistem seus detratores, teria anunciado sua decisão algumas semanas antes, quando ainda tinha a possibilidade de se filiar a uma legenda partidária para, se fosse o caso, disputar as eleições de outubro.
A vaga que a aposentadoria de Joaquim Barbosa abrirá no STF a partir de julho coloca a presidente Dilma Rousseff diante da delicada responsabilidade de nomear o substituto. A questão é bem mais complexa do que certamente imaginam muitos de seus correligionários para os quais a escolha “certa” é aquela que leva em conta parâmetros de comprometimento do candidato à vaga com o partido do governo. Trata-se de um critério que projeta tenebrosas dúvidas não apenas sobre o escolhido para o cargo, mas sobre todo o Supremo, como mostra experiência recente.
Ocorre que, pelo menos até a decisão do pleito presidencial, provavelmente no segundo turno de 26 de outubro, a escolha de um novo ministro claramente identificado com o partido no poder pode repercutir negativamente na faixa do eleitorado independente – aquele não necessariamente comprometido com alguma legenda em particular. Seria o caso dos dois nomes que imediatamente passaram a ser especulados como fortes candidatos: o do ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, e o do advogado-geral da União, Luis Inácio Adams. Mais do que conhecidos por seus méritos como juristas, ambos são facilmente identificados como petistas, o que certamente seria usado pela oposição.
Ao longo dos quase três anos e meio de mandato, a presidente Dilma teve a sabedoria de se manter rigorosamente distante da polêmica criada a partir da Ação Penal 470, que incendiou a opinião pública, levando alguns – como Lula – a equiparar o feito judicial a uma “fraude”. É de esperar que esse comportamento não mude.

Ética, violência, vergonha
Roberto Romano - FSP
Na vida coletiva educada importa sobretudo o uso correto do corpo. Um significado relevante da ética reside no termo hexis, palavra grega que indica se o indivíduo tem, ou não, boa postura física ou de caráter. “Caminhar, nadar, todas as espécies de coisas assim são específicas de sociedades determinadas”, ensina o antropólogo Marcel Mauss. O mimetismo que reproduz gestos corporais é adquirido inconscientemente. Mauss notou que as enfermeiras dos Estados Unidos, ao andar, seguiam o molejo das estrelas hollywoodianas. O modelo do cinema foi assumido pelas profissionais, delas extraindo a originalidade somática.
A imitação irrefletida de atos incorretos gera sociedades em que vigora a guerra de todos contra todos. O péssimo uso dos corpos e de seu habitáculo, o solo comum, transforma o coletivo num inferno. As massas e suas manifestações que resultam em violência física causam temor. Multidões ou indivíduos, no entanto, integram o gênero humano. Todos, sem a disciplina educativa, agem fora do controle racional. Platão aconselha os genitores: se o recém-nascido chora, verifiquem o corpinho. Caso ele grite no dia posterior, fiquem alertas. Se berrar sem motivo grave, ignorem: o tirano está se revelando. O filósofo, em As Leis, diz ser preciso ensinar aos jovens a diferença entre a caça ao animal e a perseguição contra outros humanos. A tarefa caberia aos pais, professores, juízes. Nas ruas dominadas por sectários, ou nos shopping centers brasileiros, existe a tirania ruidosa dos que não respeitam a alteridade. Neles, muitos indivíduos se juntam para a caçada, desviam atividades legítimas e democráticas.
Tempos atrás, a pessoa que me seguia em shopping center paulista advertiu a genitora de uma criança que ali rodopiava aos berros, sem controle. Em vez de acatar o aviso (dado em tom gentil), a mãe vociferou que o alerta vinha de alguém ressentido, porque não percebia “tratar-se de uma inocente”. Segundos depois a inocente esmagou o pé da minha acompanhante e arrancou-lhe a unha. Foi preciso o socorro dos bombeiros para o curativo. A mãe da criança nem sequer pediu desculpas. Foi embora sem receber advertência dos seguranças.
No mesmo local, em época natalina, uma dama empurrou o ser humano que me acompanhava, jogando o indigitado ao chão. “Desculpa (notemos o uso do verbo, que põe o atingido no papel íntimo ou inferior do tu, sem tratamento civilizado), eu não vi”. Sem ajudar a vítima, ela rosna impropérios como réplica aos reclamos: “Sou de família importante, viajo sempre para Nova York e Paris”, etc. Felizmente, tudo resultou em escoriações menores.
Ver os demais seres humanos integra o primeiro treino de quem usa o espaço coletivo. “Não vi” é confissão de idiotismo, na semântica da palavra grega “idiota”: o que percebe apenas o seu interesse pessoal. Pelo menos três outros casos similares eu teria para relatar.
Se as minhas experiências não bastam, vejam o que aconteceu com a notável artista plástica Maria Bonomi e uma amiga em restaurante de shopping paulista. Elas jantavam pacificamente quando, na mesa ao lado, começou o berreiro. Reclamaram e receberam palavrões seguidos de uma garrafa de cerveja despejada sobre suas vestes. Os funcionários nada fizeram para impedir a cacofônica animalidade. Breve a Justiça ouvirá dois indivíduos que urinavam na frente de todo mundo num shopping brasiliense. Certo professor de educação física, ao exigir o necessário decoro, foi por eles atacado. Os agressores causaram-lhe traumatismo craniano e problemas de locomoção. Como sempre, o agredido é acusado pelos indecentes que estão presos, aguardando o pronunciamento dos juízes.
Todas esses fatos entram na ordem do que é ruim e feio em termos éticos. Os gregos indicavam o sentimento de quem se envergonha com as coisas odiosas usando o termo aidós – pudor, vergonha (cf. Cairn, D.: Aidós, the Psychology and Ethics of Honour and Shame in Ancient Greek Literature). No Brasil a vergonha vem dos belos atos, nunca dos horrendos. Os nossos políticos replicam usos e costumes de uma sociedade que não enrubesce, nas ruas ou nos espaços de elite.
Egocêntricos, incapazes de ver os demais seres humanos, os desprovidos de respeito cidadão usam o carro como dirigem seu corpo: desobedecem aos sinais e limites de velocidade, desafiam leis, ignoram a preferência do pedestre nas faixas, estacionam em vagas de idosos e deficientes, furam as filas preferenciais. Donos do mundo, nunca recebem sanções negativas da Justiça. Preconceituosos, consideram engraçado ferir gays, negros, judeus, nordestinos. Como integram o grupo dos happy few, ninguém tem coragem de lhes impor decoro e respeito. Pelo mimetismo, seus costumes atrozes abarcam a sociedade, transformando-a em alcateia feia e virulenta.
Se muitos indivíduos empurram os outros, ameaçam sua integridade física em locais que deveriam ser pacíficos, no trânsito a crueza aumenta exponencialmente, pois os veículos são usados como armas. A covardia impera nas estradas e ruas do País, aço é movido contra carnes frágeis. Com autorização para matar por embriaguez ou estímulo de psicotrópicos, dada a leniência dos poderes públicos, integrantes da sociedade embrutecida matam no Brasil com enorme facilidade. Ainda não aprenderam a distinção entre caça aos bichos e caça aos humanos. As estatísticas de “acidentes” aqui trazem números superiores aos de muitas guerras.
O mimetismo, retomemos, ocorre sem maiores reflexões. Digamos aos ensandecidos do trânsito que eles são assassinos. Todos ficarão indignados porque fantasiam para si uma integridade corporal e de caráter (hexis) inexistente. O Brasil registrou 56.337 homicídios, o maior índice na feitura do Mapa da Violência. Praticantes do gesto incivil ainda têm a caradura de alardear nojo dos políticos corruptos, de quem são irmãos siameses. O belo e a vergonha não vigoram no solo brasileiro.
Quanto custa o atraso do PAC
O Estado de S. Paulo
Por incompetência administrativa, negligência, desconhecimento da realidade ou pura má-fé, obras bilionárias de grande importância para a atividade produtiva e para a vida da população começam com grande atraso ou só terminam muito depois do prazo previsto. Algumas nem saem do papel. Essa prática, constatada no governo Lula e intensificada na gestão Dilma, resulta em custos adicionais que muitas vezes superam o orçamento original – e a demora na conclusão das obras, ao retardar os benefícios esperados, impõe custos adicionais ao País.
Num estudo envolvendo apenas seis grandes obras atrasadas do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) – que serviu eficazmente ao ex-presidente Lula para transformar Dilma Rousseff em sua sucessora e está servindo a ela como instrumento para tentar obter mais um mandato –, a Confederação Nacional da Indústria (CNI) constatou que, se elas tivessem sido concluídas de acordo com o cronograma oficial, teriam propiciado melhores condições para o sistema produtivo, que teria gerado uma produção adicional de R$ 28 bilhões. Visto por outro ângulo, este é o valor que o País já “perdeu” por conta do atraso. É uma quantia próxima da que se estima gastar para a realização da Copa do Mundo.
Entre as obras examinadas, a de maior custo é a transposição do Rio São Francisco, projeto megalômano anunciado pelo ex-presidente Lula ainda em seu primeiro mandato, cujo lançamento foi feito em 2005, quando não havia ainda um projeto detalhado. Tornou-se um exemplo de mau planejamento, pois não se baseou em informações mais precisas nem num projeto suficientemente completo para permitir a execução da obra sem necessidade de grandes alterações que implicassem atrasos e revisões substanciais de custo.
O resultado é o que se vê. Houve grande atraso na obra, que deveria estar concluída parcialmente em 2010 e inteiramente em 2011, mas só deverá ser entregue em 2015, de acordo com a promessa mais recente do governo. O contrato da obra foi refeito várias vezes, tendo havido até sua divisão em 14 subcontratos, o que tornou inviável seu controle administrativo e financeiro.
Só por conta do atraso de cinco anos, a CNI estimou as perdas em R$ 11,7 bilhões. É o valor do que poderia ter sido produzido pela agropecuária local com o uso de irrigação, que estaria disponível desde 2010, caso a obra estivesse pronta na data prevista.
Destaque-se que as perdas estimadas pela CNI referem-se a apenas meia dúzia de obras do PAC – as de maior orçamento, reconheça-se. Pode-se imaginar o que o País está perdendo com os atrasos de todas as obras do PAC, que acabou sendo um programa de natureza muito mais política do que de infraestrutura. O atraso sistemático tem propiciado correções dos contratos, o que facilita o desvio de recursos.
Obras de mobilidade urbana, anunciadas com estardalhaço pelo governo Dilma em 2011 como necessárias para melhorar a vida da população nas grandes cidades – e que, adicionalmente, facilitariam a circulação de pessoas durante a realização da Copa do Mundo –, estão em situação ainda pior. Reportagem do jornal Valor (26/5), baseada em dados obtidos por meio da Lei de Acesso à informação, mostrou que não falta dinheiro para essas obras. Falta competência – e em praticamente todos os níveis da administração.
De R$ 12,4 bilhões que o governo Dilma havia assegurado em abril de 2012 para Estados e municípios, a fundo perdido, para obras como metrô e corredores de ônibus, apenas R$ 479 milhões, ou pífios 3,9%, foram sacados. O programa de mobilidade urbana então anunciado totalizava R$ 37,6 bilhões (sendo R$ 13,9 bilhões financiados por instituições federais a juros altamente subsidiados e R$ 11,3 bilhões de responsabilidade de governos estaduais ou prefeituras responsáveis pela obras, além do dinheiro federal oferecido a fundo perdido).
Nem mesmo as manifestações de rua exigindo transportes mais eficientes e mais baratos foram suficientes para as autoridades retirarem esses projetos do papel.

A "imagem do Brasil"
Os cidadãos hoje são reféns de militantes iracundos, que não buscam persuadir maiorias, mas provocar o colapso da vida urbana
Demétrio Magnoli - FSP
Fernando Haddad proferira a palavra "guerrilha", referindo-se à greve dos motoristas de ônibus. Na terça, Dilma Rousseff pronunciou a palavra "baderna", referindo-se às manifestações de rua. Minutos depois, liderados por um movimento de sem-teto e por índios armados com arcos e flechas, 2.500 pessoas interromperam o trânsito em Brasília. "É a imagem do Brasil que estará em jogo", explicou a presidente, avisando que "vai chamar o Exército, imediatamente", para reprimir a "baderna" durante a Copa do Mundo. A "imagem" toca num nervo sensível do governo. Em nome dela, por um mês e às custas da ordem democrática, Dilma promete assegurar o direito de ir e vir das pessoas comuns.
A "baderna" é, há tempo, a "imagem do Brasil" --com a diferença, apenas, de que o mundo não estava vendo. Sob o influxo do PT, movimentos minoritários aprenderam que, reunindo algumas centenas de manifestantes, têm a prerrogativa de parar cidades inteiras. A tática, esporádica durante anos, tornou-se rotineira depois das multitudinárias "jornadas de junho". Nas metrópoles, os cidadãos converteram-se em reféns de militantes iracundos, que não buscam persuadir maiorias, mas unicamente provocar o colapso da vida urbana. O problema de Dilma é que chegou a hora da Copa: agora, a "baderna" ameaça a sacrossanta "imagem do Brasil", não os desprezíveis direitos das pessoas.
O conflito entre direitos é um traço marcante das democracias. A liberdade de expressão é regulada por leis que protegem a privacidade e a imagem dos indivíduos. O direito de greve é regulado por disposições que asseguram o funcionamento de serviços essenciais. O direito de manifestação pública é limitado por regras que impedem a anulação do direito de circulação das pessoas. No Brasil do lulopetismo, contudo, aboliu-se tacitamente o direito de ir e vir. Acuadas pelo PT, as autoridades renunciaram ao dever de garanti-lo, curvando- se à vontade soberana de dirigentes sindicais e lideranças de movimentos sociais.
Nas democracias, o equilíbrio entre os direitos de manifestação e de circulação no espaço público deriva de uma série de regras. Manifestações são autorizadas mediante aviso prévio às autoridades e acertos sobre lugares de concentração e trajetos de passeatas. No Brasil, nada disso existe pois não interessa ao Partido: a vigência de regras gerais, de aplicação indistinta, restringiria as oportunidades de orquestração de ações de "baderna" moduladas em cenários de disputa eleitoral. O problema de Dilma é que, na hora da Copa, emergiram movimentos que nem sempre se subordinam às conveniências do Partido. A presidente resolveu, então, militarizar provisoriamente o país. No poder, o lulopetismo oscila entre a política da "baderna" e o recurso ao autoritarismo.
"Não vai acontecer na Copa do Mundo o que aconteceu na Copa das Confederações", garantiu Dilma a uma plateia de aflitos empresários. Não mesmo. Os protestos multitudinários provavelmente não se repetirão porque os "black blocs" cumpriram a missão de afastar das ruas as pessoas comuns. Os envelopes urbanos das "arenas da Fifa", perímetros consagrados aos negócios, serão circundados por cordões policiais de magnitude inédita. Já a "baderna" arquitetada para provocar colapsos de circulação em dias de jogos terá que desafiar a hipótese de resposta militar. Na Copa, excepcionalmente, o direito de ir e vir estará assegurado.
Dilma promete "chamar o Exército". A força militar aparece, hoje, como a única mola capaz de conciliar o "padrão Fifa" com o "padrão Brasil" de ordem pública. Um estado de sítio não declarado instaurará um efêmero parêntesis no tormento cristalizado pela política da "baderna" nas principais cidades do país. Nos 30 dias da competição, a "imagem do Brasil" brilhará sobre um pano de fundo verde-oliva. Depois, tudo volta ao "normal".
PF vai investigar Facebook e usuários por ataques ao PT
MARCELO PORTELA - Agência Estado
A Polícia Federal (PF) vai abrir inquéritos para investigar a Facebook Serviços Online do Brasil Ltda e pelo menos quatro usuários da rede social por causa de ataques ao PT e ao ex-ministro Fernando Pimentel, provável candidato do partido ao governo de Minas. A decisão de pedir à PF a abertura das investigações é do diretor do Foro Eleitoral de Belo Horizonte, juiz Renato Luiz Faraco, que determinou a remessa de duas notícias crime apresentadas ao Tribunal Regional Eleitoral do Estado (TRE-MG) pela legenda e pelo pré-candidato.
Em uma das ações, o PT pede que seja apurada a responsabilidade da empresa, responsável pela administração do Facebook, em crimes eleitorais que estariam sendo cometidos por "usuários anônimos", que usam páginas de grupos da rede social para "caluniar e difamar" o partido. A ação cita os artigos 323 a 326 do Código Eleitoral, que definem como crimes a divulgação de fatos "inverídicos" ou calúnia contra partidos ou candidatos com "fins de propaganda", além de ataques "à reputação" e ofensas à "dignidade ou decoro".
Já Pimentel apresentou ação contra os usuários Cristiano Alves Guimarães, Tomas Soares, Lucas Gontijo Guimarães e Carlucio Santos Carvalho. De acordo com o TRE-MG, na notícia crime, o ex-ministro acusa os usuários de promoverem "verdadeiro achaque à sua figura em duas páginas (FanPages)" na rede social. Ainda segundo a Justiça Eleitoral, além deles, a ação também inclui a Facebook Serviços Online do Brasil Ltda. porque "a hospedagem das páginas ofensivas é feita em seus domínios e que, mesmo recebendo várias denúncias, a empresa não teria providenciado, até o momento, a retirada do conteúdo do ar".
O juiz Renato Faraco seguiu parecer do Ministério Público Eleitoral ao decidir enviar as petições à PF, o que ocorreu no último dia 24, mas a instituição não confirmou se os inquéritos já foram instaurados. O Estado não conseguiu contato com o a assessoria do Facebook, no início da noite desta quinta-feira, 29.
A reportagem enviou mensagens aos quatro usuários citados na ação, mas até o fechamento desta edição não houve retorno. Nas páginas deles na rede social há diversas críticas ao PT e ao menos na de Lucas Gontijo há elogios ao senador Aécio Neves (MG), provável candidato do PSDB à Presidência e principal padrinho político do ex-ministro e também tucano Pimenta da Veiga, principal adversário de Pimentel na eleição estadual. Gontijo é ex-prefeito de Luz, no centro-oeste de Minas, e foi derrotado nas eleições de 2012 ao disputar novamente o cargo pelo PTB, partido da base do governo mineiro.
Enfrentar a polícia com a lei também faz parte da ‘ação direta’
Iranildo Brasil, de 22 anos, citou artigos da Constituição e do Código de Processo Penal quando PMs tentaram revistar seu carro 
OESP
As cerca de 250 pessoas que se reuniram no sábado passado na Praça da Sé, para se manifestar contra a realização da Copa do Mundo no Brasil, eram basicamente black blocs - muitos deles sem máscaras - e seus seguidores. Mesmo assim, o ato foi pacífico do início ao fim. O momento de maior tensão ocorreu quando policiais militares tentaram revistar o carro de um rapaz e ele não deixou. Os manifestantes cercaram a van da PM para onde o rapaz foi levado. Acabaram deixando o veículo passar, para que ele pudesse resolver o conflito com a PM em uma delegacia. O rapaz era Iranildo Brasil, de 22 anos, filho de empregada doméstica, que ainda não terminou o curso de Direito em uma faculdade particular, mas já passou no exame da Ordem dos Advogados do Brasil e faz estágio em um escritório de advocacia. No 8º Distrito Policial, o delegado de plantão deu razão a Iranildo.
O incidente começou quando um manifestante mascarado veio deixar objetos em seu Santana, que estava estacionado na praça. Policiais vieram revistar o carro, mas Iranildo os impediu. “Não estou cometendo crime ou prestes a cometer, portanto, a ordem é ilegal”, disse ele ao policial. O jovem advogado cita o artigo 5º da Constituição, sobre a inviolabilidade da propriedade, e o artigo 244 do Código de Processo Penal, que fala de “fundada suspeita” e obriga o policial a explicar ao cidadão as razões da revista. “O que a PM fez foi dizer que esses direitos não valem nada, que sua autoridade é superior à Constituição.” Enfrentar a polícia com a lei também faz parte da ‘ação direta’
Iranildo conta que já tinha tido uma experiência de um policial “plantar” uma garrafa de gasolina (utilizada para fazer coquetéis molotov) no seu carro, durante uma revista. 
Segundo ele, o soldado na Praça da Sé não conhecia a lei, e teria dito: “Se fosse noutro momento, você teria apanhado”. Os moradores da periferia que acompanharam o episódio concordaram que ele só teve esse desfecho porque ocorreu no centro da cidade, e na presença da imprensa. “Se você diz na comunidade ‘quero me identificar na delegacia’, não sai vivo de lá”, comenta um rapaz que mora com o pai, auxiliar de limpeza, no extremo sul de São Paulo.
“A PM não respeita as leis, e por mais que tenha códigos de disciplina, não respeita o cidadão com ideologias e o pobre”, acusa Iranildo. O jovem advogado foi o herói dos black blocs no sábado. Sua atitude é considerada, pela doutrina black bloc, uma “ação direta”, de imposição de um direito na prática.
Um grupo de advogados voluntários acompanha as manifestações e dá assistência aos detidos, até constituírem um defensor. O grupo surgiu espontaneamente em julho, no início da onda de manifestações. Foi formado por advogados que participavam dos protestos como manifestantes. Eles são facilmente identificáveis: em geral jovens, são os únicos que aparecem de gravata ao lado dos black blocs. 
Black blocs prometem caos na Copa com ajuda do PCC
Protagonistas das ações mais espetaculares da rede anarquista não foram nem sequer fichados pela polícia
Lourival Sant'Anna - OESP
Os black blocs que executaram as ações de grande repercussão do ano passado continuam fora do radar da polícia, e prometem transformar a Copa do Mundo “num caos”. Para isso, alguns deles esperam que o Primeiro Comando da Capital (PCC), a organização que domina os presídios paulistas e emite ordens para criminosos soltos, também entre em campo. Não se trata de uma parceria, mas de uma soma de esforços.
Com o compromisso de não identificá-los, o Estado ouviu 16 desses black blocs, em seis encontros, na última semana. À diferença dos adolescentes que os imitaram em depredações, e que acabaram arrolados em um inquérito do Departamento Estadual de Investigações Criminais (Deic), eles são adultos, seguem tática desenvolvida há décadas na Europa e nos Estados Unidos, não têm página no Facebook nem querem aparecer.Black blocs prometem caos na Copa com ajuda do PCC
Dos 20 que formam o núcleo da rede, apenas um foi fichado, porque foi detido em uma manifestação. Movem-se na sombra do anonimato, articulam-se nacionalmente, e nunca haviam dado entrevista antes. Preocupados com sua imagem perante a opinião pública, decidiram falar, pela primeira vez. “Vamos estourar de novo agora”, promete o mais veterano deles, de 34 anos, formado em História na USP e com matrícula trancada no curso de Psicologia.
“A gente vai devolver o troco na moeda que o Estado impõe”, ameaça o ativista, que trabalha para um hospital público de São Paulo. “O caos que o Estado tem colocado na periferia, por meio da violência policial, na saúde pública, com pessoas morrendo nos hospitais, na falta de educação, na falta de dignidade no transporte, na vida humana, é o caos que a gente pretende devolver de troco para o Estado. E não na forma violenta como ele nos apresenta. Mas vamos instalar o caos, sim. Esse é um recado para o Estado.”
“A gente tem certeza de que o crime organizado, o PCC, vai causar o caos na Copa, e a gente vai puxar para o outro lado”, continua o veterano. “Não temos aliança nem somos contra o PCC. Só que eles têm poder de fogo muito maior do que o MPL (Movimento Passe Livre, que iniciou as manifestações, há um ano, com ajuda dos black blocs). Pararam São Paulo”, acrescentou, lembrando as ações do PCC na década passada.
O veterano e uma bailarina de 21 anos, que abandonou um curso em uma universidade pública para se dedicar exclusivamente à causa, contaram que membros do PCC receberam bem na Penitenciária do Tremembé (interior paulista) dois black blocs presos na manifestação de junho do ano passado do MPL. “Colocaram colchões para eles.” Igualmente, o Comando Vermelho acolheu um ativista preso no Rio.
“Os ‘torres’ respeitam o que fazemos, por causa do nosso idealismo”, explica o veterano, usando o jargão que designa os líderes do PCC. “Eles fazem por lucro e a gente, contra o sistema. Não nos arriscamos por dinheiro, mas para que a mãe deles também seja atendida pelo SUS.” O veterano prossegue: “Sou nascido e criado na ZL (zona leste). Conheço muito a cara do PCC. Somos os nerds do lado da casa deles. O crime organizado respeita a gente porque nasceu de mentes pensantes. Por isso talvez não nos coloquem na cadeia”, interpreta, intrigado com o fato de a polícia não os incomodar. “Porque vamos fazer uma revolução lá.” 
Tática. O veterano, que cita o anarquista canadense George Woodcook e os Racionais MC, emprega “a tática”, como eles a chamam, desde 2001, quando “quebrou” o Parque d. Pedro, no centro de São Paulo. Em princípio, a função assumida pelos black blocs é a de resistir à repressão e proteger os manifestantes, interpondo-se entre eles e a polícia. Mas também a provocam, quando acham politicamente conveniente fazer com que ela perca o controle e a razão diante da opinião pública, de modo a atrair simpatia para um movimento.
Foi assim há um ano, na Praça da Sé, em protesto do MPL, quando o veterano, protegendo-se apenas com sua mochila, investiu contra a polícia de choque. Pegos de surpresa, os policiais dispararam bombas de gás lacrimogêneo, que atingiram a multidão, enquanto ele saía de cena, ileso. A partir dali, intensificaram-se os distúrbios.
Os black blocs, que não são um grupo estruturado, mas uma rede, que vai se formando espontaneamente, no contato nas ruas, queimaram carros de emissoras de TV e da polícia, depredaram 14 bancos (em 40 minutos) e a sede da Prefeitura. Protegidos por barricadas e beneficiados pela surpresa e pelo despreparo da polícia, não foram pegos.
Mas receberam a adesão de cerca de 100 adolescentes, que, numa explosão de fúria, ou por terem apanhado da polícia nas manifestações ou por ressentimentos trazidos da periferia onde moram, partiram para um quebra-quebra descontrolado, de tudo o que aparecesse na frente. Incluindo carros, lanchonetes e bancas de revista cujos donos pouco têm a ver com os “símbolos do capitalismo” visados pela doutrina anarco-socialista que predomina entre os black blocs. O núcleo original, então, saiu de cena. Voltou há uma semana, em uma manifestação pacífica na Praça da Sé. “A gente estava bem armado”, disse o veterano, sem detalhar o tipo de arma. Eles têm usado coquetéis molotov, pedras e escudos improvisados.
“A ação black bloc é mais incisiva e intensa numa manifestação pacífica”, afirma o veterano. Segundo ele, as ações têm de ter uma razão de ser. “Não vejo sentido em quebrar banco na Copa”, exemplifica. Mas a violência contra bens materiais - e não contra seres vivos, com exceção de policiais - é justificada pelos praticantes da tática. E desculpada, no caso da ação “aleatória” de adolescentes da periferia. “Não existe o errado e o certo”, pondera. “É a revolta dele.”
Frustração. “Ocupamos durante cinco meses a frente da Assembleia Legislativa, cheios de boas intenções”, lembra um estudante de Direito de 22 anos. “Apresentamos uma pauta de reivindicações. Não deu em nada. Manifestação pacífica não dá resultado.”
“No último ano, houve 30 protestos, 4 muito violentos, que foram os mais noticiados”, contabiliza um profissional de Marketing e estudante de Ciência Política de 32 anos, que doutrina os black blocs e seus seguidores com textos anarquistas. “Os outros não receberam uma linha.”
A socióloga espanhola Esther Solano, professora da Universidade Federal de São Paulo e pesquisadora dos black blocs, vê uma distorção nessa atenção dada às depredações. “Num país onde mais de 50 mil pessoas são mortas por ano, como é possível essa histeria com 40 garotos?”, pergunta. “Um país que naturaliza tanto a sua violência não tolera ver a violência na Avenida Paulista.” O veterano acrescenta: “No Brasil, choca mais 14 bancos quebrados do que a polícia matar 6 crianças”.
“A manifestação não pode ser pacífica, sendo que é resposta à repressão estatal e capitalista”, argumenta um rapaz de 18 anos, que estuda e trabalha, mas não quis dar mais detalhes sobre si mesmo. “O Estado sendo opressor, esmagando a população, obrigando a morrer na fila do SUS, isso é violento, e a resposta é autodefesa.” O veterano completa: “É legítimo quebrar banco. Quantas pessoas os bancos quebram por dia?” Com relação a depredar bens públicos que depois terão de ser reparados com dinheiro dos impostos, ele responde: “O imposto já é roubado. Dizer que o dinheiro vai sair do nosso bolso é mentira, porque já saiu. Alguém tem saúde digna? Então não reclame de vandalismo.”
Contágio. Os black blocs acreditam que sua revolta esteja se espalhando pelas camadas mais pobres da população. “O bagulho que mais gostei da semana passada foi a greve dos motoristas”, disse a moça de 21 anos, que vive da renda de um aluguel. “Estamos mostrando na rua a tática, e queremos que as pessoas se apropriem”, acrescenta uma estudante de Ciências Sociais “na casa dos 30”, que, como muitos deles, tem receio de fornecer detalhes nesta reportagem e finalmente entrar no radar da polícia. “A barricada é útil quando o Choque chega para desocupar uma área”, exemplifica. “Uma UPP (Unidade de Polícia Pacificadora) foi queimada em uma favela do Rio em protesto contra a violência policial.”
Sete membros do núcleo participaram da ocupação da Câmara Municipal do Rio, no ano passado. Eles também estão associados a um grupo no Recife, uma das cidades do Nordeste que visitaram. “Fomos fazer campo de base”, disse o veterano. Ativistas colombianos e venezuelanos vieram trocar experiências com eles. A bailarina está interessada nos zapatistas, e prepara-se para ir visitá-los no México. Ela gosta do filósofo germano-americano Herbert Marcuse, ideólogo da contracultura, para quem “não temos que quebrar o sistema nem por dentro nem por fora, mas por suas brechas”.
Alguns abandonaram estudos e trabalho para se dedicar à causa em tempo integral. Outros a conciliam com uma vida “normal”. Têm carros e cedem seus apartamentos para a “causa”. O repórter do Estado esteve em dois “aparelhos”, para usar um termo dos anos 70, na região da Avenida Paulista. Num deles, o anfitrião calçava pantufas de ursinho. Em duas situações, o repórter viu black blocs dando esmolas na rua. Pessoalmente, são gentis e educados, em contraste com a imagem de violência associada a eles.
O perfil social dos black blocs é variado. Alguns são pobres e moram na periferia. Outros são de classe média baixa e vivem na região central da cidade. O repórter conheceu apenas um caso de um rapaz de classe alta, cujos pais moram em um bairro nobre de São Paulo. Depois de ler o primeiro texto anarquista, aos 13 anos, pediu para seus pais pararem de pagar escola para ele. Hoje com 18 anos, mora com a namorada na região oeste de São Paulo, trabalha e estuda, e participa das ações mais ousadas dos black blocs.
Polícia. Quase todos concluíram, abandonaram ou fazem faculdade. E sofreram violência policial. Quando o veterano tinha 14 anos, a polícia veio despejar sua família do barraco em que viviam, no Parque São Luís, na zona norte de São Paulo. “Estávamos devendo o aluguel e parece que o dono tinha um parente militar, porque a polícia não pode chegar assim, sem um mandado”, recorda. “Um policial alterou a voz com a minha mãe, entrei na frente e ele deu um tapa na minha cara. Eu nunca tinha apanhado, nunca tinha tacado pedra na polícia. Hoje, jogo coquetel molotov com gosto.”
“A maioria dos presos é punk”, diz o veterano. “A gente ‘cola’ muito com os punks. São inteligentes, não são vândalos”, continua, empregando esse termo para quem depreda aleatoriamente, sem seguir a tática, que preconiza ações com motivo claro. “Não cobrem a cara. Em tudo o que eles acham justo, eles estão. A polícia prende os punks e, por causa da cor da roupa, diz que são black blocs.”
Um rapaz de 20 anos conta que aderiu à tática depois de levar três balas de borracha da polícia - uma na perna esquerda e outra nas costas, no distúrbio na Rua Maria Antonia, no dia 13 de junho; e uma no estômago, na manifestação do 7 de Setembro, a que teve a maior participação de black blocs e de seus seguidores adolescentes.
“Não vejo sentido em quebrar banco, mas vejo a polícia como órgão repressor, e nosso papel é proteger os manifestantes”, assinala o rapaz, que estuda Direito em uma faculdade privada, com 100% de bolsa do ProUni, e faz estágio em uma imobiliária. Ele mora em um bairro da região central com a mãe, empregada doméstica.
A bailarina afirma ter sido assediada sexualmente por policiais, antes de aderir à tática.
Um programador de 32 anos que apoia o movimento acredita que seu pai, que era dono de um bingo, tenha sido morto por policiais, por não pagar a quantia exigida por eles para manter o negócio funcionando, quando se tornou ilegal, em 1998. Seus conhecimentos profissionais são valiosos para os black blocs, que se apoiam na atividade de hackers. No primeiro encontro com o repórter do Estado, o veterano lhe disse: “O seu CPF não é de São Paulo”, para deixar claro que o havia investigado.

Majesty, by Chris Dodds 

Happy 84th Birthday Clint Eastwood!!!!!  |  May 31st, 1930

PLAYING FOR CHANGE - SITTIN' ON THE DOCK OF THE BAY

Two ice cold Corona with lime by defdac on Flickr.
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Capo Vaticano - By Zio Paperino

Cathédrale de Reims
 
Via sen

THE PIANO GUYS - STORY OF MY LIFE (ONE DIRECTION COVER)


Via atgn

Crashed Upon, by Charles Anderson 
A política do salário mínimo deve ser alterada?
Rodrigo Constantino - VEJA
Esse foi o tema de debate proposto hoje na sessão de tendências da Folha. Para defender o “sim” foi convidado José Pastore, que produziu um excelente artigo com sólidos argumentos contra o atual modelo, que ignora completamente qualquer elo entre salário e produtividade, algo insustentável ao longo do tempo. Já para defender o indefensável, foi chamado Claudio Dedecca, da Unicamp (tinha que ser!), cujo artigo apela o tempo todo para o sensacionalismo demagógico.
O professor da Unicamp consegue a incrível façanha de inverter tudo quando diz: “Os problemas de produtividade decorrem da ausência de um padrão sustentado de investimento. A inflação deriva de problemas internos de oferta agravados pelo preço internacional das commodities e pela desvalorização cambial. E as restrições das contas públicas é produto do baixo crescimento”. Como o mundo dessa gente é simples! Basta “vontade política” para investir, sabe-se lá com qual poupança, que tudo se acerta. E inflação, claro, não tem nada a ver com política monetária frouxa e gastos e crédito públicos crescentes, mas com preço internacional das commodities. Um espanto essa Unicamp!
Já Pastore usa aquilo ignorado pelo colega: lógica econômica, respaldada por dados. Diz ele:
Aumentos expressivos de salários sem correspondência em ganhos de eficiência, como os determinados pela fórmula, provocam fortes distorções no mercado de trabalho e nas contas públicas.
No primeiro caso, os reajustes do salário mínimo “atropelam” muitos pisos salariais e forçam aumentos descasados da produtividade –em especial, nas faixas dos salários que são vizinhos do mínimo.
No segundo caso, o atropelo é ainda mais grave. Como estudioso das finanças públicas, Raul Velloso mostra que o salário mínimo transformou-se em um indexador voraz das despesas do governo por conta da fórmula atual. Isso porque 65% dos beneficiários da Previdência Social e 44% do valor total dos benefícios estão atrelados ao salário mínimo. Na assistência social, são 100% dos beneficiários e do valor dos benefícios. No seguro-desemprego e no abono salarial, a indexação é igualmente violenta.
Conclusão: em 2013, 24% dos gastos da União decorreram do salário mínimo. Há 25 anos, eram apenas 3%! Para cada R$ 1 de aumento no salário mínimo, há uma despesa adicional para a União de R$ 350 milhões. Não é preciso ir longe para verificar que esse quadro é insustentável.
Não é tão difícil assim, mesmo para quem não é economista, compreender o quão insustentável é uma política que aumenta salários por decretos estatais, sem levar em conta a produtividade do trabalho. Isso representa apenas transferência de renda, nada mais, o que acaba impedindo acriação de riqueza, que prejudica depois os próprios trabalhadores. É, portanto, medida populista, míope, feita sob medida para atrair eleitores, não para enriquecer o país.
Lei sobre consumo de cigarros é autoritária. Ou: Um país em que o legal é tratado como ilegal, e o ilegal, como legal 
Reinaldo Azevedo - VEJA
O governo federal já havia decidido seguir o estado de São Paulo e proibir o fumo em lugares fechados. A lei já existia havia três anos e precisava ser regulamentada. Agora foi (ver post abaixo). Entrará em vigor em seis meses. Vou repetir agora a crítica que fiz quando o então governador José Serra enviou um projeto à Assembleia com esse conteúdo em 2008: o cigarro faz mal, sim, mas a decisão é autoritária. Desnecessariamente autoritária.
Vamos ver. O ordenamento legal deve obedecer a uma lógica, e, nesse particular, tudo anda pelo avesso no Brasil. O tabaco não é uma substância considerada ilícita. Isso não impede que seu consumo seja regulamentado, obedecendo a critérios de saúde pública e, vá lá, até de boa educação. É claro que o fumo num ambiente fechado, no transporte público ou num restaurante pode incomodar os não fumantes — e, a depender do caso, até os fumantes. Assim, seja em razão dos malefícios à saúde, seja em razão das regras da boa convivência, é aceitável que se criem restrições.
Mas vamos ver. Desde que um fumódromo seja absolutamente isolado de uma área comum de convivência, proibir o cigarro por quê? O que há nisso além de certa vocação autoritária de impor o “bem” pela via da força coercitiva do estado? A lei, em vigor em São Paulo e agora no Brasil inteiro, proíbe que se fume sob um toldo.  Que sentido há nisso além da “glória de mandar”?
“Ah, estamos concorrendo para a saúde pública à medida que desestimulamos o cigarro…” Sei. Levado o princípio a efeito, aonde isso nos conduz? Quando é que o estado vai decidir proibir as gorduras, os carboidratos, os refrigerantes, o ovo…? Chegará a hora em que se vai criar uma ração pública — sugiro o nome “Vitória”, em homenagem ao gim do livro “1984”, de George Orwell —, devidamente balanceada, com todas as vitaminas e proteínas para formar pessoas saudáveis. Aí vale a velha piada: viveremos 200 anos, mas parecerão 400!!!
Sou fumante, sim, como sabem, e acho que não se deve fumar. Não recomendo. Certamente faz mal à minha saúde. Ainda não me incluo entre os arrependidos (refiro-me a pesquisa recente que evidencia que quase 90% dos consumidores de tabaco estão nessa categoria), entre outras razões, porque nunca tentei parar. Sei que não é fácil. Entendo que não posso sair por aí a exercer, de forma absoluta, a minha vontade “no que se refere” (como diria Dilma) ao cigarro ou a outra coisa qualquer — afinal, convivemos com os outros.
Mas é preciso distinguir, então, o que é uma regra de civilidade — e de saúde pública — de uma prática segregacionista, que invade direitos individuais. Se um bar ou restaurante quer receber fumantes, colocando na porta a advertência de que, naquele local, o tabaco é permitido, por que a lei há de impedir se a substância não é ilegal? Vênia máxima, isso não faz sentido. “Ah, mas nós queremos que todos vivam mais…” Bem, não será o estado a cuidar disso, acho eu.
Inversão de valoresDe resto, noto que há uma coisa curiosa. O mundo que é cada vez mais intolerante — e o Brasil também — com uma substância lícita se torna, com velocidade ainda maior, mais tolerante com as substâncias ilícitas. Vá perguntar ao ministro Artur Chioro, da Saúde, o que ele pensa da Cracolândia, em São Paulo. Seus aliados políticos, do PT, transformaram a região numa área livre para o consumo de crack — e de qualquer droga —, sem nenhuma das restrições que haverá contra o cigarro. Ao contrário: a política de Fernando Haddad está estimulando o consumo à medida que passou a injetar mais dinheiro entre os consumidores, com o seu aloprado programa “Braços Abertos”.
Pode-se dizer muita coisa sobre o tabaco — e, reitero, bem não faz —, mas não é uma droga alucinógena, sob cujo efeito se podem fazer essa ou aquela bobagens, não é? Ainda chegaremos à, vamos dizer, excentricidade holandesa, que proíbe substâncias à base de tabaco em qualquer ambiente fechado, mas permite o funcionamento dos “cafés” em que se consome maconha? Não há um só estudo ligando o tabaco à esquizofrenia, mas os há às pencas relacionando a maconha a tal distúrbio.
Ora vejam: marchas em favor da descriminação da maconha são tratadas por nossa imprensa como um grito em favor da liberdade individual e da libertação. Pouco falta para que a sua passeata não seja tratada com a reverência que se dispensava em Roma à passagem das vestais. Já imaginaram se consumidores de tabaco resolvessem fazer um ato contra a discriminação? Seriam tratados a pontapés, como os últimos seres da Terra. Sem contar que há a curiosa categoria, e conheço gente assim, que é absolutamente intolerante com cigarro, mas não vê mal nenhum em fumar (e em que se fume) maconha e em cheirar (e em que se cheire) cocaína.
Um país, o nosso ou outro qualquer, que trata o legal como ilegal e o ilegal como legal está, definitivamente, fora do eixo.