quinta-feira, 31 de julho de 2014

Acordo histórico que ajudou a superar a Guerra Fria está ameaçado
Pilar Bonet - El País
As acusações do governo americano segundo as quais a Rússia transgride o acordo bilateral de destruição de mísseis de curto e médio alcance (INF na sigla em inglês) "podem empurrar" o Kremlin a "abandonar" um dos documentos básicos da arquitetura de segurança que serviu para superar a Guerra Fria.
É a opinião de Dmitri Trenin, diretor do Centro Carnegie em Moscou, que é especialista em assuntos militares e participou como oficial soviético das negociações de desarmamento entre a União Soviética e os EUA.
Trata-se do INF, pelo qual foram destruídos os arsenais de mísseis de curto e médio alcance no prazo de três anos. Assinado pelos presidentes Ronald Reagan e Mikhail Gorbachev em dezembro de 1987 em Washington, ele foi considerado um sucesso histórico. As partes se comprometeram a não fabricar nem fazer testes ou situar em posição de combate os mísseis de curto (de 500 a mil quilômetros de raio) e médio alcance (de mil a 5.500 km).
Até junho de 1991, quando expirou o prazo para a destruição daqueles arsenais, desapareceram do mapa europeu 1.846 conjuntos de mísseis soviéticos e 846 americanos. Para denunciar o INF, as partes deveriam avisar com seis meses de antecedência e argumentar que seus interesses estavam ameaçados. Em diversas ocasiões os dirigentes russos mencionaram a possibilidade de sair do tratado em resposta aos planos dos EUA de montar um escudo antimísseis na Europa. Os russos também acusaram Washington de violar o acordo no âmbito dos testes para interceptar mísseis com o objetivo de ampliar o escudo.
O abandono do INF por parte da Rússia seria "um forte golpe psicológico para o sistema de segurança, e creio que a Europa o notaria", afirma Trenin. Os mísseis destruídos graças ao INF se destinavam a manter uma guerra no teatro europeu, onde se enfrentavam a Otan e o desaparecido Pacto de Varsóvia.
"Uma questão técnica complicada adquiriu agora caráter político", em virtude da colocação do governo americano à Rússia, diz Trenin. "Há tempo que o Congresso americano censurava seu governo por não dar atenção ao cumprimento do acordo de 1987", salienta. Os americanos acusavam a Rússia de fazer testes com mísseis supostamente incluídos nas categorias proibidas pelo tratado.
"A Rússia dava explicações que não eram aceitas pelos americanos, mas o governo desse país tinha uma atitude tranquila, enquanto o Congresso se mostrava mais duro", afirma Trenin. E acrescenta: "Na Rússia, faz tempo que se debate se esse acordo corresponde aos interesses nacionais, porque quando foi assinado só os EUA e a Rússia tinham esse tipo de míssil".
No entanto, hoje a situação mudou. "Os mísseis de curto e médio alcance podem ser mais importantes para a Rússia do que para os EUA", diz o especialista, e esclarece que "os EUA estão cercados de aliados em seu continente, mas a Rússia tem como vizinhos países como Coreia ou China, Estados que em determinadas circunstâncias podem criar problemas para sua segurança".
Por isso, acrescenta, "faz tempo que se fala em denunciar o acordo, já que não corresponde aos interesses nacionais". "Por outro lado, há quem argumente que esses mísseis são o único meio que a Rússia tem para alcançar alguns alvos do adversário, como poderiam ser acampamentos terroristas na Ásia Central ou no Afeganistão."
Entre os que consideraram a possibilidade de denunciar o INF está o chefe da Administração Presidencial e ex-ministro da Defesa Serguei Ivanov. "Quando falam em transgressão, os americanos querem dizer que suspeitam que um míssil com um alcance declarado de 490 quilômetros pode voar mais de 500, e portanto estar no grupo das armas proibidas", explica.
Embora as preocupações russas se baseiem na necessidade de ter um meio de ação contra "extremistas na Ásia Central ou no Afeganistão", o especialista não exclui que na Rússia possa haver partidários de "punir os europeus ou apontar contra eles com os mísseis", em resposta à solidariedade dos EUA com a Europa contra a Rússia. No entanto, apontar para a Europa não teria sentido, pois "destruiria as bases da segurança europeia e criaria uma ameaça muito forte sobre a Rússia".
Tradutor: Luiz Roberto Mendes Gonçalves

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