quinta-feira, 31 de julho de 2014

Direito do Consumidor e Capitalismo de Estado 
Leonardo Correa - ILsantanderConquanto o racional jurídico não esteja construído com o rigor da técnica, aí vão algumas reflexões sobre um dos fenômenos mais bizarros do “Brasil das Maravilhas”. Em comunicado aos seus clientes, um grande Banco espanhol informou sobre as eleições, as percepções do mercado e possíveis cenários. Mas, o governo – em campanha para reeleição – não gostou dos esclarecimentos, pedindo retratação e (pelo que foi noticiado) a demissão dos analistas. Para facilitar a compreensão da questão, a nota segue transcrita abaixo:
A economia brasileira continua apresentando baixo crescimento, inflação alta e déficit em conta-corrente. A quebra de confiança e o pessimismo crescente em relação ao Brasil em derrubar ainda mais a popularidade da presidente, que vem caindo nas últimas pesquisas, e que tem contribuído para a subida do Ibovespa. Difícil saber até quando vai durar esse cenário e qual será o desdobramento final de uma queda ainda maior de Dilma Rousseff nas pesquisas. Se a presidente se estabilizar ou voltar a subir nas pesquisas, um cenário de reversão pode surgir. O câmbio voltaria a se desvalorizar, juros longos retomariam alta e o índice da Bovespa cairia, revertendo parte das altas recentes. Esse último cenário estaria mais de acordo com a deterioração de nossos fundamentos macroeconômicos”.
O que há de errado em prestar elucidações aos seus clientes? Nada, muito até pelo contrário. O esclarecimento acima pode ser visto como cumprimento estrito e literal do dever de informação estabelecido no Código de Defesa do Consumidor. Noutros termos, o Banco está noticiando aos seus clientes para que eles tomem decisões informadas quanto aos seus investimentos.
Ao se intrometer na relação entre os clientes e o Banco, o Estado deveria – a rigor – eximir a instituição financeira caso os consumidores sofram danos decorrentes de  investimentos equivocados. É o que se chama, em direito, de fato do príncipe. Obviamente, é difícil que o judiciário aceite uma tese dessas. Afinal de contas, é sempre melhor condenar a empresa privada. Mesmo quando a questão foi noticiada de forma tão ampla por toda a mídia.
No entanto, esse fato deveria ser importante para que os nossos juristas e magistrados revisitassem as hipóteses de fato do príncipe. No Brasil dos últimos 12 anos, o Estado passou a ser extremamente ativo na economia. Vivemos em um verdadeiro Capitalismo de Estado. Diante desse cenário, com tamanha intervenção Estatal, por que razão os empresários e empresas deveriam assumir sozinhos os ônus decorrentes dos danos causados aos consumidores? Não seria justo que o Estado também arcasse com a sua parcela? Ora, se o Estado participou da decisão, se ele se intrometeu, se ele distorceu a realidade resultando em danos, ele é – também – um responsável ativo pelo dano, e, portanto, deveria responder por ele.
A coisa, infelizmente, não funciona assim. No entanto, acho que é importante refletir sobre a matéria. O Governo atual optou por um perverso Capitalismo de Estado que limita a liberdade e prejudica o desenvolvimento saudável e coerente. Nesse modelo, o empresário não atua livremente, respeitando as regras aplicáveis a todos, ele decide os rumos de seu negócio com base nas indicações ou incentivos do Estado. Por que, nessa formatação, as empresas devem responder sozinhas perante o Judiciário? Por que o Estado não pode assumir a sua parcela de culpa por distorcer o mercado criando verdadeiras aberrações econômicas?
Pena que não consigo vislumbrar essa possibilidade na prática. Talvez fosse uma forma eficiente de o Judiciário auxiliar na contenção dos Poderes Executivo e Legislativo, sendo o fiel da balança e evitando abusos. Nessa hipótese, a magistratura brasileira estaria dando uma enorme contribuição para a luta pela liberdade individual dos agentes econômicos, afastando a intromissão perniciosa do Estado que – lamentavelmente – tem sido a regra em nosso país. Se os riscos mencionados na nota acima transcrita se materializarem, espero, sinceramente, que o Estado seja – ao menos – corresponsável. Como seria bom acordar em um país com essa realidade…

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