quinta-feira, 31 de julho de 2014

Empresas dos EUA têm mudado de país (no papel) para fugir da taxação sobre o lucro
Paul Krugman - NYT
Em decisões recentes, a maioria conservadora na Suprema Corte deixou clara sua visão de que as empresas são pessoas, com todos os direitos inerentes. Elas têm direito a liberdade de expressão, o que, no caso delas, significa gastar muito dinheiro para distorcer o processo político de acordo com seus interesses. Elas têm direito a crenças religiosas, incluindo aquelas que significam negar benefícios a seus funcionários. O que virá a seguir, o direito de portar armas?
Há, entretanto, uma grande diferença entre pessoas jurídicas e pessoas físicas como eu e você. De acordo com a tendência atual, nós estamos caminhando para um mundo no qual apenas as pessoas físicas pagarão impostos.
Nós ainda não chegamos a isso: o governo federal ainda obtém um décimo de sua receita da taxação dos lucros das empresas. Mas costumava obter muito mais –um terço da receita vinha dos impostos sobre os lucros no início dos anos 50, um quarto ou mais ao longo dos anos 60. Parte do declínio desde então reflete uma queda na alíquota de impostos, mas reflete principalmente a evitação de impostos pelas empresas– evitação que políticos têm feito pouco para prevenir.
O que nos traz à estratégia de evitação de impostos do momento: a "inversão". Isso se refere a uma manobra legal na qual uma empresa declara que suas operações nos Estados Unidos são de propriedade de sua subsidiária estrangeira, não o contrário, e usa essa inversão de papel para declarar os lucros fora da jurisdição americana, em um local com impostos mais baixos.
A coisa mais importante a se entender sobre a inversão é que ela não envolve de qualquer modo significativo uma empresa americana se mudar para o exterior. Considere o caso da Walgreen, a rede gigante de farmácias que, segundo múltiplos relatos, está prestes a se tornar legalmente suíça. Se o plano for concretizado, nada em seus negócios mudará, sua farmácia local não fechará e será reaberta em Zurique. Será uma transação puramente no papel –mas privará o governo americano de vários bilhões de dólares em receita que o contribuinte terá que compensar de um jeito ou de outro.
Isso significa que o presidente Barack Obama está errado em descrever as empresas que praticam a inversão como sendo "empresas desertoras"? Realmente não –elas estão se esquivando de seu dever cívico, e não importa se estejam literalmente se mudando para o exterior ou não. Mas os apologistas da inversão, que tendem a alegar que impostos altos estão obrigando as empresas a partirem dos Estados Unidos, estão falando bobagem. Essas empresas não estão transferindo a produção ou empregos para o exterior –e ainda obtêm seus lucros bem aqui nos Estados Unidos. Tudo o que estão fazendo é se esquivando dos impostos sobre esses lucros.
E o Congresso poderia reprimir essa evasão fiscal –já é ilegal uma empresa alegar que seu domicílio legal fica em algum lugar onde tenha poucos negócios reais, e o endurecimento do critério para declaração de uma empresa como sendo não-americana poderia bloquear muitas das inversões que estão ocorrendo no momento. Logo, há algum motivo para não deter essa perda gratuita de receita? Não.
Os oponentes de uma repressão à inversão costumam argumentar que, em vez de fechar as brechas, nós deveríamos reformar todo o sistema de taxação dos lucros, e talvez parar de taxar os lucros. Eles também tendem a argumentar que a taxação dos lucros das empresas prejudica o investimento e criação de empregos. Mas estes são argumentos muito ruins contra o fim da prática da inversão.
Acima de tudo, há bons motivos para taxar os lucros. Em geral, os impostos americanos tendem a favorecer os renda de capital não proveniente do trabalho do que a renda proveniente de salários. O imposto sobre pessoa jurídica ajuda a tratar desse desequilíbrio. Nós poderíamos, em princípio, manter os impostos sobre a renda de capital se compensássemos os cortes nos impostos sobre as empresas com impostos substancialmente maiores sobre a renda dos ganhos de capital e dividendos –mas isso seria um ajuste imperfeito, e, de qualquer forma, dado o estado de nossa política, isso simplesmente não vai acontecer.
Além disso, acabar com a taxação dos lucros aumentaria enormemente o poder dos executivos das empresas. Isso é realmente algo que queremos fazer?
Quanto à reforma do sistema: sim, isso seria uma boa ideia. Mas o argumento para reforma basicamente não tem nada a ver com o fechamento da brecha da inversão. Afinal, há grandes debates sobre o formato da reforma, debates que levariam anos para serem resolvidos, mesmo que não tivéssemos um Partido Republicano se opondo a qualquer coisa proposta pelo presidente, mesmo que seja algo que os republicanos estavam defendendo poucos anos atrás. Por que deixar as empresas sem pagar sua parte justa por anos, enquanto aguardamos pelo fim do impasse?
Finalmente, nada disso tem algo a ver com investimento e criação de empregos. Se e quando a Walgreen mudar sua "cidadania", ela conseguirá reter mais de seus lucros –mas não terá nenhum incentivo para investir esse lucro extra em suas operações nos Estados Unidos.
Logo, isso deveria ser fácil. Vamos realizar um debate sobre como e quanto tributar os lucros. Enquanto isso, vamos fechar essa brecha ultrajante.
Tradutor: George El Khouri Andolfato

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