quinta-feira, 31 de julho de 2014

Falsa citação de Drauzio Varella tem destaque em redes sociais na França
Samuel Laurent - Le Monde
Bruno Pedersoli/UOL
O médico brasileiro Drauzio Varella  
O médico brasileiro Drauzio Varella
Se você frequenta as redes sociais, é muito provável que tenha visto em algum momento, de uma forma ou de outra, uma imagem na qual o oncologista brasileiro Drauzillo Varella, apresentado como ganhador do Prêmio Nobel de Medicina, teria dito, em uma data indeterminada: "No mundo atual, está se investindo cinco vezes mais em remédios para virilidade masculina e em silicone para mulheres do que na cura do Mal de Alzheimer. Daqui a alguns anos, teremos velhas de seios grandes e velhos de pinto duro, mas que não se lembrarão para que servem".
É possível encontrar vestígios dessa citação em toda parte. O Google traz 25 mil resultados em francês, provenientes de fóruns, redes sociais, blogs, evidentemente, mas não só: ela também foi citada por um cronista da France Inter em 2012, no site de notícias africano Le Gri-gri, em sites conspiratórios de extrema direita ou ainda citada integralmente por Franz Olivier Giesbert em 2012, em seu livro "Dieu, ma mère et moi". É possível encontrá-la traduzida em sites chineses, russos etc.
As versões variam de forma sutil, dependendo da tradução. E a frase é citada abundantemente desde 2012. Da mesma forma, o "Nobel" do dr. Varella lhe é atribuído tanto em 2009, quanto em 2011 e 2012. Mas essas distorções poderiam ser atribuídas a erros de transcrição.
Não há nada de surpreendente nesse sucesso, uma vez que a frase é até engraçada. Só que ela nunca foi dita por um Prêmio Nobel de Medicina. Nem pelo dr. Varella.
Não existe nenhum Drauzillo Varella, mas sim um Drauzio Varella, que de fato é oncologista e aparece com frequência na mídia brasileira, sendo conhecido por seus posicionamentos, sobretudo em favor do ateísmo e do ceticismo, e por popularizar a medicina, segundo sua página na Wikipédia.
Ele possui um site oficial, que traz sua extensa bibliografia. Mas – o primeiro erro – ele nunca ganhou o Prêmio Nobel de Medicina. Basta consultar a lista dos laureados para constatar.
Mas o mais importante é que o dr. Varella nunca disse essa frase. Bastante irritado, lamentando o sucesso dessa citação apócrifa, ele explicou em 2009 ao jornal "Folha de São Paulo", que fazia um artigo sobre as falsas citações de celebridades:
"Não faço ideia de quanto se investe na cura do Mal de Alzheimer, e eu nunca teria feito uma comparação dessas." E ainda ironiza: "Sou contra a prisão perpétua, mas sou a favor dela para quem escreve textos apócrifos na internet".
É possível encontrar registros de uma versão parecida dessa citação desde 2007 no site Answerbag, por exemplo. E até antes, em 2005, em uma seção do fórum IGN, que citava a mesma coisa. Ou mais longe ainda: já em 2004, um internauta anônimo, Tsu, fazia mais ou menos a mesma piada em um fórum de físicos.
O vestígio mais antigo que se pode encontrar dessa frase, em versão inglesa, remonta a 1999, em um site de motoqueiros britânicos de Devon.
Então a farsa é antiga e já foi desmontada. Na França, ela já havia sido revelada no blog "Bouilloire magique" em 2012, mas nem por isso deixou de ser espalhada. Provavelmente porque quando é atribuída a uma sumidade, ela adquire mais força. "Quando a lenda for mais interessante que a realidade, publique a lenda", disse o personagem de um repórter no filme de John Ford, "O homem que matou o facínora" (1962).

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