Reinaldo Azevedo - VEJA
É
sempre com vergonha e com constrangimento que escrevo sobre José
Eduardo Cardozo, ministro da Justiça, a tempo definido pela presidente
Dilma Rousseff como um de seus “Três Porquinhos”. Alguém que aceita de
bom grado tal deferência escolhe um destino, como naquele poema de
Drummond: “Vai, Cardozo, ser um Porquinho na vida”. Eu nunca acho que
ele já foi longe o bastante! E, logo, por mais absurdas que sejam suas
atitudes, não me surpreendo. A mais recente decisão deste senhor foi dar
início a uma caça às bruxas na Polícia Federal. E eu pretendo
demonstrar aqui que ele não tem autoridade nem legal nem moral para
fazer o que faz. Ouso dizer que se trata de um caso de constrangimento
ilegal, que fere a Constituição.
Vamos lá.
Há tempos o governo federal está empenhado em desmoralizar a Operação
Lava Jato. O juiz Sérgio Moro, por exemplo, está na mira da
companheirada. Mas, até agora, não conseguiram encontrar nada que o
desabone. A artilharia resolveu então se voltar contra delegados da
Polícia Federal. Durante a campanha eleitoral, alguns deles, lotados na
Superintendência da PF do Paraná, que centraliza as investigações da
Lava Jato, usaram — ATENÇÃO! — perfis fechados do Facebook para fazer
críticas a Dilma Rousseff, elogiar Aécio Neves e compartilhar
reportagens sobre a operação. Marcio Anselmo, que coordenou a Lava Jato
no início, chamou o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva de “anta”.
Cardozo, acreditem!, mandou a PF abrir uma sindicância para investigar
os delegados.
Cadê o
crime ou a transgressão? O Artigo 5º da Constituição garante a qualquer
indivíduo o direito à livre expressão, e lá não consta que os delegados
federais sejam exceção. Nenhum deles estava usando o bem público em
defesa de uma candidatura ou de um ponto de vista. Mais: a manifestação
estava em um perfil fechado. Vale dizer: não era pública. Tampouco eles
expressaram sua opinião no ambiente de trabalho ou usaram, para tanto, o
aparelho estatal. E daí que o delegado Márcio Anselmo ache que Lula é
uma “anta”? É um direito dele! Assim como Dilma tem o direito de achar
que Cardozo é um “Porquinho”. A zoologia como metáfora não existe apenas
para manifestação de estima e consideração.
Eis o
homem que é apontado como candidato a ministro do Supremo! Imaginem com
que apreço pela liberdade de expressão ele chegaria à corte suprema do
país. Ao tentar justificar a sua ação, evidencia o abuso. Disse ele:
“Todos os
cidadãos têm direito à liberdade de manifestação. Pouco importa se são
favoráveis ou contrárias ao governo. Mas, da mesma forma, quem preside
uma investigação deve agir com imparcialidade, tem o dever de não
endossar vazamentos indevidos nem de orientar investigações a partir dos
seus pontos de vista pessoais”.
Epa! Então
resta ao ministro demonstrar — e o ônus da prova cabe ao acusador! —
que os delegados conduziram a investigação com viés ideológico. De
resto, reproduzir uma reportagem pública pela imprensa não torna um
delegado coautor ou endossador de um “vazamento indevido”. É com
critérios assim que este senhor pretende ser juiz da corte
constitucional brasileira?
O sr.
ministro da Justiça não tem autoridade sobre as escolhas privadas dos
delegados — que se manifestaram, insista-se nisto, num perfil fechado. E
lhe falta, ademais, autoridade moral. No dia 20 de outubro, o PT
organizou um evento com supostos intelectuais e artistas do partido no
TUCA, o teatro da PUC-SP. Sabem quem estava lá? José Eduardo Cardozo.
Dirigiu-se à plateia e explicou: “Estamos com um sorriso no rosto porque
estamos na frente nas pesquisas”. Referindo-se aos adversários,
recorreu à linguagem do boxe: “Mas ainda faltam seis dias, e eles não
vão jogar a toalha fácil”. E depois emendou: “Nunca passarão!”, como se
estivesse numa guerra civil.
Estava num
evento público. Embora militante partidário, continuava a ser ministro
da Justiça. Na prática, é o chefe dos delegados da Polícia Federal. O
ministro, envergando as vestes do Porquinho fiel, quer agora punir
delegados que ousaram expressar uma opinião em ambiente fechado.
Um partido
e um governo que recorrem à caça às bruxas vivem, inexoravelmente, o
princípio do fim. Essa é a única boa notícia dessa pantomima.
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