O estranho mundo da presidente
OESP
Preocupante
é o adjetivo mais suave para classificar a entrevista da presidente
Dilma Rousseff em Doha, a caminho da Austrália, onde participará da
reunião de cúpula do Grupo dos 20 (G-20). Ao falar sobre a situação das
contas públicas brasileiras, amplamente deficitárias, ela mostrou
evidente dificuldade para reconhecer as condições econômicas e fiscais
de seu país e das maiores potências, tanto desenvolvidas quanto
emergentes. Incapaz de alcançar a meta fixada para as contas públicas
neste ano, o Executivo mandou ao Congresso um projeto de alteração da
Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO). Tentando refutar as críticas ao
projeto, a presidente se perdeu num cipoal de despropósitos.
O
primeiro erro - e talvez o menos grave - foi a referência aos "20 países
do G-20". Os integrantes do grupo são 19 países com representação
nacional mais a União Europeia. Qualquer frequentador desse fórum
deveria conhecer esse detalhe. A presidente deve conhecer, mas, como
ocorre com frequência, deve ter falado sem dar atenção às palavras e,
mais grave, às ideias.
Os despropósitos mais significativos
surgiram em seguida, quando a presidente comparou a situação das contas
públicas brasileiras com as condições fiscais dos demais países do
grupo. Dezessete das 20 maiores economias, "hoje estão numa situação de
ter déficit fiscal", segundo ela. "Nós estamos ali no zero. Não temos
nem déficit nem superávit", acrescentou.
Mais uma vez Dilma
parece ter confundido resultado primário (sem o pagamento de juros) e
resultado nominal (no vermelho, com a inclusão do saldo financeiro). Mas
as contas primárias do governo central do Brasil estão muito longe da
robustez. Nos 12 meses até setembro, houve um esquálido superávit de R$
29,14 bilhões, ou 0,57% do Produto Interno Bruto (PIB). Mas, de janeiro a
setembro, o saldo foi um déficit de R$ 19,47% bilhões, ou 0,52% do PIB,
segundo a estimativa do Banco Central. Não há esperança de se alcançar a
meta, um excedente de R$ 80,8 bilhões, e até o mero equilíbrio é
duvidoso. Por isso, o Executivo pediu ao Congresso a alteração da LDO,
para acomodar qualquer resultado.
Quanto ao resultado nominal -
mais importante e normalmente citado, quando se trata de países com
tradição fiscal melhor que a brasileira -, é um desastre indisfarçável.
Entre janeiro e setembro, houve um rombo, nas contas do governo central,
de R$ 188,01 bilhões, ou 5,94% do PIB. Em 12 meses, o buracão ficou em
R$ 190,12 bilhões, ou 4,92% do PIB.
O déficit fiscal da zona do
euro ficou em 3% no ano passado e deve diminuir para 2,9% neste ano,
segundo projeção do Fundo Monetário Internacional (FMI). O resultado
fiscal dos países avançados do G-20 foi um déficit de 4,8% em 2013. Para
2014, o número deve passar a 4,5%. Para a Itália ainda se projetava em
outubro um balanço de 3% no vermelho, neste ano, igual ao do ano
anterior. Se for um pouco pior, ainda será provavelmente bem mais
favorável que o do Brasil. A maior parte dos europeus tem contas fiscais
menos desequilibradas que as brasileiras. Ao apontar as contas
brasileiras como bem melhores que as de potências mais desenvolvidas, a
presidente obviamente se perde numa fantasia.
Ela também se perde
quando confronta a dívida pública brasileira com a de países mais
avançados. Sim, a proporção pode ser menor, no caso do Brasil, mas o
Tesouro Nacional paga juros muito maiores para rolar seus papéis. Isso
está claramente relacionado com a classificação da dívida soberana do
Brasil, ainda bem abaixo dos níveis dos países desenvolvidos.
A
presidente Dilma Rousseff também mencionou a geração de postos de
trabalho. Pela última Pnad, o desemprego no Brasil ficou em 6,8% no
segundo trimestre. Nas sete maiores economias, a média foi de 6,4%. Em
17 dos 34 países-membros da Organização para Cooperação e
Desenvolvimento Econômico (OCDE), as taxas foram menores que no Brasil.
Há motivos muito fortes de inquietação, quando uma presidente reeleita
para mais quatro anos se mostra alheia a esse mundo.
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