segunda-feira, 29 de junho de 2015

Conflito da Rússia com Ocidente vai além dos aspectos políticos e militares
Roger Cohen - TINYT
Aleksey Nikolskyi/Reuters
O presidente russo, Vladimir Putin, sorri enquanto participa de uma partida de hockey em um festival amador, em Sochi, na Rússia, em maio deste ano O presidente russo, Vladimir Putin, sorri enquanto participa de uma partida de hockey em um festival amador, em Sochi, na Rússia, em maio deste ano
Durante a maior parte do século 20, a Rússia foi um estado revolucionário cujo objetivo era a disseminação global da ideologia comunista. No século 21, ela se tornou a principal potência contrarrevolucionária.
O conflito crescente entre o Ocidente e Moscou tem sido retratado como político, militar e econômico. É, de fato, mais profundo do que isso. É cultural. O presidente Vladimir Putin se definiu como o guardião de uma cultura absolutista contra o que a Rússia vê como a cultura predatória e relativista do Ocidente.
Ouvir os intelectuais russos pró-Putin hoje em dia é se submeter a uma ladainha de queixas sobre o Ocidente "revolucionário", com sua adoção nada religiosa do casamento homossexual, do feminismo radical, da eutanásia, da homossexualidade e outras manifestações de "decadência". Devem dizer que o Ocidente não perde nenhuma chance de globalizar esses valores "subversivos", muitas vezes disfarçados de defesa da democracia e dos direitos humanos.
A Rússia de Putin, por outro lado, é retratada por eles como um baluarte contra o abandono dos valores religiosos pelo Ocidente, como uma nação cada vez mais devota ao cristianismo ortodoxo, um país convencido de que nenhuma civilização jamais sobreviveu por "relativizar" verdades sagradas.
Além de Putin anexar a Crimeia e provocar uma pequena guerra no leste da Ucrânia (embora grande o bastante para deixar mais de seis mil mortos), é esta decisão de desafiar a cultura do Ocidente que sugere que o confronto com a Rússia vai durar décadas. O comunismo era uma ideologia global; o putinismo é menos que isso. Mas começou uma guerra de ideias na qual a contrarrevolução contra o Ocidente ateu e insinuante é uma pedra angular da ideologia russa. Até certo ponto, o presidente Recep Tayyip Erdogan da Turquia compartilha da opinião de Putin sobre o Ocidente. A China, enquanto isso, encontra usos para ele.
Foi-se a ilusão pós-Guerra Fria de uma convergência benigna através da interdependência. Algo essencial mudou, e isso vai muito além de uma discussão sobre território. Putin decidiu definir seu poder em conflito com o Ocidente. A única questão é se ele tem um conflito limitado ou totalmente declarado em mente.
Esta decisão da Rússia tem implicações estratégicas que o Ocidente só agora está começando a digerir. Ela envolve um pivô oriental mais forte do que o presidente Obama na Ásia. Putin está agora mais interessado na Organização de Cooperação de Xangai, cujo núcleo é a China e a Rússia, do que na cooperação com o G-8 (do qual a Rússia foi suspensa) ou a União Europeia.
A China retribui esse interesse até certo ponto, porque uma Moscou hostil para com o Ocidente é útil para a defesa de seu próprio modelo político autoritário e porque vê a oportunidade econômica na Rússia e nos antigos países soviéticos da Ásia Central. Mas a força modernizadora feroz da China não pode ser realizada através da Rússia retrógrada. Há limites claros para a atual reaproximação entre a Rússia e a China.
Como colocou um alto funcionário europeu que participou de uma conferência organizada pelo Centro Weatherhead para Assuntos Internacionais da Universidade de Harvard, a Rússia é um "desafio do perdedor" para o Ocidente, porque desistiu da modernização e da globalização, ao passo que a China é potencialmente um "desafio do vencedor", porque está apostando tudo em uma economia moderna de alta tecnologia.
Claro que, sendo irracionais e quixotescos, os desafios dos perdedores são particularmente perigosos. Putin engoliu um pedaço da Ucrânia depois que ela buscou um acordo de comércio com a União Europeia. Ele disse que está adicionando 40 mísseis balísticos intercontinentais ao arsenal da Rússia. Ele aumentou os vôos de bombardeiros com capacidade nuclear. A mensagem é clara: temos armas nucleares.
Como o Ocidente deve reagir? Ele não pode alterar o apelo de seus valores para o mundo —-testemunhar as hordas de pessoas que morrem na tentativa de chegar à União Europeia. (Uma enxurrada de russos ricos também têm chegado ao Ocidente em busca do Estado de direito.) Então, o que a Rússia vê como "subversão" ocidental (como a tendência dos ucranianos sãos de se aproximar da Europa) vai --e deve-- continuar.
O Ocidente deve proteger o direito dos povos nos territórios entre o Ocidente e o Oriente. Os cidadãos da Ucrânia, Moldávia, Arménia, Geórgia e outros estados têm o direito de conquistar a prosperidade ocidental através de instituições ocidentais se assim escolherem. A Polônia e os Estados Bálticos, agora protegidos por serem membros da Otan, são ímãs inevitáveis para eles.
Esta nova proteção deveria se inspirar nas políticas por trás da proteção da Alemanha na Guerra Fria: firmeza aliada ao diálogo. O Ocidente, nas palavras de Tomasz Siemoniak, ministro da Defesa da Polônia, foi "excessivo" em sua cautela. Realizar exercícios da Otan na Letônia, criar uma nova força de resposta rápida da Ontan com 5 mil pessoas, e enviar 250 tanques e outros equipamentos para bases temporárias em seis nações do Leste Europeu é uma coisa. Mas é necessário enviar armas pesadas de forma permanente e significativa para a região para enviar uma mensagem a Putin, assim como é necessário aumentar os gastos com defesa na Europa, e um compromisso claro em manter as sanções enquanto a Ucrânia não ficar completa, com total controle de suas fronteiras.
No final, as próprias ideias e instituições ocidentais que Putin desdenha serão a maior força do Ocidente no longo conflito iminente com a contrarrevolução russa.
Tradutor: Eloise De Vylder 

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