segunda-feira, 29 de junho de 2015

TEMA EM DISCUSSÃO: Fim da reeleição
Uso da máquina
JOÃO BATISTA DAMASCENO - O Globo
A reforma política em curso no Congresso é tudo, menos a reforma institucional desejada pela sociedade, que não a debateu ou foi consultada. É um arranjo de interesses transitórios, onde a crença na República e na democracia foi substituída pelo casuísmo que desrespeita a pluralidade. A incivilidade atropela o regimento e a racionalidade que ajuda a construir instituições permanentes. Reformas casuísticas não sobrevivem, pois ficam sujeitas ao movimento pendular da política e aos retrocessos com o retorno dos prejudicados.
De tudo já se tentou, transitoriamente, em matéria de política no Brasil desde a primeira eleição, em 1821, para representantes às Cortes portuguesas. O oportunismo da reforma de 1841 provocou as Revoltas Liberais de 1842. A coincidência de mandatos foi tentada em 1982, com a prorrogação dos mandatos dos prefeitos eleitos em 1976.
A República instituiu a eleição de presidente e governador e, visando à alternância no poder, proibiu a reeleição. A proibição, para cargos executivos, pode restringir o uso da máquina política, ainda que não seja a solução para os problemas da democracia. Foi o presidente FHC, num golpe institucional, em momento transitório de alta popularidade e venalidade de parcela do Congresso, quem instituiu a reeleição para chefes de Executivo. Dois deputados grampeados falaram da venda dos seus votos e renunciaram para não serem cassados.
Golpes se fazem com armas, com suborno, mas também com o clamor popular transitório. Este último modelo é o bonapartista, alusão ao golpe do sobrinho de Napoleão, em 1851, que inspirou a frase de que a História só se repete como farsa. A reeleição para cargos do Executivo é estranha à República brasileira e sua prática demonstrou que acentua os vícios no processo eleitoral, promove a desorganização administrativa e propicia confusão entre o interesse público e o do governante.
Os problemas da democracia brasileira vão além do processo eleitoral. Tampouco as fraudes são os únicos meios de viciamento da representação. Nem mesmo a criação da Justiça Eleitoral, concebida como instância racional para solução de conflitos, sem interferência política, se mostrou plenamente satisfatória. Até a escolha dos juízes eleitorais, por vezes, não escapa a uma análise de quem busca falsidades em declarações no seio das próprias Cortes eleitorais.
A reeleição de presidente, governadores e prefeitos e a indeterminação do número de mandatos legislativos tem possibilitado toda sorte de uso da máquina pública. A democracia e a República pressupõem a alternância no poder e a temporalidade da representação. Mesmo no Judiciário, é hora de se pensar em tempo máximo de permanência nos tribunais. Mas a PEC da Bengala, outro casuísmo, possibilitou a permanência de juízes até os 75 anos.

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