segunda-feira, 29 de junho de 2015

História de traficante gera preocupação com política migratória australiana
Michelle Innis - TINYT
Saeed Khan/AFP
Manifestantes na Austrália protestam contra política de caça a imigrantes ilegais do governo do país, em Sidney, em 2013 Manifestantes na Austrália protestam contra política de caça a imigrantes ilegais do governo do país, em Sidney, em 2013
Se o dinheiro falasse, as pilhas de notas de US$ 100 (cerca de R$ 310), novas em folha, falariam mais alto. Um contrabandista indonésio disse que as autoridades australianas pararam seu barco no mar e deram dinheiro, mais de U$ 30 mil (cerca de R$ 92 mil), para que ele e a tripulação levassem os 65 imigrantes que carregavam para a Indonésia.
A informação, que o governo australiano não negou nem admitiu explicitamente, foi o indício mais recente do endurecimento da política de imigração da Austrália sob o governo do primeiro-ministro Tony Abbott, que, segundo os críticos, chega a esbarrar na ilegalidade algumas vezes.
Se a história do capitão do barco for verdade, o incidente pode ter violado as leis australianas, indonésias e internacionais contra o contrabando, o suborno e o tratamento dispensado aos refugiados.
"A Austrália está adotando medidas cada vez mais radicais para evitar nossas obrigações internacionais", disse Hugh de Kretser, diretor do Human Rights Law Center, com sede em Melbourne. "Mas o mundo está assistindo."
Mesmo antes das denúncias sobre o pagamento, que vieram à tona na semana passada, organizações internacionais e grupos de direitos humanos haviam criticado a política de interceptar barcos de imigrantes no mar e desviá-los para a Indonésia, ou de prender migrantes por tempo indeterminado em centros de detenção australianos fora do país.
Houve relatos de abuso e de uma morte nos centros de detenção em Papua Nova Guiné e Nauru. Em março, a ONU disse que as condições em Nauru violavam uma lei internacional contra a tortura.
Este mês, a Austrália enviou quatro refugiados para o Camboja, a primeira transferência de um acordo de US$ 31 milhões (cerca de R$ 96 milhões) para reassentar os refugiados em um país que, segundo a Human Rights Watch, não tem conseguido integrar nem os refugiados que já estão lá.
O governo australiano também ampliou sua autoridade em dezembro, aprovando uma lei que lhe confere o poder de manter os refugiados em alto-mar por tempo indeterminado e transferi-los para qualquer país que o ministro da imigração escolha, mesmo que a transferência devolva o refugiado a uma situação de perigo.
Um projeto de lei que tramita no Parlamento daria aos guardas dos centros de detenção privados autorização para usar a força para manter a ordem, uma resposta às rebeliões contra as condições no centro da Ilha Manus, em Papua-Nova Guiné no ano passado.
"Só há uma coisa a dizer sobre isso", disse Abbott, defendendo suas políticas na semana passada, "é que nós paramos os barcos. Isso é bom para a Austrália, é bom para a Indonésia e é especialmente bom para todos aqueles que querem ver um mundo melhor, porque se os barcos voltarem, as mortes voltarão."
Pressionado sobre a questão do pagamentos aos traficantes, Abbott citou as leis nacionais de sigilo quanto a questões de segurança para evitar responder diretamente. Mas ele disse que o governo estava determinado a "impedir os barcos, por bem ou por mal".
O procurador-geral George Brandis, que perguntou diretamente se o dinheiro havia sido entregue, disse ao Senado apenas que "o governo de Abbott tomou as medidas necessárias para ter sucesso."
De fato, se o governo atual ficou mais rígido, é porque recusar os barcos têm sido um projeto bipartidário de amplo apoio popular. Foi o governo trabalhista anterior que começou a interceptar os migrantes no mar para impedi-los de chegar em solo australiano.
O governo trabalhista pode até mesmo ter aberto caminho para pagar os contrabandistas, alocando US$ 16 milhões (cerca de R$ 49 milhões) extras para a agência nacional de espionagem em 2009 para pagar por informações sobre o tráfico de pessoas e para que os contrabandistas delatassem uns aos outros.
Mas o ex-líder do Partido Liberal de Abbott, John Hewson, hoje professor da Universidade Nacional Australiana, rejeita esse argumento.
"Pagar por informações e combate ao crime é uma coisa", disse ele. "Pagar traficantes de pessoas para levar um barco de volta é outra totalmente diferente."
O Partido Verde, que é minoria, pediu uma audiência no Senado sobre as denúncias de pagamento numa tentativa de forçar o governo a fornecer mais informações.
"Você pode argumentar que isso viola as leis e convenções internacionais, e argumentar sobre a legalidade do que aconteceu", disse a senadora Sarah Hanson-Young, do Partido Verde. "Mas é uma questão do que é certo ou errado. E isso é errado."
A comissão do Senado já está investigando as denúncias de abuso sexual e físico de mulheres e crianças no centro de detenção de Nauru.
O relator especial da ONU sobre a questão da tortura, Juan E. Méndez, disse em março que o governo australiano violou o direito dos refugiados de "estarem livres de tortura ou de tratamento cruel, desumano ou degradante", e que o governo fracassou em investigar e processar as denúncias de tortura no centro.
Em resposta, Abbott disse que os australianos estavam "cansados de levar bronca da ONU."
Mais de 1.500 imigrantes estão presos nos centros de Nauru e Papua-Nova Guiné. Impedidos por lei de irem à Austrália, os migrantes permanecerão lá até que a Austrália encontre um país disposto a aceitá-los.
O governo pode ter parado os barcos, diz Daniel Webb, diretor jurídico do Human Rights Law Center, "mas conseguimos isso sendo extremamente cruéis com aqueles que chegam de barco, e interceptando outros e obrigando-os a voltar, muitas vezes para o perigo."
Hewson advertiu que, se o governo está dando dinheiro para os contrabandistas, ele está indo além de simplesmente deter os refugiados e impedir as mortes no mar.
"Se começarem a pagar para os traficantes levarem os barcos de volta, isso funcionará como um incentivo para eles", disse ele. "Fora isso, há questões legais e morais. Mas apenas em termos práticos, o governo pode ter enterrado seu principal argumento."
Tradutor: Eloise De Vylder 

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