domingo, 2 de abril de 2017

Justiça do Rio nega prisão domiciliar a detentas com filhos de até 12 anos
Dois terços dos pedidos não foram aceitos; benefício foi concedido à Adriana Ancelmo
A prisão domiciliar da ex-primeira-dama do Rio Adriana Ancelmo suscitou debate, e também a esperança entre detentas, sobre a possibilidade de presas que são mães de crianças de até 12 anos deixarem os presídios para cuidar dos filhos. Um levantamento do GLOBO no sistema do Tribunal de Justiça do Rio encontrou 60 casos que chegaram à segunda instância em que as defesas solicitaram a conversão da prisão preventiva em domiciliar com o mesmo argumento que levou a mulher do ex-governador Sérgio Cabral de volta à casa. Entre os casos analisados, 40 pedidos de habeas corpus foram negados.
Cristiane Gonçalves de Souza, com um filho menor de 12 anos, teve seu pedido de habeas corpus negado pela Justiça do Rio em junho e recorreu ao Superior Tribunal de Justiça. Em setembro, a Sexta Turma do STJ voltou a negar a conversão da prisão preventiva. A decisão colegiada também foi assinada pela ministra Maria Thereza de Assis Moura, a mesma que concedeu o direito à Adriana Ancelmo. Cristiane tinha recebido o benefício anteriormente, mas foi presa de novo por descumprir a medida cautelar ao visitar o marido, também preso, em Niterói sem avisar a Justiça. A decisão determinava que ela não poderia sair do município do Rio.
Na semana passada, Cristiane teve a prisão revogada, mas por outro motivo: a fase de instrução do processo criminal chegou ao fim, e nem o Ministério Público se opôs à sua saída do presídio.
— A conversão para prisão domiciliar ainda é aplicada de modo tímido, há uma visão punitiva. Ainda predomina a lógica de, na dúvida, deixar a mulher presa. Espero que o caso da Adriana Ancelmo seja usado para ampliar o benefício. É uma decisão correta — opina a advogada Maíra Fernandes, especialista em sistema penitenciário.
Na sexta-feira, a ministra Luislinda Valois, da Secretaria de Direitos Humanos, enviou um ofício ao Supremo Tribunal Federal solicitando que o benefício concedido a Adriana seja estendido a todas as mulheres presas provisoriamente que têm filhos com até 12 anos. A Defensoria Pública do Rio afirma que 326 mães estão nesta situação no estado.
A adoção de medidas alternativas ao regime fechado é facultativa aos magistrados. A lei diz que os juízes poderão substituir a prisão preventiva pela domiciliar em casos de mulheres “com filho de até 12 anos de idade incompletos”. Nos casos encontrados pelo GLOBO, 80% das mulheres foram detidas por tráfico de drogas ou associação para o tráfico. Há também casos semelhantes ao de Adriana, como uma presa acusada de corrupção. A mulher de Cabral é ré por corrupção passiva, lavagem de dinheiro e organização criminosa.
A pesquisa também mostra que, em alguns casos, acusadas de crimes de menor potencial ofensivo são tratadas com mais rigidez do que aquelas que respondem por crimes mais graves. O levantamento encontrou três casos de acusadas por homicídio que foram para a prisão domiciliar. Por outro lado, 30 mulheres que respondem por tráfico, muitas presas quando tentavam entrar com drogas na cadeia, foram mantidas nos presídios.
Presa por usar documento falso em 2012, quando fazia prova de vestibular para Medicina na Universidade Estácio de Sá, A.M.S recebeu, em fevereiro, benefício semelhante ao de Adriana. De Goiânia, veio ao Rio fazer a prova atuando para uma quadrilha que cobrava até R$ 80 mil pela vaga. Passou 36 dias em presídios do estado, entre eles Bangu 8, unidade que recebeu a mulher de Cabral. Lá, dividiu cela com Danúbia Rangel, mulher do traficante Antônio Francisco Bonfim Lopes, o Nem da Rocinha, condenada a 28 anos de prisão. Até hoje seu caso não foi julgado. No ano passado, A.M.S voltou a ser presa, em Goiânia, por não comparecer à Justiça no Rio, como determinava a decisão. Ficou 1 ano e 8 meses no presídio.
— Não roubei, não matei. Cometi um crime, mas mantenho a cabeça erguida porque fiquei presa por mais tempo do que prevê a pena. E eu nem fui condenada. A Justiça é uma chacota — relata A.M.S, cuja pena máxima seria de seis meses. — Convivi com uma presa que perdeu um bebê por pneumonia, com 8 meses. O bebê tinha 1 mês e meio quando a mãe foi presa. Ela nunca foi autorizada a amamentá-lo no presídio. E foi levada algemada para o velório.
Mãe de dois filhos com menos de 12 anos, A.M.S foi solta em fevereiro, com pedido baseado no mesmo artigo que favoreceu Adriana. Filhos de pais diferentes, as crianças foram separadas pelas famílias.
— Sou mãe solteira. Quando fui presa, minha filha foi viver em Minas Gerais, com os avós paternos, e o meu filho ficou em Goiânia. Antes, o máximo que eu havia ficado longe deles era dez dias.

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