sexta-feira, 27 de outubro de 2017

Uma peça de Nelson Rodrigues: “Meu Destino é Trair. Ou: Rodrigo Felinto Ibarra Epitácio Maia”
Faz parte do perfil dos mimados e dos ressentidos achar que o mundo e os outros sempre lhes devem coisas, pagas, reconhecimentos, rapapés. Eles, por sua vez, nada precisam fazer. Apenas vão exigir mais pagas, mais reconhecimentos mais rapapés, mais mimos
Reinaldo AzevedoCartaz de uma peça de Nelson Rodrigues e suas homenagens singulares
O presidente da Câmara, Rodrigo Maia, concede à edição de hoje da Folha entrevista que é mesmo do balacobaco. Eu terei de inverter a famosa frase, que já é um clichê, de Shakespeare. Muitos de vocês já devem tê-la ouvido. A personagem Polônio, da peça Hamlet, depois de ouvir o príncipe a dizer um monte de coisas aparentemente sem sentido, afirma: “Embora seja loucura, revela certo método”. Sobre Maia, declarar o quê? “Embora pareça método, é mesmo loucura”. Para ainda ficar no universo do drama, já escrevi aqui que Rodrigo deve confundir o presidente Michel Temer com seu pai, Cesar Maia. Não por acaso, quando aquele quis eleger o seu jovem de ouro da política, lá atrás, preteriu Rodrigo e preferiu Eduardo Paes.  Acho que sabia o que estava fazendo. Vamos ver.
Nesta quinta, no dia seguinte ao arquivamento da denúncia, Maia participou de uma solenidade, com Temer, de liberação de R$ 600 milhões para o Rio, que está quebrado. Não se duvide de que o presidente faz os seus esforços de aproximação. Durou pouco. O deputado concedeu uma entrevista à Folha em que: – se coloca como juiz do presidente — censurando-o pela conversa havida com Joesley Batista; – diz que a Câmara sai machucada “porque a sociedade pediu o afastamento do presidente”; – alimenta a falácia de que a tal portaria do trabalho escravo é regressiva; – deixa claro não acreditar na reforma da Previdência — mas não o diz em tom de lamento;} – afirma ter recebido tratamento equivocado do Palácio, mas não expõe os motivos; – acusa o entorno do presidente de se dedicar à fofoca; – diz que os aliados do governo “viram a possibilidade de perder na Câmara e entraram em parafuso” — trata aqueles que seriam seus aliados como um desprezível “eles”.
Não é possível. Há algo de profundamente errado com Rodrigo Maia. Indagado pelo repórter e colunista, um notório crítico do governo Temer, se houve compra de votos, não pensem que Maia se deu o trabalho de negar ou de explicar como se dão as negociações num Congresso com as características do brasileiro ou de expor as vicissitudes do chamado presidencialismo de coalizão. Nada disso. Saiu pela tangente, endossando, no fim das contas, a acusação. Disse achar “forte demais” falar em compra de votos.
É impressionante! Ele tem resposta para todos os males do Brasil e da política. E, claro, evidencia que o presidente deve a ele o seu mandato. Diz lá com todas as letras, ao lembrar que não adiou a votação da segunda denúncia: “Se eu estivesse apenas cumprindo a regra do jogo, se não tivesse sendo minimamente flexível, poderia ter feito isso. Mas iria gerar uma instabilidade brutal para o Brasil.”
Ora, que Rodrigo Maia diga, então, que regra ele descumpriu para não adiar a votação. Ele já fez isso antes. Já deu a entender que andou quebrando galhos para Temer, fazendo-lhe favores. Quais? Que se saiba, nessa relação, quem realmente se mobilizou para fazê-lo presidente da Câmara pela segunda vez foi o presidente Michel Temer. Eliseu Padilha e Moreira Franco, que ele critica por supostamente terem interferido na ida de um parlamentar do PSB para o PMDB (Maia queria o dito-cujo pra ele), atuaram de forma clara em favor de seu nome. E, ora vejam, ele não reclamou.
Faz parte do perfil dos mimados e dos ressentidos achar que o mundo e os outros sempre lhes devem coisas, pagas, reconhecimentos, rapapés. Eles, por sua vez, nada precisam fazer. Apenas vão exigir mais pagas, mais reconhecimentos mais rapapés, mais mimos. Esse é um perfil psicológico, meus caros! É gente que veio ao mundo para cobrar que os outros se comportem direito, ainda que eles próprios possam trilhar caminhos um tanto tortos, como trilhou Maia quando foi jantar na cada do vice-presidente de um grupo de comunicação empenhado em derrubar o presidente e voltou anunciando a deputados que o governo não resistiria a uma segunda denúncia. Ele estava na Presidência interina da República quando fez isso.
Contestei ontem aquela conversa mole de que Temer saiu enfraquecido da votação, e Maia, fortalecido. Mais ainda: chegou a ser tratado como o dono da pauta. Aí perguntei: de qual pauta? Afinal, nunca vi esse rapaz se entusiasmar para valer com a reforma da Previdência. Observei também que era uma tolice fazer dele o condestável das reformas porque ele preside a Câmara, mas não o Senado.
Numa conversa, dia desses, com jornalistas, um deles lhe perguntou, em termos impróprios, que deveriam ter sido repudiados pelo presidente da Câmara, se ele e Temer já estavam “amiguinhos” de novo. E este novo Schopenhauer do pensamento político disparou: “Em política, não tem amiguinhos. Muito menos para sempre”.
Que aqueles que embalam seus sonhos megalômanos se lembrem disso. A frase explica por que, na política, ele já traiu Jorge Bornhausen, Eduardo Cunha e, agora, faz de Temer seu alvo, não dando ao presidente um miserável dia de bônus. De resto, ele já percebeu o viés anti-Temer da esmagadora maioria da imprensa. E, claro, larga o verbo. O prato é saboroso demais para esses setores. Afinal, trata-se de um suposto aliado do governo descendo a lenha no chefe do Executivo.
Comecei falando de teatro e com ele termino. Ressuscitado, Nelson Rodrigues não resistiria e escreveria a peça: “Meu Destino é Trair. Ou: Rodrigo Felinto Ibarra Epitácio Maia”

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