Quanto tempo a economia alemã conseguirá fugir da crise?
Kartrin Elger, Dietmar Hawranek, Martin Hesse e Christian Reiermann - Der Spiegel
A economia mundial está correndo riscos de todos os lados, com a crise da dívida europeia, a economia norte-americana fraca e a desaceleração na China. Mas a maior parte das empresas alemãs ainda está bem, e os executivos estão otimistas em relação a 2012. Os especialistas se perguntam, contudo, quanto tempo a economia alemã, baseada na exportação, poderá fugir da tempestade.
Desde que se tornou diretora do Fundo Monetário Internacional, em julho, Christine Lagarde, 55, vem lamentando o estado da economia mundial.
A francesa recentemente disse que o cenário da economia global era "bastante sombrio" e que, se a comunidade internacional não conseguir agir decisivamente para deter a tendência de queda, esta poderá levar a uma grande depressão como a dos anos 30. "Nenhuma economia no mundo... será imune à crise", disse ela.
Isso é verdade. Ainda assim, há países que estão se saindo melhor que outros, apesar todas as dificuldades mundiais atuais –e isso inclui a Alemanha, o coração da debilitada zona do euro, que Lagarde apontou como causa dos atuais problemas.
A maior parte dos indicadores econômicos da Alemanha aponta para uma melhora em 2012. Os salários devem aumentar, assim como o número de empregos. As exportações devem continuar a crescer, junto com a demanda interna.
Há um sentido crescente de otimismo entre as empresas e os consumidores alemães. O índice Ifo, que mede o otimismo empresarial alemão, voltou a crescer nos últimos dois meses, e o índice GfK, de confiança do consumidor, também subiu em dezembro. Parece que os alemães estão ignorando todas as terríveis previsões.
Impressionantemente resistentes
No último ano, a economia alemã já se mostrou impressionantemente resistente em meio ao caos econômico mundial gerado pela crise do euro, a lenta recuperação dos EUA e a desaceleração econômica da China. O produto interno bruto (PIB) da Alemanha subiu cerca de 3% neste ano, muito mais que os países vizinhos e os EUA e, mais importante, muito mais do que os países em crise da zona do euro.
De fato, foi um ano recorde para a economia alemã. Em 2011, as empresas alemãs exportaram mais de 1 trilhão de euros (em torno de R$ 2,5 trilhões) -recorde de todos os tempos. O número de pessoas trabalhando também subiu para 41,6 milhões, mais do que nunca.
O sucesso econômico da Alemanha não torna o país mais popular entre seus vizinhos, contudo. Afinal, este é o mesmo país que vem bloqueando todas as propostas de usar o Banco Central Europeu (BCE) para fornecer uma linha de financiamento mais generosa para os países da zona do euro em dificuldades. Alguns países europeus parecem estar secretamente esperando que a Alemanha, parâmetro econômico da Europa, também sinta a dureza da crise.
Com efeito, a questão é quanto tempo a economia alemã, movida a exportações, pode fugir da espiral econômica negativa que afeta muitas regiões do mundo. A economia está reduzindo de marcha em torno do globo, não apenas nos EUA e na China, mas também em países membros na zona do euro endividados, que são os principais clientes das empresas alemãs. Os programas de austeridade nesses países estão detendo o crescimento.
Ainda se saindo comparativamente bem
Os alemães tampouco são imunes a esses desdobramentos. De semana a semana, os bancos e institutos de pesquisa econômica estão revisando suas previsões para baixo. Ainda assim, a economia alemã deve crescer em 2012, apesar de mais lentamente. As previsões mais recentes vão de 0,3 a 0,6%.
Mesmo que esse crescimento seja modesto, a Alemanha ainda está se saindo relativamente bem, comparada com o resto da Europa. Outros países, como a França, estão à beira da recessão –e os Estados em crise do Sul da zona do euro já estão vendo suas economias encolherem.
A Alemanha tem sido capaz de desafiar a tendência para baixo graças à suas indústrias dinâmicas. Por exemplo, a indústria de eletrônicos antecipa forte movimento para 2012. A Associação de Fabricantes de Eletroeletrônicos Alemães (Zvei) espera obter um crescimento de 5% e vendas de até $ 190 bilhões de euros. "Acabamos de terminar um ano fiscal extraordinário e estamos prestes a começar um ano recorde", diz o presidente da Zvei, Klaus Mittelbach.
O setor de engenharia mecânica também está muito confiante. Hans-Jochen Beilke, diretor do conselho do Grupo Ebm-Papst, que fabrica motores elétricos e ventiladores, está extremamente satisfeito. Seus funcionários na cidade alemã de Mulfingen, no Sul, fabricam componentes como ventiladores para refrigeradores econômicos e para exaustores de cozinha, e os produtos da empresa são encontrados em toda parte, de Roma a Pequim. "As coisas foram extremamente bem no ano passado", diz Beilke, "e também estamos otimistas para 2012".
A Federação Alemã de Engenharia (Vdma) está prevendo crescimento de 4% para seus membros. "Há atualmente um ambiente otimista no setor de engenharia e mecânica", diz o economista da organização, Ralph Wiechers, "apesar de haver sinais claros de demanda decrescente". Neste ano, o setor observou um aumento de 14% na produção. A previsão para 2012 é significativamente menor, mas isso "não é sinal de crise", diz Wiechers. "Depois da forte queda na produção de alguns anos atrás, muitos fabricantes estavam se recuperando de níveis baixos. Eles tiverem que ganhar muito terreno", argumenta. "O setor normalmente não passa por essas flutuações extremas".
Pronta para uma crise
As firmas automotivas alemãs BMW, Daimler e Audi até tiveram que encurtar as férias tradicionais de Natal porque têm tantas encomendas a cumprir. Suas fábricas estão operando a plena capacidade.
Mas essa é apenas a situação atual. "Não sabemos exatamente o que 2012 nos reserva", diz o diretor executivo da BMW, Norbert Reithofer, que advertiu seu conselho supervisor que as vendas podem cair no futuro próximo. Em sua última reunião do ano, ele apresentou três cenários: o que acontece se as vendas da BMW cairem entre 60, 100.000 ou até 200.000 veículos em 2012? A resposta: não muito. Uma crise assim não seria uma crise para a BMW.
A fabricante de Munique poderia facilmente absorver uma possível redução de vendas. Graças aos inúmeros turnos extras, muitos trabalhadores acumularam horas no banco de horas. Se a produção tiver que ser reduzida, a força de trabalho pode simplesmente tirar uma folga. A BMW tem significativamente mais liquidez do que tinha em 2008, quando as vendas mergulharam após a falência do Lehman Brothers. "Estamos preparados", diz Reithofer.
Os colegas de Reithofer na Daimler, Dieter Zetsche, e na Volkswagen, Martin Winterkorn, também não veem sérias ameaças no horizonte para suas empresas. Eles assumem que as vendas vão cair na Europa. Mas as três fabricantes alemãs esperam poder contrabalançar isso com vendas crescentes nos EUA, China, Índia, Rússia e Brasil. "Não há motivos para assumir que haverá um cenário de crise", disse o diretor da Daimler, Zetsche.
Pequenas e médias empresas, que formam o arcabouço da economia alemã, também estão entrando no ano novo com otimismo. De acordo com um relatório sobre uma pesquisa conduzida pela Câmara Alemã de Indústria e Comércio (Dihk), "pequenas e médias empresas continuam a estimar a situação econômica como excepcionalmente boa". As empresas dizem que seus livros de encomenda estão cheios, e a maior parte das firmas alemãs estão satisfeitas com sua quantidade de trabalho. Os resultados também mostraram que 44% classificaram a situação econômica como "boa", enquanto apenas 9% acharam que era "fraca". De acordo com o estudo, "o tumulto nas bolsas de valores e a crise da dívida soberana não se refletem na realidade econômica de grande segmento do setor de pequenas e médias empresas".
Além disso, 23% das pequenas e médias empresas pesquisadas esperam que os negócios sejam ainda melhores em 2012 do que neste ano, e apenas 16% antecipam resultados mais fracos. Sua disposição em investir foi similar: 26% das pequenas e médias empresas pretendem investir mais no ano que vem, enquanto 16% planejam investir menos. O ambiente geral positivo também é aparente na frente de trabalho. As pequenas e médias empresas pretendem criar cerca de 200.000 novas vagas no ano que vem.
Firmas competitivas
A forte competitividade das empresas alemãs está por trás dessa situação positiva –e isso não deve mudar no futuro próximo. Apesar dos acordos salariais estarem mais altos do que em anos anteriores, não estão tão altos que tirem a competitividade das empresas alemãs.
Pelo contrário: as negociações coletivas atualmente estão tendo efeitos positivos. Como os funcionários agora estão ganhando mais, eles compram mais. Além disso, quase meio milhão de novos empregos foram criados em 2011. Os dois fatores combinam para reforçar o consumo que, junto com o investimento das empresas, também vai fortalecer o crescimento no ano que vem.
O desemprego na Alemanha deve continuar a cair, passando para cerca de 2,8 milhões, ou seja, menos 100.000. Isso se deve aos novos empregos e à mudança demográfica. Mais idosos estão se aposentando do que sendo substituídos por jovens entrando na força de trabalho. A maior preocupação das pequenas e médias empresas não é a economia mundial aos tropeços mas sim a falta crescente de trabalhadores capacitados.
Os parceiros da Alemanha no clube do euro apenas sonham com esse tipo de problema. Os governos da Irlanda, Portugal, Grécia e Espanha, atingidos pela crise, estão presos em uma depressão. As medidas de austeridade impostas pela Comissão Europeia e o FMI estão estrangulando as atividades econômicas nesses países. O crescimento só é esperado para 2013, se tanto.
A Itália e a França, as duas maiores economias da zona do euro depois da Alemanha, também estão enfrentando uma possível recessão. Os economistas preveem que a produção econômica da França vai encolher no último trimestre de 2011 e no primeiro de 2012, preenchendo a definição clássica de recessão.
Temores crescentes de aperto no crédito
Os ganhos obtidos pela Alemanha não são suficientes para equilibrar as perdas dos outros membros da união monetária. O Instituto Ifo da Alemanha está prevendo uma queda de 0,2% no PIB total da zona do euro.
Os bancos têm um papel crucial em determinar se a Europa vai cair em recessão –e quão severa. Devido a uma crise da dívida soberana, o mundo empresarial agora está com medo da perspectiva de um segundo efeito Lehman: no outono de 2008, a economia da Europa entrou em estado de choque semanas após o colapso do banco de investimentos Lehman Brothers. Os bancos pararam de emprestar dinheiro uns para os outros e o fluxo de crédito para as empresas ameaçou secar.
Agora esse medo está voltando. A crise de confiança no setor bancário lembra assustadoramente as condições que levaram à falência do Lehman, como advertiu o BCE em seu mais recente relatório de estabilidade financeira. “Estamos com medo de um aperto no crédito”, diz o diretor do Banco Central de Luxemburgo, Yves Mersch. Enquanto isso, o diretor da Autoridade Bancária Europeia (ABE), Andrea Enria, teme que as instituições financeiras, sempre criticada por anos de investimentos arriscados, agora pode se tornar avessa a riscos.
O fato da questão é que a ABE pode ter de fato exagerado. Agindo em nome da UE, disse aos bancos que precisavam ter maiores reservas para estarem preparados para possíveis calotes dos bônus soberanos europeus. Os bancos têm duas formas de conseguir maiores garantias: podem adquirir capital adicional –ou reduzir seus negócios de forma a minimizar seus requerimentos de reservas de capital.
Como os investidores estão relutantes em injetar dinheiro nas instituições financeiras, muitos bancos estão escolhendo a segunda opção. Só o Commerzbank, por exemplo, anunciou que pretende reduzir seus bens de risco em 30 bilhões de euros. Em alguns países da UE, como o Reino Unido, Irlanda e Espanha, os bancos já começaram a cortar seus empréstimos, de acordo com o BCE.
Não há falta de crédito
O banco central da Alemanha, o Bundesbank, observou no terceiro trimestre que os bancos haviam restringido suas condições para garantir empréstimos. Mas isso não significa que o país já está de fato enfrentando uma falta de crédito?
"Não", diz Lutz Goebel, presidente de uma associação de empresas familiares na Alemanha. "Para mim, não há atualmente falta de financiamento para a maior parte das empresas na Alemanha". Quando empresas alemãs precisam de empréstimos, em geral é para as locações onde estão crescendo rapidamente, como nos mercados emergentes da Ásia, onde, de acordo com os banqueiros alemães não há falta de crédito.
A história é muito diferente, porém, nos países atingidos pela crise da Europa, nos quais os bancos estão tendo problemas crescentes em conseguir os financiamentos que precisam para suas atividades. Os bancos europeus têm 200 bilhões de euros de dívida vencendo só no primeiro trimestre de 2012. Isso levou os bancos centrais das principais nações industrializadas a encherem os mercados com dinheiro no final de novembro. Em dezembro, o BCE novamente facilitou as condições sob as quais os bancos podem obter empréstimos. "Estamos fazendo o nosso melhor para evitar uma aperto no crédito", disse o presidente do BCE, Mario Draghi.
Enormes injeções de dinheiro, em escala sem precedentes, promoveram o crescimento nos EUA. Além disso, o banco central americano, o Federal Reserve, vem perseguindo uma política de taxa de juros nula há anos. A enxurrada de dinheiro está levando os americanos a gastarem mais novamente. O consumo privado tem um papel muito maior nos EUA do que na Europa. Mais de 70% da produção econômica dos EUA se baseia no consumo interno.
Em novembro, o desemprego nos EUA caiu abaixo de 9% pela primeira vez desde março de 2009. Ainda assim, o crescimento permanece baixo, pouco mais de 2%, e dificilmente será suficiente para reduzir rapidamente o índice de desemprego do país no ano que vem. Mais importante, não será suficiente para tirar a economia global de sua queda.
Pior dos casos
Há dois anos, foi a enorme demanda da China que impediu o desastre da economia. Agora, a terra do crescimento aparentemente infinito está mostrando sinais de fadiga. Nos últimos meses, a produção industrial caiu e as exportações se enfraqueceram. As vendas de commodities chinesas estão longe do que estavam há poucos anos e a queda está afetando tudo, desde os eletrônicos manufaturados em Shenzhen até o maquinário produzido em Xangai.
O governo chinês está tentando combater isso, mas suas opções são limitadas. O banco central relaxou recentemente sua politica monetária –e alimentou outra ameaça à estabilidade econômica, a bolha imobiliária na China. Se explodir, reduzirá significativamente o crescimento econômico do país.
Sempre houve riscos e perigos à economia mundial em toda parte, mas a combinação da crise do euro com o crescimento mais lento na Ásia torna difícil para os economistas preverem o futuro. Em seus cenários, eles apenas admitem uma leve possibilidade da união monetária europeia desmoronar, mas se o euro de fato implodir em 2012, todas suas previsões terão sido obsoletas.
Os fabricantes de automóveis alemães já examinaram o que aconteceria se os países altamente endividados chamados Piigs (Portugal, Irlanda, Itália, Grécia e Espanha) deixassem a união monetária. De acordo com seu cálculos, as economias desses países encolheria em 6%, enquanto as economias dos países que retiverem o euro contrairia 4%. Os executivos concordaram que esse cenário seria um desastre –e não apenas para a indústria automotiva.
Tradução: Deborah Weinberg
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