Toffoli ainda estuda se vota ou não no caso do mensalão
Dúvida ocorre porque na época do escândalo ministro era subordinado Dirceu
Carolina Brígido - O Globo
BRASÍLIA - Pouco mais de dois anos da posse no Supremo Tribunal Federal, o ministro José Antonio Dias Toffoli, que era advogado-geral da União, diz que se tornou um liberal e que o Estado deveria interferir menos na vida das pessoas. Para ele, a Justiça Eleitoral não deveria publicar na internet processos aos quais os candidatos respondem, pois o cidadão brasileiro é politizado o suficiente e não precisa de tutela. Toffoli pediu vista da ação sobre a Lei da Ficha Limpa e levará o caso ao plenário ano que vem. Está decidindo se participará do julgamento do mensalão, previsto para 2012. Pode se declarar impedido, pois, na época do escândalo, era subordinado ao então ministro-chefe da Casa Civil, José Dirceu, réu no processo.
O GLOBO: Dependendo da decisão do STF, a Lei da Ficha Limpa pode ser aplicada nas eleições de 2010. Quando o tribunal vai julgar a ação?
JOSÉ ANTONIO DIAS TOFFOLI: Estou com a vista do processo e devo levar (ao plenário) no ano que vem. Já desenvolvi bastante do voto, mas sempre tem alguma coisa pra refletir. A questão do trânsito em julgado ou não é algo a ser muito refletido. Até que ponto afronta ou não a presunção de inocência? Os argumentos tanto contra quanto a favor são bastante respeitáveis.
O GLOBO: E o artigo que torna inelegível quem renunciou a mandato antes da lei? Ainda é ponto polêmico entre ministros?
TOFFOLI: Sobre esse ponto específico, quando votei no ano passado, entendi que era constitucional. Depois teve o voto do ministro (Cezar) Peluso, do ministro Gilmar (Mendes), no sentido de que só as renúncias ocorridas após a eficácia da lei é que poderiam ser (consideradas para a inelegibilidade). Estou refletindo sobre esses argumentos.
O GLOBO: A Ficha Limpa mudou a forma de votar?
TOFFOLI: Ah, sempre repercute, chama a atenção. Era o que tinha que ser feito: ter o eleitor bem informado para decidir. O brasileiro é mais politizado do que a gente imagina. Às vezes, as pessoas acham que o cidadão tem de ser tutelado. Nesse aspecto, sou um liberal. Independentemente de classe econômica e nível educacional, o cidadão brasileiro é muito cônscio de seus direitos.
O GLOBO: O senhor acha que, independentemente da Lei da Ficha Limpa, o TSE deveria publicar na internet a vida pregressa dos candidatos?
TOFFOLI: Acho isso preocupante, porque não cabe ao Estado interferir ativamente nesse processo. O Estado é gerido por pessoas que também fazem política. Aos adversários é que incumbe ir atrás disso.
O GLOBO: O senhor esperou pela posse da ministra Rosa Weber para retomar o julgamento?
TOFFOLI: Acho melhor (ela participar do julgamento). Não pedi vista por isso, mas acho melhor. Porque o tribunal, completo, julgaria isso de uma maneira definitiva.
O GLOBO: O STF deve julgar o processo do mensalão em 2012. O senhor vai votar?
TOFFOLI: Não sei ainda, não decidi sobre isso.
O GLOBO: Pode se declarar impedido?
TOFFOLI: Ainda não sei. É como o caso do (ex-ativista) Cesare Battisti, só decidi na hora.
O GLOBO: Já está estudando o caso?
TOFFOLI: Ainda não. Tem tanto caso aqui, meu Deus do céu. Aqui, cada dia sua agonia, como dizia Luiz Eduardo Magalhães.
O GLOBO: O senhor preside uma comissão no Senado para reformar a lei eleitoral. O que a comissão vai propor?
TOFFOLI: Com certeza, vai mudar o sistema de processos eleitorais. Hoje, o mesmo fato pode gerar até quatro ações que podem levar à perda do mandato: ação de investigação judicial eleitoral, representação, recurso contra expedição de diploma e ação de impugnação de mandato eletivo. Não tem sentido. Tem que ser um processo só.
O GLOBO: E o financiamento?
TOFFOLI: Entendo que o financiamento privado é possível, desde que seja feito por pessoa física. As pessoas jurídicas não seriam legítimos partícipes da democracia. Quem participa da democracia é o cidadão, pelo voto. A democracia deve ser financiada por quem faz a democracia. Quem elege é o povo.
O GLOBO: O financiamento por empresas corrompe os políticos?
TOFFOLI: A minha preocupação não é nem essa, de partir do pressuposto de que há uma troca de favores entre aquele que financia e o eleito. A preocupação maior é que a pessoa jurídica não vota, só o cidadão vota. A pessoa jurídica é legitimada a participar desse processo? Eu penso que não. É uma interferência que ocorre com muita força. Na medida em que alguém tem mais recursos, tem maior probabilidade de atingir mais eleitores com a propaganda. É interferência não legítima. Não sou a favor do financiamento exclusivo por parte do Estado. É fundamental manter o direito do cidadão de participar da política. E fazer política é também atuar com os seus recursos.
O GLOBO: Considera razoável estabelecer limite para gastos?
TOFFOLI: O partido, ao inscrever o candidato, diz qual teto vai gastar. Quem faz o limite é o candidato. Não há teto igual para todos. A ideia é pegar o parâmetro das últimas eleições.
O GLOBO: A campanha da presidente Dilma custou R$ 165 milhões. Não é muito dinheiro? Impedindo as doações de empresas, esse valor não tende a diminuir?
TOFFOLI: Provavelmente. Mas o presidente Barack Obama, nos Estados Unidos, arrecadou mais de US$ 500 milhões pela internet em pequenas doações.
O GLOBO: Nas eleições passadas, era possível doar pela internet no Brasil, mas a quantia arrecadada foi ínfima. Por que a modalidade não pegou por aqui?
TOFFOLI: Envolver o cidadão no financiamento da campanha politiza, porque ele vai cobrar mais. No Brasil, é cômodo para uma candidatura pegar três mil empresas e passar o chapéu. Arrecada-se num universo de pouquíssimas pessoas jurídicas. As campanhas vão atrás das grandes empresas, que, geralmente, dão o mesmo valor para a, b, c ou d. O compromisso não é político, ideológico. Elas pensam: "Não sei quem vai ganhar, não quero ninguém com raiva de mim. Meu concorrente doou, vou doar". Se não tiver financiamento por pessoas jurídicas, o partido vai ter que ir atrás do povo não só para pedir voto, mas também recursos. Vai envolver mais o cidadão. Se começar a ter maior participação popular no financiamento, vai ter cobrança maior. O cidadão vai falar: "Além de ter votado nesse candidato, dei R$ 500 para ele. Olha aí, ele está indo mal, vou reclamar".
O GLOBO: Por que existe relação mercadológica, e não ideológica, entre empresas e candidatos?
TOFFOLI: O Estado no Brasil é muito forte. Se alguém que está concorrendo e pode chegar a um cargo pede (dinheiro) para alguém, a pessoa fica intimidada. O cidadão, não, vai doar para quem quiser, assim como dá o voto. Os gastos se multiplicaram por quatro em 12 anos. Se não puser limite, a campanha de 2014 vai custar R$ 250 milhões. O limite com base na última eleição pode ser razoável.
O GLOBO: Sem financiamento das empresas, diminui o caixa dois?
TOFFOLI: O ilícito sempre pode ter, com financiamento público ou privado. Como se combate isso? Os partidos têm que se fiscalizar, como já ocorre. O TSE foi aperfeiçoando a estrutura para acompanhar gastos. Isso fez diminuir o caixa dois. Dificilmente você acha um doador que quer "doar por fora". As empresas que doaram para campanhas presidenciais querem zelar pelo seu nome, não querem confusão. Avançou-se muito. Hoje, o caixa dois talvez exista em prefeituras, onde órgãos de fiscalização são menos fortes.
O GLOBO: Nesses dois anos de STF, o que mudou na sua visão?
TOFFOLI: O que mais mudou para mim, e talvez isso surpreenda, é que cada dia que passo aqui penso que o Estado tem que interferir menos na vida do cidadão. O Estado no Brasil é muito grande e pesado. E olha que fui advogado do Estado. É óbvio que um país com desigualdades ainda depende muito do Estado. Mas este Estado grande que temos muitas vezes quer tutelar o cidadão de maneira talvez indevida. Com o tempo, cada vez me convenço mais disso e vou me tornando um liberal. O Estado tinha que educar mais do que tutelar.
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