David D. Kirkpatrick, Kareem Fahim e Alan Cowell
Os oponentes do presidente Mohammed Morsi incendiaram os escritórios do partido dele em várias cidades egípcias na sexta-feira (23), em uma onda de protestos e confrontos depois que ele deu a si mesmo amplos poderes acima de qualquer tribunal, declarando-se guardião da revolução do Egito e usando sua nova autoridade para ordenar um novo julgamento de Hosni Mubarak.
Na cidade mediterrânea de Alexandria, os oponentes do Partido Liberdade e Justiça da Irmandade Muçulmana enfrentaram os seguidores de Morsi, um islamita, que obteve elogios regionais e do Ocidente poucos dias atrás, por intermediar um cessar-fogo que colocou fim a oito dias de confronto letal entre as forças israelenses e militantes na faixa de Gaza.
Morsi, o primeiro presidente eleito democraticamente do Egito, retratou seu decreto que lhe dá novos poderes como uma tentativa de atender a exigência popular por justiça e proteger a transição para uma democracia constitucional. Ele disse que era necessário superar o impasse e os interesses conflitantes. Mas a amplitude inesperada dos poderes que ele se concedeu aumentou imediatamente os temores de que ele possa vir a se tornar um novo homem forte.
“Eu cumpro meus deveres para agradar a Deus e à nação, e tomo decisões após consultar todo mundo”, ele disse. “A vitória não vem sem um plano claro e este é o que eu tenho.”
Ele falou enquanto a televisão estatal noticiava que os escritórios de seu partido nas cidades do Canal de Suez, Suez, Port Said e Ismailia, tinham sido incendiados por seus adversários. Milhares de pessoas protestando contra os novos poderes de Morsi se reuniram na Praça Tahrir daqui --o centro dos protestos que, no ano passado, levaram à queda de Mubarak.
Em outros locais na capital, os apoiadores do presidente se reuniram em número ainda maior do lado de fora do palácio presidencial, onde Morsi disse que sua meta era “obter estabilidade política, social e econômica”.“Eu sou a favor de todos os egípcios. Eu não tenho inclinação contra nenhum filho do Egito”, ele disse em um palco do lado de fora do palácio presidencial, segundo a Reuters, acrescentando que ele estava trabalhando pela estabilidade social e econômica. “A oposição no Egito não me preocupa, mas precisa ser real e forte”, ele disse.
Soando às vezes defensivo e empregando em parte a linguagem preferida de seu antecessor autocrático, Morsi justificou seus novos poderes como necessários para dar andamento à revolução do Egito.
“As pessoas me queriam como guardião dos passos desta fase”, ele disse, lembrando ao seu público que ele foi eleito livremente após uma disputa “que o mundo todo testemunhou”.
“Eu não gosto e não quero --e nem há necessidade-- do uso de medidas excepcionais”, ele disse. “Mas aqueles que tentaram roer os ossos da nação”, ele acrescentou, “precisam prestar contas”.
Relatos da imprensa disseram que os confrontos se espalharam de Alexandria até a cidade de Assyut, no sul. Mas a gravidade dos confrontos não ficou imediatamente clara.
Os novos poderes de Morsi levaram um adversário proeminente, Mohamed El Baradei, a dizer pelo Twitter: “Hoje, Morsi usurpou todos os poderes do Estado e nomeou a si mesmo como novo faraó do Egito”.
“Uma tirania presidencial absoluta”, escreveu Amr Hamzawy, um membro liberal do Parlamento dissolvido e um cientista político proeminente, em um comentário online. “O Egito está passando por um golpe horroroso contra a legitimidade e o estado de direito, um assassinato completo da transição democrática.”
Morsi emitiu o decreto na quinta-feira (22), em meio a um ponto alto de seus cinco meses de presidência, enquanto desfrutava dos elogios da Casa Branca e de todo o mundo por seu papel central na negociação de um cessar-fogo, que na noite anterior interrompeu os combates na faixa de Gaza.
Mas seus adversários políticos convocaram imediatamente manifestações na sexta-feira (23), para protestar contra seus novos poderes. “Aprovar uma exigência revolucionária dentro de um pacote de decisões autocráticas é um revés para a revolução”, escreveu online Abdel Moneim Aboul Fotouh, um ex-líder mais liberal da Irmandade Muçulmana e um ex-candidato presidencial. E o chefe da Suprema Corte Constitucional indicou que não aceitou o decreto.
Em Washington na quinta-feira (22), uma alta funcionária do Departamento de Estado disse: “Nós estamos buscando mais informação sobre as decisões e declarações do presidente Morsi hoje, que provocaram preocupação”.
Os assessores de Morsi retrataram o decreto como um esforço para superar o impasse que suspendeu a complicada transição política do Egito, mais de 20 meses após a derrubada de Mubarak. Os adversários políticos de Morsi e a Justiça remanescente do regime anterior, eles argumentam, estavam sabotando a transição para frustrar a maioria islâmica.
A oposição liberal e secular ameaçou repetidas vezes boicotar a assembleia constituinte dominada pelos islamitas. (Ela é liderada pelos aliados de Morsi no Partido Liberdade e Justiça. Os membros foram escolhidos pelo Parlamento, onde os islamitas conquistaram uma maioria de quase três quartos.) E à medida que a assembleia se aproxima do prazo estabelecido segundo um plano de transição interino anterior, a maioria dos membros seculares e os representantes da Igreja Copta a abandonaram, fazendo com que perdesse até um quarto de seus membros e grande parte de sua legitimidade.
Enquanto isso, a Suprema Corte Constitucional --que Mubarak tentou encher de pessoas leais e onde alguns poucos juízes temem abertamente os islamitas-- deverá emitir uma decisão que poderia dissolver a atual assembleia e exigir uma nova. Outro tribunal já dissolveu uma assembleia anterior e, na véspera da eleição de Morsi em junho a Corte Constitucional dissolveu o Parlamento, citando problemas técnicos de elegibilidade.
Após a dissolução do Parlamento, os líderes do conselho dos generais que governou desde a queda de Mubarak tomaram todo o poder legislativo e o controle do orçamento.
Mas em agosto, Morsi conquistou o apoio de muitos outros generais e oficiais para um decreto que devolveu o Exército ao quartel e o deixou sozinho no controle do governo, com autoridade do Executivo e do Legislativo.
O decreto de quinta-feira (22) liberta Morsi, seus decretos e a assembleia constituinte de supervisão da Justiça.
Em uma entrevista para a televisão, o porta-voz de Morsi, Yasser Ali, destacou que os poderes expandidos só durariam até a ratificação de uma nova Constituição em poucos meses, chamando o decreto de “uma tentativa de colocar um fim ao período de transição o mais breve possível”.
“O rodar em um círculo vicioso no período de transição precisa chegar ao fim”, ele disse, aparentemente se referindo ao impasse da assembleia constituinte. Em alguns aspectos, o decreto de Morsi atende as exigências da oposição. Os representantes seculares na assembleia constituinte tiveram que abandoná-la, em parte, por causa da acusação deles de que os islamitas estavam acelerando injustamente o processo. Mas o decreto adia o prazo para dois meses depois do fim do ano.
Morsi também substituiu o procurador-geral, Abdel Meguid Mahmoud, um nomeado de Mubarak amplamente criticado por não conseguir sentenças mais fortes contra Mubarak e seus associados, e contra policiais abusivos. (Mubarak foi sentenciado à prisão perpétua por supervisionar o assassinato de manifestantes, mas o veredicto não apontou evidência direta de seu envolvimento, abrindo o caminho para uma apelação).
O substituto de Mahmoud é Talaat Ibrahim Abdullah, o ex-líder do movimento por um judiciário independente durante o governo de Mubarak.
Morsi ordenou um novo julgamento para Mubarak e outros acusados de responsabilidade pelas mortes de manifestantes civis durante o levante. Ele despojou os acusados das proteções contra ser julgado duas vezes pelo mesmo crime e emitiu uma lei estabelecendo um novo sistema legal de transição para lidar com os novos julgamentos.
Outro artigo do decreto concede ao presidente o “poder de tomar todas as medidas e procedimentos necessários” contra qualquer ameaça potencial à revolução.
No site do jornal estatal Al Ahram, um jurista proeminente, Salah Eissa, pediu aos cidadãos para “tomarem as ruas e morrerem, porque o Egito está perdido”, acrescentando que “imunizar as decisões do presidente com uma declaração constitucional é uma farsa e uma fraude”.
Nathan J. Brown, um estudioso do sistema legal egípcio da Universidade George Washington, resumiu a mensagem geral: “Eu, Morsi, sou todo poderoso. E no meu primeiro ato como ser todo poderoso, eu me declaro ainda mais poderoso. Mas não se preocupe --é só por pouco tempo”.
Tradutor: George El Khouri Andolfato
Morsi, o primeiro presidente eleito democraticamente do Egito, retratou seu decreto que lhe dá novos poderes como uma tentativa de atender a exigência popular por justiça e proteger a transição para uma democracia constitucional. Ele disse que era necessário superar o impasse e os interesses conflitantes. Mas a amplitude inesperada dos poderes que ele se concedeu aumentou imediatamente os temores de que ele possa vir a se tornar um novo homem forte.
“Nós estamos avançando, queira Deus, e ninguém ficará em nosso caminho”, a agência de notícias “Reuters” citou Morsi como tendo dito na sexta-feira (23), em uma mesquita suburbana daqui, após a oração de sexta.
Ele falou enquanto a televisão estatal noticiava que os escritórios de seu partido nas cidades do Canal de Suez, Suez, Port Said e Ismailia, tinham sido incendiados por seus adversários. Milhares de pessoas protestando contra os novos poderes de Morsi se reuniram na Praça Tahrir daqui --o centro dos protestos que, no ano passado, levaram à queda de Mubarak.
Em outros locais na capital, os apoiadores do presidente se reuniram em número ainda maior do lado de fora do palácio presidencial, onde Morsi disse que sua meta era “obter estabilidade política, social e econômica”.“Eu sou a favor de todos os egípcios. Eu não tenho inclinação contra nenhum filho do Egito”, ele disse em um palco do lado de fora do palácio presidencial, segundo a Reuters, acrescentando que ele estava trabalhando pela estabilidade social e econômica. “A oposição no Egito não me preocupa, mas precisa ser real e forte”, ele disse.
Soando às vezes defensivo e empregando em parte a linguagem preferida de seu antecessor autocrático, Morsi justificou seus novos poderes como necessários para dar andamento à revolução do Egito.
“As pessoas me queriam como guardião dos passos desta fase”, ele disse, lembrando ao seu público que ele foi eleito livremente após uma disputa “que o mundo todo testemunhou”.
“Eu não gosto e não quero --e nem há necessidade-- do uso de medidas excepcionais”, ele disse. “Mas aqueles que tentaram roer os ossos da nação”, ele acrescentou, “precisam prestar contas”.
Relatos da imprensa disseram que os confrontos se espalharam de Alexandria até a cidade de Assyut, no sul. Mas a gravidade dos confrontos não ficou imediatamente clara.
Os novos poderes de Morsi levaram um adversário proeminente, Mohamed El Baradei, a dizer pelo Twitter: “Hoje, Morsi usurpou todos os poderes do Estado e nomeou a si mesmo como novo faraó do Egito”.
“Uma tirania presidencial absoluta”, escreveu Amr Hamzawy, um membro liberal do Parlamento dissolvido e um cientista político proeminente, em um comentário online. “O Egito está passando por um golpe horroroso contra a legitimidade e o estado de direito, um assassinato completo da transição democrática.”
Morsi emitiu o decreto na quinta-feira (22), em meio a um ponto alto de seus cinco meses de presidência, enquanto desfrutava dos elogios da Casa Branca e de todo o mundo por seu papel central na negociação de um cessar-fogo, que na noite anterior interrompeu os combates na faixa de Gaza.
Mas seus adversários políticos convocaram imediatamente manifestações na sexta-feira (23), para protestar contra seus novos poderes. “Aprovar uma exigência revolucionária dentro de um pacote de decisões autocráticas é um revés para a revolução”, escreveu online Abdel Moneim Aboul Fotouh, um ex-líder mais liberal da Irmandade Muçulmana e um ex-candidato presidencial. E o chefe da Suprema Corte Constitucional indicou que não aceitou o decreto.
Em Washington na quinta-feira (22), uma alta funcionária do Departamento de Estado disse: “Nós estamos buscando mais informação sobre as decisões e declarações do presidente Morsi hoje, que provocaram preocupação”.
Os assessores de Morsi retrataram o decreto como um esforço para superar o impasse que suspendeu a complicada transição política do Egito, mais de 20 meses após a derrubada de Mubarak. Os adversários políticos de Morsi e a Justiça remanescente do regime anterior, eles argumentam, estavam sabotando a transição para frustrar a maioria islâmica.
A oposição liberal e secular ameaçou repetidas vezes boicotar a assembleia constituinte dominada pelos islamitas. (Ela é liderada pelos aliados de Morsi no Partido Liberdade e Justiça. Os membros foram escolhidos pelo Parlamento, onde os islamitas conquistaram uma maioria de quase três quartos.) E à medida que a assembleia se aproxima do prazo estabelecido segundo um plano de transição interino anterior, a maioria dos membros seculares e os representantes da Igreja Copta a abandonaram, fazendo com que perdesse até um quarto de seus membros e grande parte de sua legitimidade.
Enquanto isso, a Suprema Corte Constitucional --que Mubarak tentou encher de pessoas leais e onde alguns poucos juízes temem abertamente os islamitas-- deverá emitir uma decisão que poderia dissolver a atual assembleia e exigir uma nova. Outro tribunal já dissolveu uma assembleia anterior e, na véspera da eleição de Morsi em junho a Corte Constitucional dissolveu o Parlamento, citando problemas técnicos de elegibilidade.
Após a dissolução do Parlamento, os líderes do conselho dos generais que governou desde a queda de Mubarak tomaram todo o poder legislativo e o controle do orçamento.
Mas em agosto, Morsi conquistou o apoio de muitos outros generais e oficiais para um decreto que devolveu o Exército ao quartel e o deixou sozinho no controle do governo, com autoridade do Executivo e do Legislativo.
O decreto de quinta-feira (22) liberta Morsi, seus decretos e a assembleia constituinte de supervisão da Justiça.
Em uma entrevista para a televisão, o porta-voz de Morsi, Yasser Ali, destacou que os poderes expandidos só durariam até a ratificação de uma nova Constituição em poucos meses, chamando o decreto de “uma tentativa de colocar um fim ao período de transição o mais breve possível”.
“O rodar em um círculo vicioso no período de transição precisa chegar ao fim”, ele disse, aparentemente se referindo ao impasse da assembleia constituinte. Em alguns aspectos, o decreto de Morsi atende as exigências da oposição. Os representantes seculares na assembleia constituinte tiveram que abandoná-la, em parte, por causa da acusação deles de que os islamitas estavam acelerando injustamente o processo. Mas o decreto adia o prazo para dois meses depois do fim do ano.
Morsi também substituiu o procurador-geral, Abdel Meguid Mahmoud, um nomeado de Mubarak amplamente criticado por não conseguir sentenças mais fortes contra Mubarak e seus associados, e contra policiais abusivos. (Mubarak foi sentenciado à prisão perpétua por supervisionar o assassinato de manifestantes, mas o veredicto não apontou evidência direta de seu envolvimento, abrindo o caminho para uma apelação).
O substituto de Mahmoud é Talaat Ibrahim Abdullah, o ex-líder do movimento por um judiciário independente durante o governo de Mubarak.
Morsi ordenou um novo julgamento para Mubarak e outros acusados de responsabilidade pelas mortes de manifestantes civis durante o levante. Ele despojou os acusados das proteções contra ser julgado duas vezes pelo mesmo crime e emitiu uma lei estabelecendo um novo sistema legal de transição para lidar com os novos julgamentos.
Outro artigo do decreto concede ao presidente o “poder de tomar todas as medidas e procedimentos necessários” contra qualquer ameaça potencial à revolução.
No site do jornal estatal Al Ahram, um jurista proeminente, Salah Eissa, pediu aos cidadãos para “tomarem as ruas e morrerem, porque o Egito está perdido”, acrescentando que “imunizar as decisões do presidente com uma declaração constitucional é uma farsa e uma fraude”.
Nathan J. Brown, um estudioso do sistema legal egípcio da Universidade George Washington, resumiu a mensagem geral: “Eu, Morsi, sou todo poderoso. E no meu primeiro ato como ser todo poderoso, eu me declaro ainda mais poderoso. Mas não se preocupe --é só por pouco tempo”.
Tradutor: George El Khouri Andolfato
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