domingo, 25 de novembro de 2012

Cultura de suborno se espalha pelas escolas da China
Dan Levin - TNYT                 
Para as crianças chinesas e seus pais devotados, a educação é vista como uma chave para o sucesso em uma sociedade altamente competitiva. Mas, assim como o dinheiro e o poder influenciam os acordos de negócios e as promoções de funcionários públicos, a corrida acadêmica é cada vez mais fraudada em favor dos ricos e bem conectados, que pagam grandes somas e usam suas conexões para dar aos filhos uma vantagem nas escolas administradas pelo governo.
Quase tudo tem um preço, dizem pais e educadores, da admissão nas escolas à colocação nas melhores salas e às posições de liderança nos grupos de jovens comunistas. Até as carteiras na primeira fileira perto do quadro negro ou uma vaga de monitor de classe estão à venda.
Zhao Hua, migrante da província de Hebei, que é dona de um pequeno negócio de eletrônicos, diz que foi obrigada a depositar US$ 4.800 numa conta bancária para matricular a filha numa escola primária de Pequim. No banco, ela disse que ficou surpresa ao encontrar funcionários do comitê distrital de educação munidos de uma lista de alunos e dos valores que cada família teria que pagar. Fizeram-na assinar um documento dizendo que a taxa era uma "doação" voluntária.
"É claro que eu sabia que era ilegal", disse ela. "Mas se você não pagar, seu filho não vai a lugar nenhum."
O suborno se tornou tão comum que Xi Jinping dedicou seu primeiro discurso depois de ser nomeado o novo líder do Partido Comunista para advertir o Politburo que a corrupção poderia levar ao colapso do partido e do Estado se não for coibida. Os chineses comuns se habituaram a um certo nível de irregularidades oficializadas nos negócios e na política.
Mas a falta de integridade entre os educadores e administradores escolares é especialmente desanimadora, diz Li Mao, consultor educacional em Pequim. "É muito mais inquietante quando isso acontece com os professores porque nossas expectativas em relação a eles são muito maiores", diz ele.
Pais ricos nos Estados Unidos e em todo o mundo procuram proporcionar aos seus filhos todas as vantagens, é claro, inclusive pagando tutores e cursos de preparação para provas, e às vezes buscando escolas particulares dispostas a aceitar alunos ricos apesar de suas notas baixas.
Mas os críticos dizem que o sistema educacional estatal da China – promovido como o exemplo da meritocracia comunista – está sendo invadido pelo suborno e o nepotismo. Essa corrupção ampliou o abismo entre os que têm e os que não têm, enquanto as famílias chinesas veem suas esperanças para o futuro vendidas para quem pagar mais.
"A corrupção é generalizada em todas as partes da sociedade chinesa, e educação não é uma exceção", disse Li.
A extorsão começa antes mesmo do primeiro dia de aula uma vez que a concorrência pela admissão nas escolas de elite gerou um negócio lucrativo para os funcionários escolares e pessoas ligadas a eles.
A cada primavera, o Jardim de Infância China Limpa, que é filiado à prestigiosa Universidade Tsinghua e localizado em seu bem cuidado campus em Pequim, recebe uma enxurrada de pedidos de pais que veem a matrícula como um caminho para entrar numa das melhores universidades da China. Oficialmente, a escola está aberta apenas para filhos de professores de Tsinghua. Mas pelo preço adequado – cerca de 150 mil renminbi, ou US$ 24 mil, de acordo com um membro da equipe que insistiu em permanecer no anonimato para evitar represálias – um professor de Tsinghua pode ser persuadido a "patrocinar" um candidato.
Pais com ligações menos diretas têm que subornar uma rede de pessoas para que seus filhos sejam admitidos no jardim da infância. "Quanto mais distante você é da escola, mais dinheiro você precisa", disse o funcionário. "Isso de fato vai aumentando."
Um funcionário da escola negou que pessoas de fora possam pagar para entrar.
Os custos podem aumentar à medida que a faculdade se aproxima. A imprensa chinesa informou recentemente que a atual taxa de suborno para entrar numa escola de segundo grau ligada à renomada Universidade Renmin, em Pequim, é de US$ 80 mil a US$ 130 mil.
Funcionários do governo também encontraram uma maneira de burlar o sistema. O jornal estatal "21st Century Business Herald" informou que poderosas agências e empresas estatais costumam doar fundos para as melhores escolas numa política conhecida como "desenvolvimento conjunto". Em troca, os filhos de seus funcionários têm vantagem na admissão, dizem os reformadores da educação.
A mesma prática foi adotada por empresas privadas que fornecem "patrocínios corporativos" para as melhores escolas.
Na China, o ensino médio é obrigatório – e gratuito – mas a realidade costuma ser mais complicada. À medida que os filhos crescem, os pais que não têm conexões precisam pagar repetidamente por melhores oportunidades educacionais. Em todo o país, esses pagamentos tomam a forma de taxas de "escolha de escolas", que abrem as portas para escolas fora do distrito ou da cidade listados no visto oficial de residência da família.
Essas taxas ilegais são especialmente onerosas para os milhões de trabalhadores migrantes que se mudaram para cidades distantes. O Ministério da Educação e o Conselho de Estado, o gabinete da China, proibiram oficialmente a "escolha de escola" e outras taxas não regulamentadas cinco vezes desde 2005, mas funcionários das escolas e importantes departamentos governamentais continuam encontrando formas criativas para driblar a proibição, e continuar fazendo o dinheiro circular. Em algumas das escolas mais bem qualificadas, estudantes com notas de admissão baixas podem "comprar" alguns pontos cruciais que os colocam acima da linha de corte para a admissão. De acordo com uma política informal mas amplamente conhecida de uma escola de elite de Pequim, os alunos recebem um ponto extra por cada US$ 4.800 que seus pais pagarem à escola. "Todos os meus colegas sabem disso", disse Polly Wang, 15, estudante que não pediu que a escola não fosse citada para evitar a repercussão.
Cercados por uma cultura onde o dinheiro é quem manda, os professores muitas vezes encontram seu próprio jeito de compensar seus salários deprimentes. Qin Liwen, jornalista que escreve sobre educação, diz que alguns professores oferecem aulas particulares e incentivam os alunos a comparecer evitando ensinar a eles partes essenciais do currículo durante as aulas regulares.
"Por que fazer algo de graça quando todo mundo está pagando você?", disse Qin. Diante da perspectiva de seu filho não receber instruções essenciais ou sofrer a ira do professor, muitos pais se sentem compelidos a pagar por esses cursos extras, diz ela.
A cultura da bajulação se torna uma competição dispendiosa no Dia do Professor, um feriado nacional em setembro, quando espera-se que estudantes de todas as idades levem presentes. Já se foram os dias em que um buquê de flores ou cesta de frutas eram suficientes. De acordo com relatos da mídia chinesa, muitos professores agora esperam ganhar relógios de grife, chás caros, cartões de presente e até mesmo férias pagas. Na Mongólia Interior, alguns pais dizem que os professores mais diretos gostam de receber cartões de débito ligados a contas bancárias podem ser reabastecidas ao longo do ano todo.
O valor desses presentes, estima o jornal Shanghai Daily, aumentou 50 vezes em relação a uma década atrás.
"É um ciclo vicioso", disse Zhao, proprietária da loja de eletrônicos em Pequim e mãe de uma menina de dez anos. "Se você não der um bom presente e os outros pais derem, você fica com medo de que o professor dê menos atenção ao seu filho."
Os alunos pobres são os mais vulneráveis nesta cultura de suborno. Bao Hong, de 33 anos, empregada doméstica em Pequim, costumava pensar que sua filha de sete anos de idade, Rui, estava indo mal na escola porque tinha sido criada no interior pelos avós. Bao agora culpa os professores.
No ano passado, disse ela, um professor bateu em sua filha e a chamou de "estúpida." Na primavera, o professor parou de dar notas à lição de casa de Rui e faltou a uma visita domiciliar obrigatória. "Minha filha é discriminada porque não ganhamos muito dinheiro", disse Bao, do lado de fora do quarto que aluga com o marido, que é gari de rua.
Alguns pais descobriram que a única maneira de preservar a integridade é rejeitar a educação chinesa totalmente. Desgostosa com a corrupção endêmica, Wang Ping, de 37 anos, dona de um bar em Pequim, decidiu enviar seu filho para estudar no exterior. Em agosto, ela chorou ao se despedir de seu único filho, a quem matriculou numa escola pública em Iowa.
"O sistema educacional da China é injusto para as crianças desde o início de suas vidas", disse ela. "Eu não quero que meu filho tenha mais nada a ver com isso.”
* Colaboraram Shi Da e Mia Li em Pequim
Tradutor: Eloise De Vylder    

Nenhum comentário: