Aberração religiosa
HÉLIO SCHWARTSMAN - FSP
SÃO
PAULO - A Suprema Corte dos EUA, em decisão que redefine as fronteiras
entre liberdade religiosa e obrigações legais de empresas, estabeleceu
que pequenas firmas familiares podem recusar-se a pagar a seus
funcionários seguros de saúde que cubram métodos contraceptivos aos
quais façam restrições morais.
Embora eu seja um defensor
intransigente das liberdades em geral, considero essa decisão um tanto
bizarra. Planos de saúde, afinal, são mais bem descritos como uma
modalidade de salário indireto do que como benefícios discricionários
que patrões oferecem a empregados. Se a moda pega, empresas dirigidas
por evangélicos poderiam exigir que seus funcionários não utilizassem
seus vencimentos para consumir álcool ou comprar pornografia.
E,
mesmo quem entende o seguro saúde como um pacote de favores que
companhias concedem a seus colaboradores, é complicado vincular questões
de saúde a visões religiosas. Pela lógica da maioria dos ministros da
corte, uma firma comandada por testemunhas de Jeová, por exemplo, teria o
direito de excluir procedimentos médicos que envolvam transfusões
sanguíneas.
Faz muito mais sentido apenas exigir que as empresas
paguem o plano e deixar que autoridades sanitárias, que combinam o saber
técnico com certa legitimidade política (elas são nomeadas por gestores
eleitos), definam o que ele deve incluir.
Mesmo para um ateu, a
liberdade religiosa é um valor a preservar. Mas ela é só materializa de
forma democrática quando fica restrita à esfera do estritamente pessoal.
Isso significa que esse gênero de liberdade deve ser forte no que diz
respeito a escolhas individuais, mas perde toda legitimidade quando se
transforma em imposições a terceiros. É perfeitamente razoável que o
dono da empresa não queira usar determinados métodos contraceptivos, mas
não que pretenda estender suas escolhas a seus empregados.
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