sexta-feira, 18 de julho de 2014

Comportamento agressivo da China desencadeou sentimento difícil de conter
Kishore Mahbubani - NYT
A China está prestes a destruir um milagre geopolítico. Em 1980, sua economia era equivalente a menos de um décimo da economia dos Estados Unidos. Em 30 anos, a China ascendeu a segunda maior economia do mundo, sem perturbar a ordem mundial. De repente, com pouco alerta, três décadas de administração cuidadosa de seus desafios externos foram substituídas por três anos de ações assertivas e ocasionalmente temerárias.
Essa nova postura explica em parte um consenso emergente na mídia ocidental de que a China se transformou em uma potência militar expansionista, ameaçando seus vizinhos e o mundo. Mas antes desse consenso ser gravado em pedra, nós devemos nos lembrar que a China é uma sociedade grande e complexa: nem o país e nem seu governo são monolíticos. Em uma recente visita a Pequim, eu vi que um debate caloroso está ocorrendo entre importantes líderes sobre que estratégia a China deve adotar enquanto caminha para se tornar a economia nº1 do mundo.
Em termos ocidentais, há tanto "falcões" como "pombos" no establishment chinês. Os falcões argumentam que a China é humilhada há mais de um século. Agora que a China está forte, ela pode se erguer e defender sua posição ousadamente, tanto no Mar do Leste da China quanto no Mar do Sul da China. Meu colega, o prof. Huang Jing, da Escola Lee Kuan Yew de Políticas Públicas, disse que os jovens oficiais do Exército de Libertação Popular estão conduzindo a China em uma rota de colisão com os Estados Unidos.
"Os jovens oficiais estão assumindo o controle da estratégia, e é como os jovens oficiais no Japão nos anos 30", ele disse. "Ele estão pensando no que podem fazer, não no que devem fazer. Isso é muito perigoso."
Eu concordo. Esses falcões chineses são perigosos. Nós só podemos especular sobre o que motiva essa agressividade entre a classe dos oficiais. Como membros de outros establishments militares, pode haver interesses na tensões, não na calma.
Mas os "pombos" não perderam o debate em Pequim. Em vez disso, eles estão usando a atual onda de críticas à China na mídia ocidental, assim como uma nova pesquisa do Centro Pew que mostra o aumento da ansiedade entre os vizinhos asiáticos da China, para fazer a liderança recordar da sabedoria do conselho de Deng Xiaoping para que a China mantivesse a discrição ao emergir como potência mundial.
A decisão da China, em julho de 2012, de bloquear uma declaração conjunta da Asean (Associação dos Países do Sudeste Asiático) a respeito do Mar do Sul da China, argumentam os pombos, foi um ato de loucura. Isso alienou a Asean, uma entidade multinacional que representa países com populações que totalizam 600 milhões, e que a China até então vinha cultivado assiduamente. De forma semelhante, os pombos dizem que não é sábio a China defender o mapa da "linha de nove traços" de suas reivindicações territoriais no Mar do Sul da China de forma agressiva demais, quando a China, como maior potência comercial do mundo, tem interesses muito maiores em manter os mares globais abertos.
Eles argumentam que o recente comportamento agressivo da China desencadeou um sentimento anti-China que será difícil de conter. Mais importante, eles dizem, o tempo está do lado da China. Ela pode se dar ao luxo de ser paciente à medida que cresce seu poder.
Dado esse debate interno, seria imprudente julgar de forma precipitada. A China não necessariamente se tornará mais hostil. As profecias ocidentais de uma China perigosa podem até mesmo se tornar autorrealizadoras caso provoquem uma reação nacionalista. Os chineses ainda são assombrados pelas humilhações sofridas nas mãos das potências ocidentais nas duas Guerras do Ópio do século 19. O aumento da opinião anti-China no jornalismo está alimentando a afirmação dos falcões de que há uma "conspiração de contenção" por parte do Ocidente.
Quando Mao Tsé-tung e Deng governavam a China, eles davam pouca atenção à opinião pública. Ambos os líderes fizeram concessões territoriais significativas quando resolveram as disputas de fronteira da China com a Rússia e com o Vietnã. Deng fez até mesmo uma oferta generosa de um "plano de pacote", em uma tentativa de resolver a disputa de fronteira entre a China e a Índia em 1980. Hoje, nenhum líder chinês, nem mesmo o presidente Xi Jinping, pode fazer concessões unilaterais desse tipo.
A opinião pública chinesa importa como nunca antes. A China conta atualmente com a maior comunidade de usuários de internet do mundo; ela é dinâmica e vibrante –mas também sob risco de ser dominada por vozes mais virulentas. Os líderes chineses devem responder à opinião pública chinesa, mas o Ocidente também tem seu papel, ao perceber como suas ações podem inflamar, em vez de acalmar, o sentimento nacionalista.
As prioridades dos líderes da China não mudaram. Eles passam talvez 90% de seu tempo concentrados em questões internas, não externas. Para terem sucesso em seus esforços de reforma, Xi e o primeiro-ministro Li Keqiang enfrentam desafios domésticos consideráveis.
Eles deram início a uma grande campanha contra a corrupção. Apesar desse esforço ser sem dúvida atrapalhado pelas disputas de facções dentro do partido, a corrupção é uma força que pode arruinar a legitimidade do Partido Comunista Chinês. O sucesso está longe de garantido, com os oponentes concebendo formas engenhosas de se protegerem. Importantes oficiais do Exército, como foi sugerido, podem incitar tensões externas para se salvarem de investigações internas.
Acima de tudo, a economia se agiganta na mente dos líderes chineses. A necessidade de reduzir o papel das empresas estatais é um dos grandes desafios enfrentados pelo país. A China atualmente produz sete milhões de formados no ensino superior por ano, muitos dos quais são incapazes de encontrar trabalho. Essa é uma questão muito mais importante para os líderes chineses do que a soberania sobre algumas rochas estéreis nos mares próximos.
Já que a liderança deseja se concentrar nos problemas domésticos, o mundo deve deixar. A comunidade internacional tem o interesse claro de que os pombos vençam os falcões no debate interno sobre o papel geopolítico da China, de modo que deve fazer a si mesma uma pergunta simples: O que podemos fazer para ajudar os pombos? 
Tradutor: George El Khouri Andolfato

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