Elise Vincent - Le Monde
Há um ano, um inesperado muro liga dois prédios residenciais do bairro de Zapad, em Kosice, uma grande cidade industrial situada a leste da Eslováquia. Dezoito lajes de concreto e algumas horas de trabalho foram suficientes para erguer esses 45 metros de barreira cinza. O responsável por sua construção, um prefeito preocupado em atender aos pedidos de seus cidadãos, achou que estava fazendo o certo. Os habitantes se queixavam de perturbações noturnas no estacionamento entre os dois prédios.
Mas a construção do tal muro suscitou um debate tão delicado quanto polêmico na Eslováquia. A questão era a seguinte: seria possível que essa deselegante barreira, construída às pressas sem aviso, no meio do calor do verão, na verdade fosse um muro "anti-ciganos"? As evidências do urbanismo confirmaram a hipótese.
O maior "gueto" cigano da Europa se encontra justamente do outro lado da estrada: Luník 9, o nome de uma missão espacial para um bairro que parece ter sido bombardeado. Cerca de 6.500 eslovacos de origem cigana se amontoam ali, dez por apartamento, desde sua criação, em 1981. Metade dos vidros sumiu. Algumas casas permaneceram pretas de fuligem como consequência de incêndios. As lixeiras jogadas pelas janelas acabaram se amontoando em pilhas tão grandes que chegam até os primeiros andares, tornando o ar irrespirável.
Muitas famílias superendividadas
Na Eslováquia, quase 10% dos 5,4 milhões de eslovacos são de origem cigana --um dos maiores índices da Europa. Mas desde a queda do comunismo, em 1989, quando o trabalho era obrigatório, eles foram continuamente se afundando na pobreza. Somente 20% dos homens têm emprego hoje. Muitas famílias estão superendividadas e a intolerância contra elas tem sido cada vez maior.Mas em Kosice, o estacionamento situado entre os dois prédios de Zapad era um local de passagem cotidiano para os ciganos de Luník 9. "Era um atalho para pegar o ônibus", explica Maria (o nome foi modificado), 45, de rosto marcado e corpo franzino. "Era também um atalho para chegar até o supermercado", explica essa mãe de nove filhos, reconhecendo também que "muitos jovens iam ali beber", perturbando os moradores de Zapad.
A prefeitura de Kosice continua negando que haja qualquer "racismo", explicando que os jovens ciganos de Luník 9 não eram de forma alguma os únicos jovens a incomodarem a vizinhança. Jovens eslovacos também costumavam fazer pequenos tráficos no local. Passada a polêmica, o muro foi implicitamente validado. O desvio imposto aos ciganos foi considerado mínimo. Os distantes apelos por sua destruição feitos pela Comissão Europeia não mudaram nada.
Em Ostrovany, o muro foi repintado com faixas coloridas
O mesmo vale para Ostrovany, um vilarejo rural de 1.800 habitantes situado a uma hora de estrada de Kosice. Em 2009, foi lá, no meio das plantações de colza, que foi construído o primeiro muro da Eslováquia oficialmente "anti-ciganos". O primeiro de uma série de 14 espalhados por todo o país, segundo um recenseamento de ativistas. Em Ostrovany, não só o prefeito deu seu consentimento, como ele financiou com verba pública os 12 mil euros (cerca de R$ 36 mil) usados na construção.O muro, com cem metros de comprimento, foi construído próximo ao jardim de um conjunto de casebres em chapisco claro. Ele não impede a circulação de ciganos, mas separa as casas da favela cigana. Um acampamento de terra foi feito --um dos 600 da Eslováquia-- com abrigos de toras de madeira e crianças brincando no meio do lixo.
Antes da construção do muro, a vizinhança se queixava de roubos de frutas e legumes em suas hortas. Uma violenta agressão a um morador de Ostrovany por ciganos da favela, quando ele tentava impedir o roubo de uma televisão, fez o resto. A cerca foi construída em retaliação. Mais uma vez, depois de manifestações de indignação, o muro ficou. Hoje, os ciganos de Ostrovany guiam sorrindo visitantes estrangeiros até o local. Já que não conseguiram sua demolição, ativistas o repintaram com faixas coloridas.
"Falta vontade política"
Hoje as tensões cresceram tanto entre ciganos e eslovacos que mesmo Miroslav Sklenka, 37, cabeça da Comissão Europeia na Eslováquia, se recusa a criticar os prefeitos de Kosice e de Ostrovany. "Estou tentando entender", ele alega. Engajado há 16 anos na causa dos ciganos, esse dinâmico sujeito está preocupado, mas acabou teorizando uma linha de conduta que ele solta como uma bomba: "É difícil ser otimista quanto aos ciganos, então tento pelo menos ser pragmático."Vendo as coisas pelo lado bom, Sklenka lista os avanços efetuados desde 2004, data da adesão da Eslováquia à União Europeia: caravanas de médicos pelos acampamentos, postos de assistentes sociais, centros socioculturais no centro dos guetos...
Desde 2005, a prefeitura de Kosice também construiu um conjunto habitacional modelo para realocar cerca de 150 ciganos. Cerca de 30 apartamentos com balanços, gramado aparado e "aquecimento a gás", exalta o oficial da prefeitura.
Em nível nacional, em 2009, um "plano estratégico" de redução gradual da pobreza também foi criado. Ele foi renovado até 2020, com uma dotação de 300 milhões de euros (R$ 900 milhões) da União Europeia. "Mas não é dinheiro que falta, é vontade política", assinala Sklenka.
Os muros de Kosice e de Ostrovany na verdade refletem a vitória, na Eslováquia, do cansaço e da resignação. Em muitos bairros como Luník 9, os "não-ciganos" foram se mudando aos poucos, deixando grupos inteiros de crianças ciganas entre eles. Ninguém gosta da palavra "segregação" na Eslováquia. As pessoas preferem falar em um fenômeno lamentável, mas inevitável, de contornamento. Sobre as lajes de concreto que agora barram o acesso ao bairro de Zapad, uma pequena mão anônima deixou escrito em grandes letras brancas: "Desculpe".
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