O antimilagre econômico do governo brasileiro
Rolf Kuntz - O Estado de S. Paulo
Milagre econômico, no Brasil, na Alemanha ou no Japão,
é só um exagero de linguagem, mas antimilagre é uma realidade inegável.
Se alguém duvidar, examine os números da indústria, das contas
externas, do investimento produtivo e do crescimento do produto interno
bruto (PIB) nos últimos quatro anos. De janeiro a junho - só para citar
um exemplo - a corrente de comércio foi 2,8% menor que a de um ano
antes, com redução tanto das exportações quanto das importações. É um
claro sintoma de graves desarranjos na economia. Na maior parte do
mundo, governos comuns, sem talentos excepcionais e sem poderes mágicos,
derrubam o crescimento para conter a inflação, fechar buracos nas
contas externas ou controlar a dívida pública - muitas vezes para cuidar
de todos esses problemas ao mesmo tempo. Essa política pode ser
dolorosa, mas com frequência é inevitável. Numa exibição de virtudes
extraordinárias, o governo da presidente Dilma Rousseff realizou a
mágica oposta: reduziu o crescimento industrial, espalhou a insegurança
entre empresários e consumidores e fez encolher o comércio exterior sem
atacar um só desajuste fundamental. O desemprego medido pelo Pnad, 7,1%
no primeiro trimestre, supera o de várias economias desenvolvidas. É
como se o País sofresse os efeitos penosos de uma terapia severa - mas
sem terapia.
Esse antimilagre se explica por uma combinação desastrosa de
vários fatores - diagnóstico errado, confusão de objetivos,
voluntarismo, populismo e sujeição das decisões econômicas a interesses
pessoais e partidários. O problema do diagnóstico bastaria, sozinho,
para causar boa parte dos estragos dos últimos anos. As primeiras ações a
partir da crise global podem ter sido corretas, ou pelo menos
justificáveis, mas as condições mudaram e a política, apesar disso, foi
mantida.
Desde o fim de 2008 o governo tenta estimular a economia como se
o País estivesse, em todo esse tempo, travado por problemas
conjunturais. Problemas desse tipo justificariam os estímulos ao
consumo, assim como justificaram, em 2009, o Programa de Sustentação do
Investimento (PSI), bancado com subsídios pelo Tesouro e operado pelo
Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Lançado
como ação provisória, em 2009, o programa foi prorrogado várias vezes e
seu prazo atual terminará no fim do próximo ano. Há muito tempo deixou
de ser uma ação contracíclica, assim como os estímulos fiscais e
financeiros ao consumo. As autoridades, no entanto, nunca admitiram esse
fato.
O impacto recessivo da crise de 2008 durou até 2009 para o
Brasil e para a maior parte dos emergentes, mas o governo brasileiro
continuou agindo como se o quadro nunca tivesse mudado. O diagnóstico de
crise conjuntural pode ter sido correto em 2008 e 2009, mas o governo
deveria tê-lo abandonado há muito tempo. Ao mantê-lo, manteve também uma
estratégia esgotada, custosa, inflacionária e ineficaz - uma paródia de
política keynesiana. Ao insistir em ações de efeito conjuntural, o
governo tratou como desafios de curto prazo problemas estruturais. A
percepção desses problemas parece ter sido sempre muito fragmentada e,
além disso, prejudicada pela insistência em atribuir o baixo crescimento
da economia nacional a causas externas.
A alardeada redescoberta do planejamento nunca foi além da
retórica. O Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), inventado em
2007 e mantido a partir de 2011, nunca foi mais que uma costura malfeita
de retalhos juntados sem efetiva articulação e sem prioridades bem
definidas. Acabou servindo para um discurso mistificador, ao incorporar,
por exemplo, o plano de investimentos da Petrobrás. Esse plano,
atualizado regularmente, era parte da rotina da empresa e continuaria
existindo sem o PAC. Mais que isso: seria executado com eficiência muito
maior sem a interferência de interesses políticos, pessoais e
partidários. Enfim, cada novo balanço confirma o peso desproporcional
dos financiamentos imobiliários e das construções habitacionais no total
das aplicações.
Sem surpresa, o PSI, o PAC, as desonerações e os estímulos
fiscais e financeiros a setores e a grupos selecionados foram
insuficientes para impulsionar a indústria e o investimento. O total
investido em capital fixo - máquinas, equipamentos, construções e
instalações particulares e obras de infraestrutura - continua na
vizinhança de 18% do PIB. A meta de 24%, padrão encontrado facilmente em
outros emergentes, continua como promessa para um futuro indefinido. O
pífio desempenho da indústria - de janeiro a maio produção 1,6% inferior
à de um ano antes - é apenas a continuação de três anos e meio muito
ruins, segundo o IBGE.
Não se trata de problema conjuntural, mas de competitividade,
disse na quinta-feira o gerente executivo de pesquisa da Confederação
Nacional da Indústria (CNI), Renato da Fonseca. A encrenca é reconhecida
tanto no Brasil quanto no exterior. A distância entre a produtividade
brasileira e o padrão médio das economias desenvolvidas continua muito
grande, segundo estudo publicado na semana pela Organização para a
Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE).
A advertência vale para a maior parte dos emergentes, mas é
especialmente importante para o Brasil, estagnado e cada vez menos
competitivo. O déficit comercial acumulado no ano só diminuiu de maio
para junho (quando chegou a US$ 2,490 bilhões) porque as importações
diminuíram. Em junho a receita das vendas foi 3,2% menor que a de um ano
antes, mas a despesa foi 3,8% inferior à de junho de 2013 - mais um
sinal de uma economia murcha.
Em pesquisa publicada em dezembro pela CNI, 64% dos consultados
mencionaram ganhos de produtividade em suas empresas em cinco anos. Mas
só 7% avaliaram suas companhias como mais produtivas que as
estrangeiras. Doze por cento apontaram produtividade similar, 28%
qualificaram suas empresas como menos produtivas e - mais notável - 53%
nem sequer responderam. Terá alguma autoridade, em Brasília, lido essa
pesquisa?
Nenhum comentário:
Postar um comentário