O Estado de S.Paulo
Não há melhor exemplo do jogo de empurra que tem paralisado
obras pequenas e grandes a cargo do governo federal do que a extensão de
3 km de acostamento na BR-101 no Morro dos Cavalos, em Palhoça, na
Grande Florianópolis, um gargalo que tem causado diversos acidentes,
elevação de custos para as empresas e congestionamentos nos fins de
semana e na estação de férias, quando milhares de turistas afluem às
praias de Santa Catarina. Noticia-se agora que, com a recente concessão
de licença do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos
Naturais Renováveis (Ibama), os últimos acertos estão sendo feitos para
realizar a obra, planejada há 44 anos, batendo o recorde brasileiro de
atraso.
Apesar de ser uma obra simples e de extensão limitada, o acostamento nesse trecho da BR-101 representou um verdadeiro pesadelo burocrático, tendo de satisfazer a uma série de interesses. "Toda obra que envolve uma comunidade indígena é sensível e complexa por se tratar de uma minoria carente de recursos de toda ordem", disse ao Estado o ainda diretor-geral do Dnit, general Jorge Fraxe. "No caso específico do Morro dos Cavalos, some-se a essa complexidade a questão da desintrusão." Ele se referiu à negociação para retirada das famílias não indígenas que vivem na área, questão também problemática e ainda sem solução.
A execução da obra foi inicialmente contestada pelo Ministério Público de Santa Catarina, que determinou a sua paralisação por não terem sido obtidas todas as licenças necessárias para o projeto e por entender que os índios eram proprietários não só do solo por eles ocupados, mas também do subsolo. Uma das ideias foi a duplicação da rodovia em torno do Morro dos Cavalos por meio de viadutos e pontes, mas o Tribunal de Contas da União (TCU) vetou o projeto por considerá-lo muito dispendioso. Depois de demorados estudos técnicos, optou-se por dois túneis.
A Advocacia-Geral da União conseguiu uma liminar desvinculando as obras do acostamento da construção dos túneis, mas isso, obviamente, não dispensou o licenciamento ambiental e as garantias de proteção a comunidades indígenas.
Ocorre que, em casos como este, o Ibama não pode conceder a licença sem assentimento da Fundação Nacional do Índio (Funai). Por si, isso tornaria o licenciamento ainda mais moroso e, de fato, a Funai chegou a ser acusada de protelar o processo até obter a homologação da demarcação da área indígena. Em relatório sobre a extensão do asfaltamento da BR-101, o Dnit afirmou também que a Funai vinha criando novas situações a cada reunião, fazendo exigências adicionais.
Ricardo Burg, técnico da Funai, responsável pelo licenciamento, afirma, porém, que a área já é demarcada e negou que o órgão tenha tentado atrasá-la. "Fizemos apenas o que está previsto no regulamento - nem mais nem menos", disse ele, embora a homologação ainda dependa de decreto da presidente da República.
O Ibama também passou a exigir que fosse preservada a vegetação existente na área e replantá-la. Para isso, o Dnit teve de fazer um inventário de todas as plantas existentes, depois de esperar dois anos por uma licença. Mas o órgão cumpriu todos os requisitos e, no início deste mês, operários começaram a plantar bromélias no entorno do acostamento.
Todos esses fatos ajudam a explicar o atraso recorde, mas não o justificam. Entidades de industriais e transportadores catarinenses comemoram o licenciamento do Ibama, com a concordância da Funai, e esperam que não surjam outros empecilhos para que esse gargalo seja superado, depois de tantos atropelos.
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