quarta-feira, 29 de outubro de 2014

Chile e Espanha têm a reinvenção como desafio
María de los Ángeles Fernández-Ramil - El País
Pedro Cerda/ AgÊncia Uno/ Xinhua
A presidente do Chile, Michelle Bachelet, deve renegociar acordos comerciais com a União Europeia A presidente do Chile, Michelle Bachelet, deve renegociar acordos comerciais com a União Europeia
Pouco mais de seis meses depois de iniciar seu segundo mandato, a presidente do Chile, Michelle Bachelet, inicia um giro pela Europa. Ela visitará dois países, cada qual com sua conotação especial. Por um lado, a Alemanha, onde viveu seu exílio, conduzida por Angela Merkel, com quem, segundo estudiosas da liderança política feminina, teria mais que alguma coincidência. Por outro a Espanha, de onde tomou a paridade de gêneros como critério para formar seus gabinetes.
Um sinal eloquente é que se trata da primeira visita de Estado de um governante estrangeiro desde que o rei Felipe 6º assumiu a coroa. Embora deva ser assinados convênios em diversas áreas, não é surpreendente que a viagem tenha um acento empresarial. Por outro lado, um dos objetivos é a renegociação do acordo que firmado com a União Europeia há dez anos.
A estreita relação comercial entre Chile e Espanha encontra ambos os países enfrentando disjuntivas econômicas de natureza diversa. O primeiro experimenta sinais de desaceleração econômica, tendo-se gerado um amplo debate sobre sua origem. Enquanto alguns a explicam pelo fim do superciclo das commodities, outros a atribuem à incerteza provocada pelas reformas fiscal, eleitoral e educacional que o governo da Nova Maioria está promovendo. Os sinais foram advertidos em 2013 durante a administração de Sebastián Piñera, na qual nada se fez de significativo para romper as amarras de sua economia com a exportação de cobre.
A Espanha, por sua vez, encontra-se manobrando no meio da crise econômica mais crucial de sua história recente. A América Latina sempre foi o destino preferencial para seu investimento, que se espera que entre agora em um "terceiro tempo" marcado por um fluxo bilateral mais igualitário. Assim se sinalizou na última assembleia do Conselho Empresarial da América Latina (Ceal), na qual também se abordou o potencial para o aumento da riqueza que tem a incorporação laboral feminina. O Chile aspira a dar garantias de sua estabilidade e segurança jurídica, assim como informar que as mudanças estruturais em curso, apoiadas por organismos como FMI e Cepal, são indispensáveis para garanti-las.
Dado o papel que teve o investimento estrangeiro direto (IED) no crescimento econômico chileno, a Espanha é um parceiro a cuidar: é o primeiro investidor estrangeiro direto em termos de ações, com US$ 32,26 bilhões. Trata-se de um portfolio diversificado onde sobressaem setores como infraestrutura e energia. Nessa etapa veio somar-se um importante contingente de pequenas e médias empresas. Entretanto, se encontrará com uma Espanha que aspira a ser, mais que doadora, ponte para a Europa e a África. Já em 2013 foi o país da zona do euro que mais investimento estrangeiro atraiu. Nesse marco, o Chile é apetecível: segundo dados da Cepal para 2012, seu investimento no exterior foi o segundo mais alto da América ibérica.
Os fluxos comerciais não deveriam esgotar a relação bilateral enquanto houver espaço para desafiar as ideias convencionais sobre a cooperação. Fatores históricos e estruturais parecem avalizá-lo. A transição chilena à democracia se inspirou nos Pactos de La Moncloa. Por outro lado, é possível gerar conversas de outro tipo em torno de dois desafios estratégicos de médio prazo. Ambos enfrentam a exigência de revisar suas estratégias de desenvolvimento, assim como os papéis atribuídos ao Estado e ao mercado.
No caso do Chile, o comércio exterior constitui uma dimensão estrutural de sua economia. É o primeiro país do mundo em número de acordos comerciais firmados que lhe garantem acesso preferencial a mercados que representam mais de 90% do PIB mundial. Mas o país deve superar seu problema energético, sua escassa diversificação e sua baixa produtividade para escapar da chamada "armadilha dos países de renda média". No caso da Espanha, observa-se uma aposta em um modelo de exportações de bens e serviços com um papel crescente do livre mercado, com pretensão de deixar para trás a dependência da construção e o suporte do setor turístico.
O modelo de desenvolvimento, em todo caso, faz parte de uma empresa maior. Por motivos diferentes, os dois países estariam enfrentando o que se chama de "segunda transição", na qual deverão revisar suas bases constitucionais. Não é por acaso que a comitiva chilena seja integrada por Ximena Rincón, ministra secretária-geral da Presidência e que tem a seu encargo a tarefa de propor à presidente Bachelet o mecanismo que permita concretizar uma nova Constituição. O Chile é o único país da América Latina que mantém uma Constituição estabelecida na ditadura. Isso se tornou um problema, tanto para o desenvolvimento econômico e social como para o avanço dos direitos sociais.
Quanto à Espanha, o desafio soberanista catalão pôs em xeque seu modelo teórico territorial, embora o movimento 15-M tenha revelado a necessidade de encarar a chamada "regeneração democrática". A Espanha mudou somente duas vezes sua carta magna, motivada por sua vinculação com a UE. É curioso que tanto o Chile como a Espanha também sejam unidos nesse aspecto, certa reticência, mas, ao que parece, estamos em tempo. Já um autor como Roelofs disse em sua época que "a governabilidade tem que ser reinventada a cada 20 anos". 
Tradutor: Luiz Roberto Mendes Gonçalves

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