quinta-feira, 30 de outubro de 2014

O caminho de um homem da Alemanha ao terrorismo na Síria
Melissa Eddy - NYT
As autoridades estavam vigiando Ismail Issa quando ele voltou para a Alemanha no ano passado para uma maratona de compras incomum: quatro relógios esportivos da cadeia popular de supermercados Aldi por $ 28 euros (cerca de R$ 90); 10 pares de calças ranger de vários tamanhos, de uma loja online de roupas do Exército dos EUA por $ 190 euros; um dispositivo de visão noturna de uma loja de caça de Stuttgart por $ 4.018 euros.
Os itens, entre outros, foram encontrados em bolsas e mochilas na caminhonete Ford vermelha que Issa e um amigo estavam dirigindo em direção à Síria quando a polícia os parou em uma área de descanso da estrada, suspeitos de apoio a um grupo terrorista.
Em um indiciamento de 81 páginas obtido pelo jornal "The New York Times", o Ministério Público apresenta um relato extraordinariamente detalhado do que levou Issa, 24, àquela parada de descanso no dia 13 de novembro. O documento, que segundo os promotores baseava-se muito nas informações prestadas por Issa à polícia depois de sua prisão, é um exemplo de roteiro de radicalização, traçando a evolução de um jovem imigrante alienado na Alemanha que se torna um fornecedor de confiança de um grupo extremista islâmico na Síria.
O indiciamento descreve como os voluntários jihadistas são contrabandeados para a Síria a partir da Turquia, a sua preparação para a batalha em campos de treinamento e como são usadas na causa militante. O caminho de Issa é "bastante típico" daquele que é feito por muitos estrangeiros indo para a Síria, de acordo com Peter Neumann, diretor do Centro Internacional para o Estudo da Radicalização, do King College de Londres. O caso, no entanto, fornece o tipo de informação que as autoridades esperam poder usar para impedir que outros sigam um curso similar.
Segundo o documento de acusação, a polícia encontrou um pequeno caderno nos pertences de Issa que incluía listas de compras manuscritas: nomes de 10 homens com os seus tamanhos jaqueta e calça; artigos médicos; dispositivos de visão noturna; livros; e doces. Também foram encontrados muitos recibos, segundo a polícia.
O julgamento de Issa está marcado para começar no dia 5 de novembro em Stuttgart. O caso ocorre em meio a temores de agravamento das ameaças de segurança com o retorno de jihadistas. Mais de 450 pessoas saíram da Alemanha para a Síria desde que o conflito começou, e cerca de 130 retornaram, disseram as autoridades. Acredita-se que cerca de 25 têm experiência no campo de batalha.
Os promotores disseram que tinham iniciado mais de 140 investigações relacionadas ao extremismo islâmico, muitas vezes envolvendo mais de um suspeito.
Em uma audiência fechada após sua prisão, Issa admitiu seu envolvimento e forneceu detalhes de seus movimentos, segundo os promotores. No direito alemão, o réu não se diz inocente ou culpado até o julgamento. Seus advogados recusaram pedidos para entrevistas.
Issa está em uma prisão estadual desde sua detenção. Se condenado, ele pode pegar até 10 anos de prisão, que é o máximo no direito alemão.

Causa jihadista

A acusação movida pelo Ministério Público Federal retrata a vida de Issa desde sua infância como imigrante na Alemanha até o dia 22 de agosto de 2013, quando ele embarcou em um avião em Duesseldorf para Gaziantep, na Turquia, para se juntar à causa jihadista.
No final de 2012, segundo o documento, Issa sentiu-se no dever de viajar para a Síria para lutar. Ele fez uma peregrinação a Meca, juntamente com vários extremistas e, logo após seu retorno à Alemanha, voou para a Turquia. Um contato arranjado por seus companheiros de peregrinação instruiu-o a tomar um ônibus para Kilis, uma cidade de fronteira a cerca de uma hora de distância.
Lá, outro contato o pegou na estação de ônibus e o levou para uma casa em uma área residencial de uma aldeia próxima. Segundo o documento, Issa disse à polícia que teve que entregar o seu passaporte para os rebeldes para que avaliassem sua origem e identidade.
Duas semanas depois, dois homens o contrabandearam para a Síria. Ele foi novamente questionado em um posto administrado pelo grupo insurgente Exército Livre Sírio, perto de Azaz, que caiu para o domínio do Estado Islâmico na época. Quando o comandante deu o sinal verde, ele se mudou para um campo de treinamento nas colinas perto de Atman.
O acampamento era liderado por um comandante tchetcheno da Brigada Muhajireen, um grupo que parece ter se unido ao Estado Islâmico. Os voluntários treinam por cerca de um mês antes de serem autorizados a participar das batalhas, disse Issa à polícia.

Treinamento

"Não é como vocês pensam", disse Issa a um amigo que lhe perguntou sobre a luta na Síria, em uma conversa telefônica gravada por investigadores alemães. "Antes de receber autorização para participar, primeiro você tem que passar por instrução e treinamento."
Issa aprendeu a lidar com armas, passou por um treinamento físico e estudou uma forma radical de islamismo. Os graduados tinham permissão para trabalhar em postos de controle ao redor do acampamento.
Issa disse que se mudou para um acampamento perto de Anadan, onde se juntou a 40 ou 60 outros. Os promotores afirmam que ele participou de várias batalhas pelas casas nos arredores de Aleppo antes de machucar o pulso esquerdo tão severamente que não podia lidar com uma arma. Detalhes da lesão não foram fornecidos.
O uso de recrutas considerados "um pouco inúteis" em viagens em busca de mantimentos disponíveis apenas na Europa não é incomum, disse Neumann do Kings College de Londres. O comandante de Issa ordenou-lhe que voltasse para a Alemanha para fazer compras.
As trocas de mensagens de bate-papo com seu irmão e amigos, obtidas por oficiais da inteligência alemã e citadas na acusação, indicam que Issa ficara decepcionado de deixar a luta. No entanto, no dia 21 de outubro, ele voou de Istambul para Amsterdã e, em seguida, pegou um voo para Stuttgart. Logo depois, as autoridades, seguindo uma pista, começaram a investigá-lo.
Registros de suas mensagens telefônicas mostram que Issa permaneceu em comunicação constante com seus contatos na Síria durante suas semanas na Alemanha, inclusive enviando fotos das roupas de camuflagem pelo serviço de mensagens WhatsApp. Eles pediram que se apressasse. A luta pelo controle de Aleppo entre as forças do governo sírio e os rebeldes havia se intensificado, e os rebeldes estavam mobilizando cada recruta possível.
"Como é que vai, irmão, quando você volta, inshallah?", escreveu o contato de Issa na Síria em uma mensagem encontrada pelos investigadores. "Meu irmão, quando você volta, estamos esperando por você." 
Tradutor: Deborah Weinberg

Nenhum comentário: