Rémy Ourdan - Le Monde
Khalid Mohammed/AP
Khalid Mohammed/AP

Falah Mustafa, ministro das Relações Exteriores do governo regional do
Curdistão (KRG) iraquiano, defende que uma força militar regional árabe
combata o Estado Islâmico no Iraque e na Síria.
A decisão de enviar 150 combatentes peshmergas do Curdistão iraquiano com armamentos pesados para Kobani, na Síria, seria um divisor de águas para os curdos e para a região?Falah Mustafa - É uma decisão histórica. O Curdistão tem mostrado que ele está na linha de frente da coalizão internacional contra o Estado Islâmico (EI). Devemos vencer o EI. Estamos do lado da paz, da democracia, da tolerância. E nossa responsabilidade internacional, moral e em relação a nossos irmãos curdos da Síria é intervir e vencer o Estado Islâmico.
É a primeira vez que os peshmergas vão combater fora das fronteiras do Curdistão iraquiano. Isso não agrada a todo mundo...
Em primeiro lugar, a operação em Kobani é uma operação contra os jihadistas do Estado Islâmico. Nós devemos combatê-los onde quer que eles estejam. Segundo, o Curdistão deve apoiar seus irmãos curdos, inclusive fora do Iraque. Por fim, o Curdistão é um exemplo para o mundo livre. Nós fazemos aquilo que é certo. O obstáculo principal dessa operação foi geográfico. Devemos negociar com a Turquia. Senão, teríamos intervindo antes em Kobani, e com mais combatentes.
O apoio recebido da comunidade internacional desde a ofensiva do EI contra o Curdistão em agosto tem sido suficiente, de um ponto de vista militar, para ao mesmo tempo defender a região e intervir na Síria?
Nós apreciamos muito esse apoio, mas precisamos de mais. Estamos na linha de frente em nome do mundo civilizado, da liberdade.
O primeiro desafio é o da segurança. Precisamos de armas pesadas para conduzir ofensivas para destruir o Estado Islâmico: drones, tanques, artilharia pesada, armas antitanques… As incursões aéreas estrangeiras são eficazes, mas não bastam. E precisamos compartilhar melhor a inteligência militar.
O segundo desafio é humanitário. Há mais de 1,5 milhão de refugiados do Iraque e da Síria no Curdistão. Cerca de outros 10 mil acabam de chegar de Kobani, através da Turquia. E isso está acontecendo em um ano em que não recebemos nada, em termos de orçamento, de Bagdá. Nossos peshmergas não recebem há três meses. Precisamos de apoio humanitário e financeiro.
O terceiro desafio é político. É preciso apoiar o processo político que está em andamento no Iraque. É preciso dar uma chance a uma nova coalizão no Iraque. Para isso, nossos aliados estrangeiros devem dizer a Bagdá que não repita os mesmos erros do passado.
O quarto desafio é o apoio às minorias, particularmente visadas pelo Estado Islâmico. Acabo de voltar de uma viagem a Haia, Bruxelas, Estrasburgo e Genebra para encorajar o reconhecimento de crimes que são crimes de genocídio.
A França foi um dos primeiros países a se engajar junto ao Curdistão contra o Estado Islâmico, quando os jihadistas ameaçavam Erbil. Hoje, como o senhor considera sua posição?
Sentimos uma imensa gratidão pelo posicionamento francês. A França estava lá em agosto quando precisamos de ajuda, e ela continua muito ativa.
O presidente Hollande fez uma visita histórica ao Curdistão [a visita do presidente francês no dia 12 de setembro a Erbil foi a primeira de um chefe de Estado estrangeiro na história do Curdistão]. Foi uma decisão corajosa, e um divisor de águas em nossas relações. Agora precisamos de ainda mais ajuda militar e humanitária.
O presidente do Curdistão iraquiano, Massoud Barzani, falou desde o início da crise iniciada pelo Estado Islâmico sobre a perspectiva de uma independência curda. Ele não fala mais disso hoje. Vocês sofreram pressões? Essa declaração assustou seus aliados?
Sem os erros de Nouri al-Makili [o primeiro-ministro no poder em Bagdá de 2006 a setembro de 2014] e sem a guerra na Síria, não estaríamos aqui. O Curdistão não quer fazer parte desse Iraque. Foi Bagdá que, governado por Maliki, nos levou para fora do Iraque.
A escolha do Curdistão é entre um Iraque federal ou um referendo sobre a independência. Felizmente, Maliki foi substituído. Estão acontecendo novas conversas. Podemos voltar a falar em um Iraque federal e democrático, que é nossa atual prioridade. Se isso não der certo, não poderão nos culpar.
O Estado Islâmico pode ser vencido rapidamente, ou esse conflito será uma guerra longa?
É importante não subestimar o Estado Islâmico, que tem uma forte rede internacional e armamentos sofisticados. Essa guerra será longa. E não se deve vencer o Estado Islâmico só militarmente, é preciso vencer sua ideologia.
Para isso, é necessária uma cooperação regional e internacional. O Estado Islâmico é uma ameaça para todos. Nenhum país está a salvo. Até hoje, cada país da região via o EI à luz de seus próprios interesses, especialmente a respeito da Síria. Nas últimas semanas, a cooperação regional tem sido melhor.
A coalizão internacional tem feito de tudo para vencer o Estado Islâmico? O que o senhor acha do debate sobre a necessidade ou não de tropas terrestres?
Não queremos tropas estrangeiras em solo. Temos nossos peshmergas, e temos parceiros em outras partes no Iraque e na Síria, ainda que nem sempre seja fácil encontrar parceiros confiáveis. O exército iraquiano ruiu, e não queremos voltar aos tempos das milícias [xiitas].
Ou então por que não uma força militar regional árabe? Não para o Curdistão, mas para outras regiões do Iraque e da Síria. Todos os países da região estão ameaçados. A coalizão internacional precisa abordar o tema de uma força regional árabe.
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