quinta-feira, 30 de outubro de 2014

Egito remove bairro para criar "zona-tampão" com Gaza
Kareem Fahim e Merna Thomas - NYT
Said Khatib/AFP
29.out.2014 - Fumaça cobre o céu da cidade egípcia de Rafah, após um bombardeio feito pelas forças de segurança do Egito, na fronteira com a faixa de Gaza 29.out.2014 - Fumaça cobre o céu da cidade egípcia de Rafah, após um bombardeio feito pelas forças de segurança do Egito, na fronteira com a faixa de Gaza
Com tratores e dinamite, o exército egípcio deu início na quarta-feira (29) à demolição de centenas de casas, deslocando milhares de pessoas, ao longo da fronteira com a Faixa de Gaza. O esforço foi motivado pelo pânico para estabelecimento rápido de uma "zona-tampão", que as autoridades esperam que impeça o trânsito de militantes e armas pela fronteira.
As demolições, que atravessam bairros lotados na cidade de fronteira de Rafah, tiveram início com as ordens de evacuação na terça-feira (28) e fazem parte de uma ampla resposta de segurança do governo do presidente Abdel-Fattah al-Sisi aos meses de ataques mortais por militantes contra pessoal de segurança egípcio na Península do Sinai, incluindo o massacre de pelo menos 31 soldados na última sexta-feira (24).
Esse ataque foi o mais mortal contra os militares egípcios em anos, assim como um golpe contra o governo, que alega estar vencendo a batalha contra os insurgentes. A adoção de uma tática dura de contrainsurreição –a destruição de até 800 casas e o deslocamento de 10 mil pessoas para eliminar "ninhos terroristas", como colocou o porta-voz de Sisi – acentua as dificuldades enfrentadas pelos militares para quebrar os militantes, assim como a revolta que operações como a de quarta-feira inevitavelmente provocam.
"Nossa casa em Rafah tem mais de 60 anos", escreveu Hammam Alagha pelo Twitter na terça-feira, detalhando o despejo de sua família em uma série de postagens amplamente compartilhadas. Depois que um oficial do exército pediu a evacuação da família –e Alagha disse que se recusou– o oficial "disse que amanhã nós a bombardearemos com tudo dentro".
Mustafa Singer, um jornalista baseado no Sinai que estava próximo da fronteira na quarta-feira, disse que apesar dos moradores terem se reunido com as autoridades nas últimas semanas para discutir indenizações, a ordem de evacuação na terça-feira –dada por megafones– pegou as pessoas de surpresa.
A remoção de casas na fronteira ocorre com a sinalização das autoridades de uma crescente determinação em expandir seu alcance de segurança por todo o Egito, para conter os militantes, dizem, mas também para esmagar afloramentos de dissensão comum, afirmam defensores de direitos. Também foi o caso mais recente do uso pelo governo da força esmagadora de seu aparato de segurança para enfrentar o que considera uma ameaça à existência do Egito, seja a força crescente dos militantes ou as manifestações por milhares de islamitas durante a derrubada do governo de Mohamed Mursi.
Algumas das medidas recentes, incluindo a repressão aos protestos nas universidades e um decreto presidencial emitido na segunda-feira (27), colocando instalações e obras públicas como usinas elétricas e estradas sob proteção militar, foram a "confirmação de uma convicção que temos há meses", disse Gamal Eid, o chefe da Rede Árabe de Informação de Direitos Humanos, com sede no Cairo. "O Egito está solidificando o governo policial e militar", disse.
O decreto, que foi emitido enquanto o Egito não possui um Parlamento, estipula que as pessoas que cometerem crimes contra serviços de utilidade pública estarão sujeitas a processo em tribunais militares –um artigo que pode potencialmente abranger manifestantes marchando em vias públicas.
Defensores de direitos disseram que o artigo não apenas viola a Constituição, como também é desnecessário, já que os tribunais civis estão mais que dispostos a condenar tanto militantes quanto os oponentes do governo. As autoridades dizem que o decreto é uma medida necessária para proteção dos serviços e bens públicos contra ataques terroristas.
Mas mesmo com seus poderes de segurança altamente expandidos, as autoridades têm dificuldade em conter a insurreição que se desenvolveu no ano passado, depois da derrubada pelos militares do presidente Mursi, e que já custou a vida de centenas de policiais, soldados e outros agentes de segurança.
Os militantes operam principalmente no Sinai, transformando uma série de cidades no norte em uma zona proibida às autoridades e até mesmo montando suas próprias barreiras de controle. Eles também realizaram ataques com bomba na capital, mostrando ao mesmo tempo sinais de crescente sofisticação: o ataque teria sido realizado em duas etapas, com os militantes atacando os soldados que respondiam à explosão inicial.
Depois, as autoridades declararam estado de emergência na área e fecharam a travessia de fronteira do Egito com Gaza, de onde as autoridades egípcias dizem que os militantes estão recebendo apoio. As autoridades dizem que a zona-tampão terá a extensão da fronteira com Gaza e avançará cerca de 450 metros no território egípcio.
Ainda não se sabe se a zona-tampão terá algum efeito sobre a atividade militante, dado que as autoridades egípcias praticamente selaram Gaza ao longo do ano passado, limitando severamente o trânsito pela fronteira e demolindo agressivamente os túneis de contrabando.
As autoridades egípcias costumam culpar os militantes palestinos pelos ataques no Egito, acusações em refletem em parte a profunda antipatia do governo pelo Hamas, o movimento palestino dominante em Gaza, cujos líderes eram aliados estreitos de Mursi.
Mas enquanto as autoridades de segurança e a mídia pró-governo se agitava contra os palestinos ao longo do ano passado, os promotores apresentaram pouca evidência de envolvimento palestino nos ataques. E apesar de pesquisadores dos grupos militantes que operam no Sinai verem algumas ligações com os movimentos em Gaza, eles dizem que os militantes egípcios muito mais provavelmente recebem armas por rotas mais fáceis, incluindo a longa fronteira do país com a Líbia.
As demolições em Rafah se encaixam em um "padrão de respostas" dos militares egípcios, que gostam de uso força esmagadora e de explorar a oportunidade contra ameaças percebidas, disse Aaron Reese, o vice-diretor de pesquisa do Instituto para o Estudo da Guerra. Ele também é coautor de um recente artigo sobre os milicianos no Egito.
"O exército egípcio não está interessado em travar uma guerra urbana", disse. "Em vez disso, ele responde aos ataques dos militantes usando tanques e helicópteros contra alvos no Sinai, onde é difícil identificar militantes individuais misturados à população local."
"Isso provará ser contraproducente a longo prazo", acrescentou. "Não dá para demolir uma área, casa por casa, e persuadir as pessoas a trabalharem com você." 
Tradutor: George El Khouri Andolfato

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