sábado, 28 de março de 2015

A China pode ajudar o Afeganistão a conquistar a paz?
Alain Frachon - Le Monde
Será que os chineses conseguirão devolver a paz ao Afeganistão, algo em que os soviéticos e os americanos fracassaram? Eles certamente estão se esforçando, algo inédito para a diplomacia de Pequim. Normalmente, a China se concentra em seu desenvolvimento e se mantém afastada dos conflitos mais abertos, observando com cautela ou seguindo a linha de Moscou, contente em ver os xerifes americanos impedidos de agir nas questões mundiais.
Mas quando se quer recriar uma "Rota da Seda" do século 21, um novo eixo de crescimento e de comércio, deve-se passar pelo Afeganistão. E não se trata mais de caravanas, mas sim de investimentos pesados, tanto políticos quanto econômicos. Os chineses têm o ambicioso projeto de conectar o Sul da Ásia à Ásia Central, sendo que o Afeganistão tem 100 quilômetros de fronteiras com sua enorme vizinha, no final de uma ponta que leva até a província de Xinjiang.

A ameaça do exemplo iraquiano

As empresas chinesas estão cada vez mais presentes no setor de mineração do Afeganistão. O império do Meio tem interesses estratégicos locais. Ele pretende combater as redes transfronteiriças ligadas ao "islamismo mafioso", para usar a expressão de René Cagnat, especialista em Ásia Central. Pequim quer o apoio do Afeganistão contra eventuais grupos separatistas que pertencem à maioria muçulmana uigu de Xinjiang.
Neste momento em que os Estados Unidos se preparam para dar um fim à sua guerra de treze anos no Afeganistão, a China está preocupada em encontrar ali uma solução política. A ameaça de um caos como o iraquiano povoa a mente de todos. O novo presidente afegão tem cuidado das relações com sua gigante vizinha: Ashraf Ghani, que assumiu o cargo em setembro de 2014, foi a Pequim em outubro em sua primeira visita ao exterior, e não a Washington.
A capital chinesa também recebeu delegações de talebans afegãos, outra novidade. Os homens da insurreição armada pashtun (a maioria étnica do país) querem retomar o poder, ou uma parte do poder, em Cabul. Os chineses os aconselharam veementemente a deixarem isso de lado e a buscar uma solução negociada com o presidente Ghani e seu governo. Pequim chegou a se oferecer para receber essas negociações.
A China está começando a se envolver, enquanto os Estados Unidos aos poucos vão se retirando. Na terça-feira (24), o presidente Ghani foi recebido na Casa Branca por Barack Obama. Ex-funcionário do Banco Mundial – ele passou quinze anos em Washington - , Ashraf Ghani tem relações com os americanos bem melhores que seu antecessor, Hamid Karzai. Barack Obama, otimista, afirmava no final de dezembro: "A mais longa guerra jamais conduzida pelos Estados Unidos está prestes a ter uma conclusão responsável". O contingente americano ainda presente no Afeganistão (10.800 homens) deve ser reduzido pela metade até o final de 2015 e ser inteiramente repatriado um ano depois.
No entanto, Barack Obama deverá aceitar um pedido de Ashraf Ghani: manter este ano pelo menos 7 mil soldados americanos, para treinar e dar apoio a um exército afegão de 170 mil homens, minado pela corrupção e pelas deserções. Washington teme que a retirada do exército americano por etapas vá encorajar os talebans a redobrarem esforços para desestabilizar o regime de Cabul. Esse é também o temor dos chineses, que, paralelamente ao seu engajamento no Afeganistão, têm pressionado o padrinho dos talebans, o Paquistão.
Sem o apoio constante de Islamabad, especialmente do exército e dos serviços secretos, os talebans não seriam a força que são. Refúgios, bases de apoio, armas, financiamentos... tudo vem do Paquistão. Será que a China pode mudar essa situação? Barnett R. Rubin, especialista junto à ONU e ao departamento do Estado, com trinta anos de carreira na questão paquistanesa-afegã, escreveu no "New York Times": "A China disse claramente ao Paquistão, seu aliado mais próximo, que ela não queria ver os talebans novamente no poder em Cabul e, pelo contrário, que ela queria um acordo de paz que os levaria a guardar as armas e se integrarem à vida política afegã".
Os americanos têm o mesmo objetivo, mas os chineses têm cada vez mais meios de pressão sobre os paquistaneses. A China se tornou a principal fornecedora de armas de Islamabad, à frente dos Estados Unidos, e provavelmente a principal investidora local, em setores-chave, como os de energia, hidrelétricas, infraestrutura, transportes. À medida que os Estados Unidos se reaproximam da Índia, a China vai estreitando como nunca seus laços com o Paquistão.

Manobras paquistanesas

Podem os paquistaneses mudar? O presidente Ghani aposta nisso, o que é arriscado. Toda a política externa de Islamabad consiste em garantir um controle sobre o Afeganistão, através de talebans, para dispor de uma zona de profundidade estratégica na eventualidade de uma guerra com a Índia – a inimiga existencial do Paquistão. Ashraf Ghani tenta persuadir Islamabad, dizendo que seu governo não tecerá ligações privilegiadas com Nova Déli. Pelo contrário, o novo presidente afegão tem bajulado seu vizinho oriental para que ele deixe de apoiar os talebans. Fato inédito: não só Cabul suspendeu uma encomenda de armas para a Índia, como Ghani conversou com a nêmesis do Afeganistão, o general Raheel Sharif, chefe do estado-maior paquistanës, e Cabul tem enviado cadetes militares em treinamento ao Paquistão!
Mais complicado ainda que o esporte nacional que é o críquete, o jogo político-militar paquistanês poderá mudar um pouco e, sob pressão da China, favorecer a paz no Afeganistão.

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