sábado, 28 de março de 2015

Os últimos números da radicalização
Soren Seelow - Le Monde
Lançado em caráter de urgência pelo Ministério do Interior da França em abril de 2014 para conter a onda de partidas para a Síria, o plano nacional de combate à radicalização agora atingiu seu ritmo normal. Articulado em torno de uma plataforma telefônica e de governos locais, esse dispositivo permite que departamentos do Estado assinalem situações que possam ter escapado das agências de inteligência.
Os dados coletados há quase um ano permitiram que as autoridades afinassem sua percepção do radicalismo. Esse é um conceito que o ministério define, em um manual de treinamento destinado aos agentes do Estado, como "qualquer discurso que utilize preceitos religiosos apresentados como muçulmanos para levar um jovem à autoexclusão e à exclusão de todos aqueles que não são como ele."
Segundo informações obtidas pelo "Le Monde", 40% dos radicalizados assinalados são de convertidos.
De acordo com os últimos números oficiais, aos quais o "Le Monde" teve acesso, 3.142 pessoas foram assinaladas por parentes ou por serviços públicos nos últimos onze meses, sendo que 9% deles já haviam ido até a Síria. Todos os departamentos franceses apresentaram casos, com exceção de Creuse. Um quarto dos suspeitos seria de menores de idade, 35% seriam mulheres e 40% seriam convertidos. Quanto mais jovens são os indivíduos, maior a proporção de mulheres e de convertidos.
A grande diversidade desses perfis levou o governo a estruturar seu diagnóstico em torno de uma constatação: independentemente da origem cultural e social das pessoas assinaladas, todas têm em comum a perda de referências e a ruptura com seu ambiente. Então o acompanhamento dos interessados se articulou em torno de um acompanhamento social e psicológico, uma resposta que evita a dimensão religiosa, algo delicado de se tratar pelas instituições de um Estado laico.

"Muleta identitária"

"O fenômeno de radicalização não tem nada a ver com religião", afirma Pierre N'Gahane, governante regional encarregado da parte de prevenção do dispositivo. "Não são conversões ao islamismo, mas sim ao radicalismo, mesmo para os muçulmanos. A maior parte dos radicalizados têm em comum uma situação de fracasso, de ruptura, uma busca por um sentido ou uma identidade. Eles poderiam ter se agarrado a qualquer saída, seja uma seita, o suicídio, o exército ou drogas. A força do discurso jihadista está no fato de que ele dá resposta a tudo, seria como um kit de soluções. Cabe a nós oferecer-lhes uma solução alternativa."
Essa leitura centrada na vulnerabilidade das pessoas assinaladas é reforçada pelo fato de que quase um quarto delas são de adolescentes. "O discurso jihadista separa o puro do impuro, a verdade da conspiração, conceitos que aparecem como estruturantes nas crises agudas de adolescência", diz o psiquiatra Serge Hefez, que acompanhou uma dezena de famílias de adolescentes radicalizados. "O islamismo radical fornece uma muleta identitária".
A maior parte das denúncias, e isso vale ainda mais nos casos que são alvo de processos judiciários, diz respeito a jovens relegados vindos da periferia. Também nesse caso, segundo análise do governo, a "muleta identitária"do discurso jihadista viria a preencher uma lacuna de identidade bem mais do que uma vontade religiosa. "Parte dos jovens vive uma verdadeira frustração, um sentimento de não pertencerem à comunidade nacional", explica Pierre N'Gahane. "Alguns usam barba e vestimentas religiosas unicamente para saírem do anonimato. O Estado Islâmico lhes oferece uma terra onde eles poderão se reconstruir e se sentir considerados, e vendem-lhes a ideia de que poderão fazer parte de uma comunidade."
A viagem para o Sham – um território que cobre a Síria e vários países limítrofes – agiria como uma revalorização narcisística no sentido de que ela propõe que se siga, por imitação, o percurso do profeta Maomé. Segundo o Corão, o profeta de origem modesta conheceu a revelação, a humilhação, a ruptura e por fim a imigração, que precedeu a conquista e sua volta como vencedor. Uma trajetória caótica e fantasiada que, associada à leitura conspiracionista da propaganda jihadista, permite dar sentido a situações de fracasso.
Contudo, essa abordagem psicossocial do radicalismo divide os especialistas. Em um relatório entregue no final de dezembro de 2014 à Fundação de Ajuda às Vítimas do Terrorismo, Pierre Conesa, ex-oficial de alto escalão do Ministério da Defesa, opina que é importante entender a dimensão geopolítica da propaganda jihadista – que se alimenta dos erros da diplomacia ocidental na Síria e no Oriente Médio – para poder dar uma resposta melhor ao fenômeno.

"Epifenômeno"

Ele também considera necessário analisar o discurso salafista, "matriz ideológica" do jihadismo, para desconstruí-lo. Em sua versão quietista, maijritária na França, o salafismo preconiza uma leitura literal dos textos que, em seu desvio radical, legitimiza o uso da violência.
Ainda que ele não negue o desafio que representa para a sociedade a ascensão do salafismo, no sentido de que ele contesta os princípios do laicismo, Pierre N'Gahane lembra que sua missão não visa "distinguir o bom do mau muçulmano". "É preciso distinguir o fundamentalismo, que defende um retorno ao islamismo das origens, de sua versão radical e violenta", ele argumenta. Somente o salafismo jihadista representa "uma ameaça para o indivíduo ou para a sociedade", e portanto deve ser tratado dentro do plano nacional de combate à radicalização.
N'Gahane, que também dirige o comitê interministerial de prevenção da criminalidade, está em boa posição para saber que a onda de partidas para a Síria é um sintoma de males mais profundos. "Esses jovens têm suas raízes, eles passam por problemáticas culturais, religiosas, identitárias e sociais", ele explica. "O jihadismo é um epifenômeno, percutido por questões de sociedade que o amplificam: a questão religiosa do lugar do islamismo na sociedade, a questão cultural das normais sociais e a questão social da relegação de certas populações. Esses três fenômenos já existiam antes e continuarão a existir após o desaparecimento do jihadismo sírio."

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