segunda-feira, 30 de março de 2015

As ideias de Sergio Moro para tornar mais eficaz o combate a ‘esquemas criminosos que prejudicam a economia, corrompem a democracia e nos envergonham como país’
Augusto Nunes - VEJA
Em parceria com Antonio Cesar Bochener, presidente da Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe), o juiz Sergio Moro, responsável pela Operação Lava-Jato, publicou no Estadão deste domingo um artigo que reúne algumas propostas para tornar mais eficiente o combate à corrupção sistêmica que devasta o Brasil. Conforme o título, O PROBLEMA É O PROCESSO: 
A denominada Operação Lava Jato revelou provas, ainda pendentes de exame definitivo pelo Judiciário, da aparente existência de um esquema criminoso de corrupção e lavagem de dinheiro de dimensões gigantescas. Se confirmados os fatos, tratar-se-á do maior escândalo criminal já descoberto no Brasil. As consequências são assustadoras.
A Petrobras sofreu danos econômicos severos, ilustrados pelo pagamento de propinas milionárias a antigos dirigentes e pelo superfaturamento bilionário de obras. Além dos danos imediatos, a empresa sofreu grave impacto em sua credibilidade.
A própria economia brasileira, carente de investimentos, sofre consequências, com várias empresas fornecedoras da Petrobrás envolvidas no esquema criminoso. Mais preocupante ainda, todavia, é a possibilidade de que o esquema criminoso tenha servido ao financiamento de agentes e partidos políticos, pondo sob suspeição o funcionamento do regime democrático.
Embora se acredite que, com o apoio das instituições democráticas e da população em geral, tais problemas restem ao final superados, até mesmo com o fortalecimento da democracia e da economia brasileiras, a grande questão a ser colocada é: como se chegou a esse ponto de deterioração, no qual a descoberta e a repressão de crimes de corrupção provocaram tantos efeitos colaterais negativos?
Uma das respostas é que o sistema de Justiça Criminal, aqui incluídos a polícia, o Ministério Público e o Judiciário, não tem sido suficientemente eficiente contra crimes dessa natureza. Como resultado, os problemas tendem a crescer, tornando a sua resolução, pelo acúmulo, cada vez mais custosa.
A ineficiência é ilustrada pela perpetuação na vida pública de agentes que se sucedem nos mais diversos escândalos criminais. Não deveria ser tão difícil condená-los ao ostracismo.
Parte da solução passa pelo incremento da eficiência da Justiça criminal. Sem dúvida, com o respeito aos direitos fundamentais dos investigados e acusados, porém é necessário um choque para que os bons exemplos de eficiência não fiquem dependentes de voluntariedade e das circunstâncias.
Sem embargo de propostas de alterações do Direito Penal, o problema principal é óbvio e reside no processo. Não adianta ter boas leis penais se a sua aplicação é deficiente, morosa e errática.
No Brasil, contam-se como exceções os processos contra crimes de corrupção e lavagem que alcançaram bons resultados. Em regra, os processos duram décadas para ao final ser reconhecida alguma nulidade arcana ou a prescrição pelo excesso de tempo transcorrido. Nesse contexto, qualquer proposta de mudança deve incluir medida para reparar a demora excessiva do processo penal.
A melhor solução é a de atribuir à sentença condenatória, para crimes graves em concreto, como grandes desvios de dinheiro público, uma eficácia imediata, independentemente do cabimento de recursos.
A proposição não viola a presunção de inocência. Esta, um escudo contra punições prematuras, impede a imposição da prisão, salvo excepcionalmente, antes do julgamento. Não é esse, contudo, o caso da proposta que ora se defende, de que, para crimes graves em concreto, seja imposta a prisão como regra a partir do primeiro julgamento, ainda que cabíveis recursos. Nos Estados Unidos e na República Francesa, dois dos berços históricos da presunção de inocência, a regra, após o primeiro julgamento, é a prisão, sendo a liberdade na fase de recurso excepcional.
Não se ignora, por evidente, a possibilidade do erro judiciário e de eventual reforma do julgado, motivo pelo qual se propõe igualmente que as Cortes recursais possam, como exceção, suspender a eficácia da condenação criminal quando presente, por exemplo, plausibilidade do recurso. Mas a exceção não invalida a proposição. O problema da legislação atual é o de supor como geral o erro judiciário e, como consequência, retirar toda a eficácia da sentença judicial, transformando-a em mera opinião, sem força nem vigor.
No Brasil, chegou-se ao extremo de também retirar a eficácia imediata do acórdão condenatório dos tribunais, exigindo-se um trânsito em julgado que, pela generosidade de recursos, constitui muitas vezes uma miragem distante. Na prática, isso estimula recursos, quando não se tem razão, eterniza o processo e gera impunidade.
A Associação dos Juízes Federais do Brasil (Ajufe) apresentará, em breve, proposição nesse sentido ao Congresso Nacional. O projeto de lei foi previamente aprovado pela Estratégia Nacional de Combate à Corrupção e à Lavagem de Dinheiro (Enccla) no ano de 2014, em grupo de trabalho que contou com membros dos três Poderes.
Pelo projeto, o recurso contra a condenação por crimes graves em concreto não impedirá, como regra, a prisão. Permite ainda o projeto que o juiz leve em consideração, para a imposição ou não da prisão, fatos relevantes para a sociedade e para a vítima, como ter sido ou não recuperado integralmente o produto do crime ou terem sido ou não reparados os danos dele decorrente. Exige-se ainda alguma cautelaridade para a prisão, mas não como antes do julgamento.
Não se trata aqui de competir com as proposições apresentadas pelo governo federal ou pelo Ministério Público, mas contribuir, usando a experiência da magistratura, com a apresentação de projeto que pode mudar significativamente, para melhor, a Justiça.
O Brasil vive momento peculiar. A crise decorrente do escândalo criminal assusta. Traz insegurança e ansiedade. Mas ela também oferece a oportunidade de mudança e de superação.
Se a crise nos ensina algo, é que ou mudamos de verdade nosso sistema de Justiça Criminal, para romper com a sua crônica ineficiência, ou afundaremos cada vez mais em esquemas criminosos que prejudicam a economia, corrompem a democracia e nos envergonham como País.

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