Delator da JBS indica que gravou equipe de Janot durante reunião
Camila Mattoso - FSP
Em um arquivo recuperado pela perícia da Polícia Federal, o advogado e
delator da JBS Francisco de Assis e Silva insinua possuir a gravação de
uma reunião com a equipe de Rodrigo Janot, ex-procurador-geral da
República, durante as negociações de colaboração premiada.
A gravação resgatada também sugere mais uma vez a atuação do ex-procurador Marcello Miller como advogado na delação dos executivos do grupo quando ainda tinha cargo no Ministério Público Federal do Rio de Janeiro.
O ex-procurador virou pivô de uma crise que levou o STF (Supremo Tribunal Federal) a suspender temporariamente os benefícios de dois delatores do grupo.
Miller é suspeito
de ter atuado no acordo como advogado da JBS enquanto ainda era
procurador. Ele pediu exoneração em março, mas só deixou o MPF em abril.
Mensagens encontradas pela polícia já revelaram sua participação no caso.
Na conversa resgatada pela PF de um dos gravadores de Joesley Batista, o
diálogo ocorre dentro de um carro, logo depois de os colaboradores irem
à PGR (Procuradoria-Geral da República) para ter retorno sobre as
gravações secretas feitas com o presidente Michel Temer, seu ex-assessor
Rodrigo Rocha Loures e o senador afastado Aécio Neves.
Segundo relatam na conversa, o encontro na PGR teve a presença de
Eduardo Pelella, chefe de gabinete de Janot, e Sérgio Bruno, coordenador
do grupo de trabalho da Lava Jato.
No carro estão, além de Assis e Silva, Joesley Batista, dono da JBS, e o
executivo Ricardo Saud —a advogada Fernanda Tórtima também está
presente no início, mas sai no caminho para outro compromisso de
trabalho.
É possível concluir que o áudio é do dia 27 ou 28 de março, por volta de
10 horas da manhã. A gravação, que tem cerca de 30 minutos, se inicia
com Tórtima avaliando a reunião na PGR, dizendo que o resultado havia
sido muito positivo.
Quando ela deixa o carro, Saud aproveita para comentar sobre a relação
entre Miller e a Procuradoria. "Não quis falar perto da Fernanda. Mas
vocês viram como está claro que o Marcello está 'assim' com eles
[Pelella e Sérgio Bruno]?".
O executivo relata aos colegas um episódio. "Você viu o que eu pedi pro
Marcello hoje? Eu falei pra ele, 'Marcello, posso falar aqui?', ele
disse 'pode'. Eu falei: 'a casa lá escondida que o Delcídio fez, você
não falou pra mim que lá é o melhor lugar, que lá ninguém chega e tal?'.
Aí você viu o que ele [Pelella ou Sérgio Bruno] falou? 'Tem o lugar que
a gente fez com o Delcídio e tal', será que é tanta coincidência
assim?".
Assis e Silva e Joesley, então, concordam com a teoria do colega. "Lógico, óbvio".
É nesse momento que Assis e Silva insinua ter uma gravação da reunião
que acabara de acontecer. "E teve mais uma outra coisa que ele [Pelella
ou Sérgio Bruno] falou, logo que o Joesley entrou, que era uma conversa,
que que era mesmo? Eu vou ouvir aqui de novo".
Saud, segundo mostram outros áudios, foi o último a saber do início da
negociação da colaboração e que Joesley estava gravando secretamente
políticos.
Em algum momento, inclusive, houve receio por parte do dono da JBS de
que Saud acabasse fazendo primeiro uma delação premiada, delatando
Joesley.
Em depoimentos dados à PGR em meio ao imbróglio criado por causa da
participação do ex-procurador, os delatores admitem ter tido contato com
Miller e ter recebido orientações sobre a colaboração, mas negam que
tenham sido orientados em gravações não autorizadas.
A CASA DO DELCÍDIO
De acordo com apuração da Folha, a "casa" a que Saud se referiu
na gravação recuperada pela PF seria na verdade o Ministério Público
Militar (MPM), que fica em Brasília.
O local foi utilizado pela PGR para tomadas de depoimentos de dois
delatores: Ricardo Pessoa, dono da UTC, e Delcídio do Amaral (os dois
tiveram a participação de Miller como procurador).
Segundo informações da gestão anterior da Procuradoria, o MPM foi usado
para preservar o sigilo dos colaboradores, que não poderiam ser vistos
em hipótese alguma.
Como os delatores da JBS estavam receosos, a mesma ideia foi oferecida, o
que não foi para frente. Todos os depoimentos foram colhidos na própria
PGR.
OUTRO LADO
A defesa de Francisco de Assis e Silva disse que "não existe nenhuma
gravação feita pelo advogado". Sobre ter ido à PGR no mesmo dia da
gravação de Joesley Batista com Aécio Neves, o advogado e delator da JBS
disse que não sabia que o encontro aconteceria naquele dia.
"O assunto, no entanto, não foi tratado na reunião, pois Assis e Silva
não tinha conhecimento do fato. Sem acesso à agenda de Joesley, ele não
sabia nem ao menos que os dois estavam se encontrando naquele dia."
Em nota, a defesa de Assis e Silva afirmou que Marcello Miller não
participou nem orientou que os delatores fizessem gravações, nem em ação
autorizada pela Justiça. Miller não respondeu a mensagens nem atendeu
às ligações.
O procurador Eduardo Pelella disse desconhecer gravação de reuniões
relativas a acordos de colaboração e negou conversas sobre gravações de
autoridades.
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