quarta-feira, 21 de novembro de 2012

Greve na Argentina expõe desgaste do governo Cristina Kirchner
Francisco Peregil e Alejandro Rebossio - El Pais                
A Argentina amanheceu na terça-feira (20) sem jornais, sem serviço de coleta de lixo, nem imprensa, nem caminhões, nem voos nacionais e cancelamentos entre os internacionais. Os hospitais públicos atenderam só emergências, os postos de combustível ficaram fechados, os bancos, inoperantes, e mais de 160 piquetes interromperam o tráfego nas principais estradas e avenidas. Nesse sentido, a greve nacional de 24 horas promovida por duas das cinco centrais sindicais do país foi um êxito. Mostrou o imenso poder do líder do sindicato dos caminhoneiros, Hugo Moyano, grande aliado do governo de Cristina Kirchner há apenas um ano. E também mostrou a vulnerabilidade de uma presidente que acumulou inimigos demais em apenas 12 meses de mandato.
Até terça-feira, havia-se passado só 12 dias desde a noite de 8 de novembro, quando centenas de milhares de pessoas saíram às ruas com panelas. Protestaram contra a insegurança, a inflação, a manipulação da Justiça e a intenção mais ou menos explícita do governo de reformar a Constituição para permitir um terceiro mandato de Cristina Kirchner. Desde 2003, quando começou o governo de Néstor Kirchner, nunca houve um protesto tão maciço no país. No entanto, no dia seguinte, Cristina pronunciou um discurso em que, além de não mencionar o protesto, se permitiu negá-lo, dizendo que nessa semana ocorreram "dois fatos importantíssimos": a eleição do presidente dos EUA e a designação do presidente da China. Kirchner havia esclarecido horas antes daquele protesto que não pensava em "afrouxar", e não afrouxou.
Agora é a vez dos sindicatos de oposição. Reclamam a redução de impostos e sobretudo o aumento do salário mínimo dos atuais 427 euros mensais para 560 euros. Avisaram há várias semanas que paralisariam o país, e em boa parte o conseguiram. A greve foi organizada sem serviços mínimos, já que não existe nenhum regulamento no país a respeito. Embora muitas associações, como a de trabalhadores metalúrgicos, taxistas, condutores de metrô e de ônibus, não tenham aderido à convocação, centenas de milhares de pessoas não puderam se deslocar até seus locais de trabalho na capital porque a maioria dos trens ficou imobilizada. A prefeitura de Buenos Aires havia aconselhado os moradores a não tirar o lixo durante três dias, já que os caminhões não passariam para recolher desde a noite de segunda-feira. Mas apesar da advertência os dejetos se acumularam nos recipientes sob o calor o do verão austral.
A greve foi convocada por dois ramos da Confederação Geral do Trabalho (CGT) e a facção de oposição da Central de Trabalhadores da Argentina (CTA), integrada sobretudo por trabalhadores estatais. Mas o grande artífice da greve foi Moyano, o homem a quem Néstor Kirchner promoveu com pompas do poder sindical. No governo se tem a convicção de que Moyano só é movido pela ambição política.
Quando Kirchner o atacou frontalmente em seu discurso de posse na presidência, no ano passado, advertindo que não aceitaria chantagens, Moyano foi desenterrando lentamente o machado de guerra. Começou concedendo entrevistas aos canais de televisão do Grupo Clarín, a quem tanto criticou anteriormente; em junho convocou a primeira concentração na Praça de Maio de um sindicato peronista contra a política de Cristina Kirchner, e desde então não parou de atacar o governo.
No "panelaço" de 8 de novembro os meios de comunicação ligados ao governo disseram que os manifestantes eram os mesmos de sempre, isto é, as classes poderosas. Desta vez, entretanto, muitos dos trabalhadores que foram à greve votaram em Kirchner, e seus líderes são velhos conhecidos dos membros do governo.
Embora os interesses que movem a heterogênea e crescente classe média do país possam ser diferentes dos de sindicalistas e opositores do governo, há um ponto chave no qual confluem: a inflação. O governo afirma que a inflação é de 10%, mas os economistas independentes a situam acima de 20%. E em função dessa cifra foram negociados os convênios salariais. Até o ano passado, o governo sempre aceitou promover aumentos em torno de 20%. Poder-se-ia dizer que a inflação subia incontível por escadas-rolantes, mas o governo se antecipava colocando os salários no elevador. Agora parece impossível sustentar esse ritmo.
Alguns líderes sindicais já advertiram que se Cristina Kirchner continuar sem atender suas reivindicações, a próxima greve será de 36 horas.
"Votei nela e me enganou"
Cheirava a suor no piquete da General Paz, a estrada que contorna Buenos Aires, no cruzamento com a avenida dos Constituintes. Sob o intenso sol de primavera, as solas dos sapatos dos 300 manifestantes sindicais se aqueciam ao ritmo das habituais batucadas que trovejam nos protestos sociais na Argentina.
Um homem com a camiseta preta da Associação de Trabalhadores do Estado (ATE) dançava com uma garrafa de água na mão. Os carros tinham de deixar a General Paz e buscar outros caminhos, enquanto na autopista flutuavam bandeiras vermelhas dos opositores Partido Operário (PO) e Movimento Socialista dos Trabalhadores (MST), as verdes da ATE e as laranja dos militantes da Central de Trabalhadores da Argentina (CTA), que vinham de José C. Paz, um município na periferia de Buenos Aires onde no ano passado Cristina Kirchner ganhou as eleições presidenciais com 70,6% dos votos.
"Dizem que somos a CTA de oposição, mas nós votamos em Cristina. Se nos escutar, continuaremos votando nela", diz Marta Reyes, auxiliar de escola e dirigente da CTA em José C. Paz. Seu companheiro de trabalho Claudio Canegallo e a professora Cristina González também votaram na chefe de Estado e compartilham a opinião de Reyes. "Nós votamos em um governo nacional e popular, mas isto não é nacional nem popular. Nós não estamos contra o governo, mas queremos reabrir a negociação salarial porque os salários vão pela escada mas os preços pelo elevador", explica Reyes, contando que seus companheiros ganham entre 400 e 480 euros mensais.
"Eu votei nela e agora me enganou", comentou Julio Núñez, militante da União Ferroviária e trabalhador em uma das linhas de trens suburbanos que o governo voltou a nacionalizar este ano, depois de um acidente que custou a vida de 51 pessoas. "Eu via uma mudança, mas não há orçamento para a manutenção do trem. Estamos como na Espanha. A globalização está nos comendo a todos. Cada vez se pode vestir menos, comer menos, as escolas caem aos pedaços e os médicos deixam os hospitais públicos para trabalhar em clínicas privadas", lamenta Núñez.
Muitos outros que protestavam não tinham votado em Kirchner. É o caso de Moni Bustos, que integra uma das cooperativas formadas pelo governo para tarefas de manutenção das ruas. A cooperativa de Bustos é identificada com o Partido Operário, mas ela conta que mais da metade de seus membros votaram em Kirchner em 2011. Os corporativistas ganham 280 euros por mês. "Não dá para ninguém viver", diz Moni, enquanto dá ordens a seu pessoal a caminho do piquete.
Tradutor: Luiz Roberto Mendes Gonçalves 

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