sexta-feira, 27 de junho de 2014

Passado é importante, mas mais crucial é saber a atual situação europeia
Nikos Konstandaras - TINYT 
Vincent Kessler/Reuters
Integrantes do Parlamento Europeu participam de votação na cidade francesa de Estrasburgo Integrantes do Parlamento Europeu participam de votação na cidade francesa de Estrasburgo
A Europa está coberta de monumentos a guerras com invasores, com vizinhos e entre nós mesmos, e cheia de tratados de paz que falharam. A reunião de quinta-feira (26) dos líderes da União Europeia em Ypres, a cidade flamenga que se tornou sinônimo de chacina na Primeira Guerra Mundial, há um século, pode assumir um peso simbólico adicional. Ypres poderia se tornar uma nota de rodapé na história do grande desmanche da união – o lugar onde, depois de mais de 60 anos de paz, nossos líderes subestimaram uma ameaça e jogaram com a vida de milhões de pessoas.
É essencial compreender a história, mas mais crucial é saber onde nos situamos hoje, compreender a importância das decisões que tomaremos.
A União Europeia começou como uma estrutura de cooperação entre seis países produtores de carvão e aço – França, Alemanha Ocidental, Itália, Bélgica, Holanda e Luxemburgo – com o Tratado de Paris em 1951, menos de seis anos depois de seus últimos esforços para dominar uns aos outros. Foi um sucesso além de todos os sonhos.
Em Ypres, na quinta-feira, e em Bruxelas na sexta (27), os líderes de 28 países vão discutir questões que incluem do crescimento econômico à competitividade, da geração de empregos aos riscos derivados das crises na Ucrânia e (supostamente) no Iraque. Eles também vão considerar candidatos para altos cargos nas instituições da UE.
No que eles deveriam se concentrar, porém, é em como manter a união intacta enquanto ela enfrenta os maiores problemas da história.
Como os membros serão competitivos na economia global sem provocar fragmentação política? A Grã-Bretanha vai continuar? Como uma França enfraquecida vai afetar o equilíbrio de poder no centro da união? Quando as políticas vão refletir claras prioridades, em vez de ambivalências e interesses nacionais estreitos? Os líderes podem se concentrar no princípio de que a prosperidade de seus países depende de uma união bem-sucedida, tanto quanto a união depende da contribuição de cada país? Como os governos vão compartilhar o poder com as instituições europeias sem que qualquer dos lados perca legitimidade? A união conseguirá dominar o total de seu poder em termos de pessoas e riqueza?
A deriva da Grã-Bretanha para a saída é outro problema paralisante. Um dos pilares da Europa do pós-guerra, com suas ideias muitas vezes contrárias mas frutíferas, seu comércio agressivo e seus militares fortes, ela contribuiu decisivamente para a força da UE.
Agora está presa pelas táticas do primeiro-ministro David Cameron. Ao tentar manobrar os eurocéticos britânicos, propondo um referendo sobre a continuidade da participação no final de 2017, seus pedidos de uma união mais frouxa soaram desesperados e perigosos – especialmente quando a lição mais clara da crise econômica foi a necessidade de cooperação mais estreita.
Cameron enfrenta um dilema: continuar pressionando, independentemente dos danos para a posição britânica na UE, ou recuar e selar seu destino político em casa. Os compromissos obscuros que muitas vezes permitiram que a união seguisse em frente aos tropeços não vão funcionar.
Um problema mais imediato é a perda de estatura e influência da França. A cooperação entre França e Alemanha, os dois países mais poderosos do continente e antigos rivais, foi a razão pela qual nasceu a união e tem sido sua força propulsora.
Temendo o custo social e político das reformas, a França enfraquece, deixando a rica Alemanha como líder indiscutível da UE. Isso contradiz o princípio de uma união de iguais trabalhando para o bem comum e abre caminho para alianças oportunistas às custas do todo. A história está cheia de alianças que se transformaram em impérios.
A crise reforçou a posição de Berlim. A perda de competitividade em outros países, a fuga de capitais para o porto seguro da Alemanha e um euro (relativamente) mais fraco fizeram a Alemanha ser inundada por dinheiro barato às custas dos outros membros.
Mas as políticas da Alemanha muitas vezes foram míopes. E o Banco Central Europeu, a única instituição que parece enfocada em salvar a moeda comum e a UE como um todo, envolveu suas políticas em uma nova linguagem vaga e assim evitou se chocar com a disciplina fiscal da Alemanha.
Claramente, anos de aumentos de impostos enquanto se cortam os gastos e as rendas não levam à recuperação, como vimos na Grécia. Mas a união pressionou com essa política até que pareceu que a Itália e a Espanha seguiriam a Grécia, Irlanda e Portugal na necessidade de pedir socorro a seus parceiros e ao Fundo Monetário Internacional. As promessas do Banco Central Europeu, e não as políticas alemãs, detiveram o efeito dominó. (Alguns países são grandes demais para resgatar, enquanto outros são grandes demais para censurar: em 2003, a UE adiou uma investigação das finanças alemãs e francesas quando os dois países contraíram grandes déficits.)
A Grécia tem uma visão íntima das forças e fraquezas da UE. Sem a ajuda de nossos parceiros, teríamos desmoronado. Com seu know-how, estamos reformando a economia e a administração pública enquanto lutamos com a deflação, o desemprego em quase 27%, a dívida insustentável e números crescentes de pessoas incapazes de pagar seus impostos e empréstimos, enquanto o sistema político se fragmenta.
Novos mecanismos da UE, como uma união bancária, um Banco Central Europeu mais ativo e pressão por maior flexibilidade na política fiscal e monetária sugerem que o enfoque agora pode ser para a sobrevivência e o crescimento. A crise obrigou a UE a dar grandes passos, mas ainda parece haver uma falta de liderança e direção.
A sobrevivência da união é importante demais para ser deixada a cargo de políticos cuja principal preocupação é a reeleição. Ela precisa de ideias. Talvez esteja na hora de chamar os sonhadores, intelectuais, acadêmicos, empresários, aposentados, trabalhadores e desempregados de todos os cantos da união, e mesmo de além de suas fronteiras. Precisamos de uma grande convenção sobre o futuro do que é, acima de tudo, um farol da humanidade. Uma espécie de conferência de paz sem uma guerra.
Tradutor: Luiz Roberto Mendes Gonçalves

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