sábado, 28 de junho de 2014

Quatro meses depois, revolução ucraniana ainda tem promessas não cumpridas
Benoît Vitkine - Le Monde
Segundo suas próprias palavras, Tetiana Tchornovol é uma "estrela" da revolução ucraniana. Por causa de seus momentos mais sombrios, como em 25 de dezembro de 2013, quando essa jornalista especialista em casos de corrupção foi encontrada em uma vala depois de ser espancada em uma estrada nos arredores de Kiev por ter publicado, algumas horas antes, fotos da luxuosa residência do ministro do Interior da época. Ela também foi uma estrela após a fuga do presidente Viktor Yanukovich. No dia 22 de fevereiro, a multidão da Praça da Independência (Maidan) aclamava o nome da nova chefe do "comitê nacional de combate à corrupção".
Hoje, Tchornovol é uma oficial do governo perdida nas engrenagens da administração, sem uma equipe e sem verdadeiros poderes, impotente diante do "dragão" da corrupção e criticada por seus antigos colegas. Ela trabalha na liquidação dos bens do clã Yanukovich, que incluem imensos estoques de hidrocarbonetos.
A jovem lutou obstinadamente com seus interlocutores do Ministério da Justiça para preparar um projeto de lei que encarregasse o Estado de liquidar esses estoques e, no final, descobriu que um dos vice-ministros, já no cargo durante a presidência anterior, havia modificado o texto e oferecido a empresas o cuidado de conduzir a transação.

"Vontade política"

"No topo existe vontade política, mas muitos oficiais e políticos continuaram no mesmo lugar", conta Tchornovol. "Os antigos esquemas de corrupção, sobretudo, continuam, ainda que com uma voracidade diferente da era Yanukovich. Seria preciso substitui-los, mas onde encontrar pessoas experientes o suficiente para isso? Quanto à corrupção, ela beneficia gente demais, inclusive dentro do novo governo."
Fazer substituições é a obsessão de um outro comitê criado na euforia pós-revolucionária, encarregado do "expurgo". A ideia inicial era se livrar de dezenas de milhares de políticos. Tudo parecia possível. O primeiro-ministro, Arseni Yatseniuk, não havia anunciado que passaria a viajar de classe econômica?
Quatro meses depois, a maioria dos projetos de lei do "comitê de expurgo" repousam no fundo de uma gaveta. Sua vitória mais retumbante se transformou em derrota: em meados de abril, depois que 2.000 pessoas recrutadas dentre os irredutíveis que permanecem acampados na Praça da Independência se reuniram diante do Parlamento, todos os presidentes de tribunais foram demitidos e sua substituição foi submetida a uma votação dos juízes. Resultado: 80% deles foram readmitidos.
"Para dizer a verdade, nosso comitê nem foi formado oficialmente", explica uma das coordenadoras do grupo, Olga Galabala. "O anúncio de sua criação foi somente para acalmar os manifestantes. Depois teve a Crimeia, a guerra no leste, mas sabemos que a revolução é um processo longo. É preciso somente que os cidadãos não baixem a guarda, como eles fizeram depois da 'revolução laranja' de 2004."

Resistências

A principal solução sugerida pelos militantes para atender as reivindicações da revolução e acelerar a renovação das elites foi a realização de eleições parlamentares antecipadas. Essa era uma promessa do candidato Petro Poroshenko, eleito à presidência no dia 25 de maio, e toda a classe política se mostrou a favor. Mas também nesse caso as resistências mostram as dificuldades de se eliminar práticas antigas. Elas emanam dos potenciais perdedores de uma eleição como essa --Partido das Regiões, do ex-presidente Yanukovich, Partido Comunista, Partido Batkivchtchina, de Yulia Timoshenko--, mas sobretudo dos deputados que pura e simplesmente compraram suas cadeiras nas eleições de 2012. Segundo dados coletados pela socióloga Yulia Shukan, um mandato na Rada [Parlamento] pode custar milhões de euros. O retorno sobre seu investimento seria simplesmente ameaçado.
"Os rostos já mudaram", afirmou Poroshenko em seu discurso inaugural, no dia 7 de junho. Nas entrelinhas, era preciso entender sobretudo que uma mudança radical do sistema teria de esperar. O discurso, aliás, falava menos em eventuais reformas do que no salvamento da integridade territorial do país, ameaçada pela insurreição na Bacia do Donets.
O desempenho do presidente --54,7% dos votos no primeiro turno-- mostra que as prioridades mudaram: apesar das promessas não cumpridas e da volta dos desprezados oligarcas, a ideia era dar o mandato mais forte possível, em um contexto de agressão externa, ao mais bem posicionado dos candidatos oriundos da revolução.
Sergei Pashinski foi o chefe do gabinete presidencial do antecessor de Poroshenko, Olexandre Turchinov, presidente interino durante três meses. Ele mantém mais ou menos o mesmo discurso. "Quando chegamos ao poder, nosso objetivo número um era o combate à corrupção. Uma semana depois, a grande questão passou a ser a sobrevivência da Ucrânia. Mas não se pode pensar que a revolução da Maidan não serviu para nada. Uma nação nasceu dali, e ela se afirmou na eleição presidencial, quando as regiões votaram indistintamente em Poroshenko. A próxima etapa será construir um Estado sobre as ruínas que herdamos."

"Lua de mel"

Em que pé está a revolução, quatro meses depois e diante da assinatura do acordo de associação comercial entre a Ucrânia e a União Europeia na sexta-feira (27)? A resposta de Pavel Rizanenko, deputado do partido UDAR, não está tão longe da dos militantes da revolução.
"O governo ainda está em lua-de-mel. Mas daqui a seis meses será necessário apresentar resultados tangíveis, senão haverá uma revolução em outubro, como houve na Rússia a Revolução de Outubro depois da de fevereiro."
Os chefes de polícia foram substituídos em sua circunscrição, nos arredores de Kiev. Mas os policiais rasos, que complementam seus salários de 200 euros extorquindo cidadãos e empresários, ficaram.
Rizanenko tem um plano simples para ganhar tempo: "trocar" esses homens por outros de uma cidade vizinha, "pelo menos para passar a impressão de mudança para as pessoas".

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